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LITERATURA PARA TODOS OS PALADARES



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HILDA HILST: ECONOMIAS ESTÉTIC

 

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA

                                            

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

HILDA HILST:  ECONOMIAS ESTÉTICAS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Florianópolis – SC

 

2006

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FICHA CATALOGRÁFICA

 

           

            Duarte, Edson Costa

 

H00x    Hilda Hilst: economias estéticas / Edson Costa Duarte - Florianópolis, Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina, 2006.

           

            Orientador: Prof. Dr. Alckmar Luiz dos Santos

            Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Comunicação e Expressão.

 

            1. Duarte, Edson Costa -  Crítica brasileira séc. XXI – Literatura brasileira. Hilda Hilst.

            2. Teoria Literária.  I. Universidade Federal de Santa Catarina   II. Título.

 

 

                                                          

 

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

                       


Edson Costa Duarte

 

 

 

 

 

 

HILDA HILST:  ECONOMIAS ESTÉTICAS

 

 

                                                                   

 

 

Tese  apresentada  ao  Departamento de Teoria Literária do Curso de Pós-Graduação em Literatura do Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Teoria Literária.

 

Orientador: Prof. Dr. Alckmar Luiz dos Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

Florianópolis – SC

 

2006

 

 

  

 

 

 

 

 

 

BANCA EXAMINADORA

 

 

 

 

                                                                                                     

Prof. Dr. Alckmar Luiz dos Santos – orientador / UFSC

 

 

 

                                                                                                  

Profa. Dra. Eliane Robert Moraes / PUCSP

 

 

 

                                                                                                  

Prof. Dr. Antonio Alcir Bernardez Pécora / UNICAMP

 

 

 

                                                                                                  

Profa. Dr. Stélio Furlan / UFSC

 

 

 

                                                                                                  

Profa. Dr. Marco Antonio Castelli  / UFSC

 

 

 

                                                                                                  

Prof. Dr. Marcos José Müller – Suplente / UFSC

 

 

 

 

 

 

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

POEMA BRANCO

 

 

PARA HILDA HILST

 

 

 

 

 

Para a mente moderna, a poesia é energia, tempo e talento voltados a objetos supérfluos. No entanto, contrariando toda a lógica, a poesia circula e é lida... Seu valor e sua utilidade não podem ser medidos...  E os poemas não podem ser economizados para formar uma poupança: eles têm que ser gastos.

 

OCTAVIO PAZ [1]

 

 

 

 


          

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para realizar

este trabalho,

contei com o

apoio financeiro

da CAPES

desde

junho de 2002.

 




RESUMO

Tendo o tempo como principal moeda de troca simbólica, faço, neste estudo, uma leitura de nove livros de poesia da escritora Hilda Hilst, publicados entre 1974 e 1995, distribuindo-os em três economias estéticas. As economias dos afetos, do terror/medo e do excesso- e as dinâmica simbólicas que as atravessa - me permitiram demarcar um possível terreno conceitual para a interpretação da poesia hilstiana.

 

PALAVRAS-CHAVE: Poesia moderna brasileira (Crítica). Hilda Hilst (Poesia). Trocas simbólicas. Economias estéticas. Tempo.

 

 

RESUMÉE 

Ayant le temps comme principal monnaie d’échange symbolique, je fais, dans cette étude, une lecture de neuf livres de poésie de Hilda Hilst, publiés entre   1974 et 1995, en les divisent dans trois économies esthétiques. Les économies des affections, de la terreur/peur e de l’excès – et les dynamiques symboliques qui les traversent – m’ont permis de délimiter un possible domaine conceptuel pour interpreter la poésie hilstienne.

 

MOTS-CLÉS: Poésie moderne brésilienne (Critique). Hilda Hilst (Poésie). Échanges symboliques. Économies esthétiques. Temps.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Carrega-me contigo, Pássaro-Poesia

Quando cruzares o Amanhã, a luz, o impossível

Porque de barro e palha tem sido esta viagem

Que faço a sós comigo. Isenta de traçado

Ou de complicada geografia, sem nenhuma bagagem

Hei de levar apenas a vertigem e a fé:

Para teu corpo de luz, dois fardos breves.

Deixarei palavras e cantigas. E movediças

Embaçadas vias de Ilusão.

Não cantei cotidianos. Só cantei a ti

Pássaro-Poesia

E a paisagem-limite: o fosso, o extremo

A convulsão do Homem.

 

Carrega-me contigo.

No Amanhã.

 

 

HILDA HILST [2]

 

                                            

 

 


S U M Á R I O

 

 

PRIMEIRO APARTE

Aberturas: fendas                                                                                                       p. 12

 

SEGUNDO APARTE

 

1. Para uma economia estética dos afetos                                                            p. 33

Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974)                                                           p. 35

Cantares de perda e predileção (1983)                                                                    p. 49

Amavisse (1989)                                                                                                          p. 64

Do desejo (1992)                                                                                                         p. 75

1.1. Para uma economia estética do excesso: dinâmica simbólica I

Cantares do sem nome e de partidas (1995): dos afetos ao excesso                    p. 83

 

 

2. Para uma economia estética do terror/medo                                         p. 97

2.1. Da morte. Odes mínimas (1980)                                                                          p. 110

2.1.1. Para uma economia estética do excesso: dinâmica simbólica II

Alcoólicas (1990): morte - do terror/medo ao excesso                                          p. 121

 

2.2. Poemas malditos, gozosos e devotos (1984)                                                      p. 130

2.2.1. Para uma economia estética do excesso: dinâmica simbólica III

Sobre a tua grande face (1986): Deus - do terror/medo ao excesso                  p. 142

 

TERCEIRO APARTE

Fechamentos: gretas                                                                                                 p. 149

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS                                                                                p. 161

 


 

 

 

 

 

 

S O L U M

 

PARA UM FIM DA PROSA

 

Imaginemos um sábio. Especialista na análise dos rituais, ele se apropria desta obra, a menos que, ninguém jamais o saberá, ela lhe tenha sido oferecida. Em todo caso, ele faz dela coisa sua, acredita reconhecer nela o desenrolar ritualizado de uma cerimônia, ou até mesmo de uma liturgia, e isso se torna um tema para ele, um objeto de análise. O rito, por certo, não define um campo. Há rito por toda parte. Sem ele, não há sociedade, não há instituição, não há história. Não importa quem possa ser especialista na análise dos rituais, pois esta não é uma especialidade. Esse sábio, digamos, esse analista também pode ser, por exemplo, um sociólogo, um antropólogo, um historiador, se quiser, um crítico de arte ou de literatura, até mesmo um filósofo. Você ou eu. Em algum grau, graças à experiência e de modo mais ou menos espontâneo, cada um de nós pode desempenhar o papel de analista ou de crítico dos ritos, ninguém está totalmente livre disso. Aliás, para desempenhar um papel nessa obra, para desempenhar um papel onde quer que seja, é preciso estar inscrito na lógica do rito e, ao mesmo tempo, justamente para proceder bem, para evitar os erros e as transgressões, ser capaz de analisá-la até certo ponto. É preciso compreender suas normas e interpretar suas regras de funcionamento.[3]

 

 

JACQUES DERRIDA

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

P R I M E I R O     A P A R T E

 

 

APARTE: discurso em forma de comentário, dirigido à audiência por um ator, convencionalmente não ouvido pelos outros atores. Foi principalmente usado no melodrama, sendo na época moderna substituído pelo gesto ou máscara facial do autor.

 

(ARÊAS, Wilma. Iniciação à comédia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. p. 120.)


ABERTURAS: FENDAS

 

Tantas páginas, tantos livros que foram, para nós, fontes de emoção, e que relemos para estudar a qualidade dos advérbios ou a propriedade dos adjetivos! [4]

 

EMILE CIORAN

 

 

Fotografia sumária de nove livros de poesia de Hilda Hilst, publicados entre 1974 e 1995, este estudo tem o intuito de fornecer algumas bases conceituais sob as quais é possível se ler a obra poética hilstiana.

A crítica acadêmica sobre a obra, principalmente sobre a poesia, de Hilst, é ainda relativamente pequena, levando-se em conta que seu primeiro livro Presságio, de poesia, foi publicado em 1950.  Sobre a poesia de Hilst, conheço apenas sete estudos acadêmicos: o de Goimar Dantas de Souza, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo (2003); os de Fátima Ghazzaoui (2003), Gabriel Albuquerque (2002) e Cristiane Grando (1998), feitos na USP; e os de Fabiana Amorim (2002), Sueli Miranda (2003) e Bernardo Amorim (2004), realizados na UFMG.[5]

Dos críticos que podem ser considerados pioneiros, tendo publicado textos, em jornais e revistas, algumas vezes republicados em livros, destacam-se alguns nomes: Sérgio Buarque de Holanda, Sérgio Milliet, Jorge de Sena, Anatol Rosenfeld, Nelly Novaes Coelho, Leo Gilson Ribeiro, Ivan Junqueira, Cláudio Willer, Vilma Arêas e Berta Waldman.[6]

As notas introdutórias de Alcir Pécora (escritas entre 2001 e 2005) à obra reunida de Hilst, publicada pela Globo, me ajudarão a dar um contorno mais nítido a algumas reflexões a serem desenvolvidas. No capítulo final, um texto de Pécora e dois instigantes e precisos ensaios de Eliane Robert Moraes nos possibilitarão iluminar alguns possíveis desdobramentos interpretativos da poesia e obra hilstianas.[7]

 

VERTICALIDADE DA ESCRITA: MOVÊNCIA E OPACIDADE

 

Se no primeiro momento da poesia de Hilda predominam a ampliação do sentido e o acréscimo de mensagens, na vertente da literatura como relato memorial, num segundo momento ocorre um desbaste, uma redução cada vez mais acirrada dos efeitos de sentido, em cujo espectro figura uma crescente opacidade, que se tornará característica constante em sua produção.[8]

 

SUELI DE MELO MIRANDA

 

Numa entrevista concedida a Braulio Pedroso, em 1961, Hilst afirmava: “Eu diria que os versos se sucedem quase que por magia. O que representa esforço, sem dúvida, é conseguir tecnicamente o que já foi captado sensorialmente.”[9]  Esta busca da escritora se adensará ao longo dos anos, e só depois de muito trabalho é que, aos poucos, ela conseguirá aliar a técnica à expressão do sentimento.

A contradição flagrante da poesia primeira de Hilst é justamente o fato de a escritora conseguir um maior equilíbrio entre a idéia e sua expressão (de forma a que não haja o nítido entrechoque entre uma idéia complexa e uma resolução estética ainda pouco apurada) somente a partir de 1974. Nesse ano, depois de sete anos de afastamento[10] da poesia (Exercícios para uma idéia, é de 1967), Hilst publica Júbilo memória noviciado da paixão. Neste período, Hilst escreveu oito peças de teatro (1967-1969) e livros de prosa.

Em 1980, chegamos à hora dos trombones.[11] Com a publicação de Da morte. Odes mínimas, a poeta alcança o pleno domínio da língua, o limite de seu excesso. A distância temporal entre a publicação desse livro de poesia e do anterior é de seis anos. Tempo de maturação da poesia, período em que Hilst começa a escrever sua prosa, altamente elaborada e madura, desde seu início (1970).

Em 1981, foi atribuído à escritora, pelo conjunto de sua obra, o Grande Prêmio da APCA. Num texto em que faz um balanço da obra de Hilst, um leitor atento como Leo Gilson Ribeiro (mesmo que se saiba dos exageros de muitos de seus textos), ao falar do livro Poesia (1959/1979),[12] faz uma justa observação:

 

(...) em nossa opinião, a grande poesia hilstiana só alça vôo mesmo a partir do seu longo silêncio, de sete anos, entre 1967 e 1974. Ao contrário da sua prosa, que não apresenta cesuras nem rompimentos abruptos, a poesia de Hilda Hilst, quer-nos parecer, nada teria de excepcional, se se tivesse limitado ao período anterior a 1974.[13]

 

Demarcada esta data em que a poesia de Hilst alça vôo, um texto de Nelly Novaes Coelho[14] nos ajudará descrever algumas características da obra poética hilstiana. Nelly fala de uma tarefa nomeadora existente na voz da poeta, a palavra demiúrgica que cria o Real,[15] e ressalta, o que mais me interessa, a existência de dois pólos imantados que atraem a invenção da poética hilstiana: o mistério da poesia e do amor. Segundo a estudiosa, esse mistério

 

(...) vai-se alterando e ampliando em círculos cada vez mais largos, à medida que a poeta verticaliza e aprofunda a sondagem de sua palavra. Do interrogar atento e lírico (voltado para os seres e coisas), seus poemas vão radicalizando o interrogar e se concentrando mais no eu, no ser-que-interroga.[16]

 

Nelly afirma, ainda, que a volta[17] de Hilst à poesia (em 1974) é marcada por uma distância, não propriamente de valor poético, mas de intensidade. Os temas já visitados por Hilst retornam, de forma mais densa. O erotismo ganha em força, há uma evolução do conceito de sexualidade, e por meio desta experiência-limite definitiva, o chamamento erótico do amado ausente (tópica já encontradiça nas cantigas medievais), ocorre a descoberta da expansão e duração do homem no tempo.

Esse movimento de verticalidade da poesia hilstiana, apontado por Nelly Novaes Coelho, deve-se ao assentamento de uma linguagem poética que ganha corpo e forma, pelo definitivo estabelecimento de marcas estilísticas que singularizam o estilo da poeta. O passo seguinte de Hilst será elevar a linguagem para o plano do insabido, do incognoscível. Partindo desta paixão ambígua, desta experiência-limite, a poeta revisitará os temas recorrentes em sua obra poética: a morte, a vida, a relação mística e amorosa, Deus etc.  

A obra poética posterior de Hilst (1974 – 1995) será feita de verticalizações e desdobramentos temáticos e estilísticos progressivamente mais vigorosos e vertiginosos.

Para tanto, muitas vezes a poeta se vale de frases poéticas desestruturantes, de uma linguagem marcada pelas volutas, círculos, redemoinhos, descentramentos da escrita. A opacidade referencial aparece quando Hilst aproxima e amalgama opostos, operando dentro da tensão discursivo-conceitual entre o sagrado e o profano, entre o eterno e o instante, o que determinará o caráter instável e movente de muitos dos poemas hilstianos.

Este aspecto da poesia hilstiana é descrito por Jorge Coli,[18] num texto sobre Cantares do sem nome e de partidas (1995). Coli ressalta que a poeta retoma um caminho meditativo neste livro, e que o efeito mais imediato dos poemas é o da comoção. Por fim, o crítico acrescenta que Hilst

 

(...) investe suas frases de uma dinâmica movente, ritmadas por uma força a um tempo natural e poderosa (...) É um texto encantatório e mágico, resistente às análises que descortinam ou às teorias que generalizam. As palavras possuem ali alguma coisa de palpável e de espesso. Aos poucos nos persuadimos dessa metafísica que se inicia no amálgama que às vezes chamamos de impuro e de material, feito de nosso orgânico ser (...) Hilda canta nossas entranhas, nossos órgãos, nossa pele, nosso esqueleto. É como se cada um deles possuísse uma alma na matéria de que são feitos, mesmo os mais ínfimos, mesmo os mais obscenos. Ela canta também as funções vitais que nos fazem vivos e ao mesmo tempo perecíveis. (...) Ela se interroga sobre o tempo, sobre o que passa, o que se prolonga, o que volta. Ela nos leva a sentir a morte como a ausência, e apreender, perplexos, a morte em nós, percebida rapidamente por uma fenda estreita (...)

 

Alguns elementos importantes da obra poética de Hilst posterior a 1974 estão resumidos nesta fala de Coli. A poesia hilstiana, agora, detém-se no tempo, no trânsito entre os opostos: alto/baixo, puro/impuro, sagrado/profano. O pensar o corpo como depositário de sensações que vitalizam nossa existência, que a tornam intensa, inclui também o pensar a perecibilidade desta mesma matéria (de que somos feitos) que nos possibilita as sensações.

 

ENCENAÇÃO DRAMÁTICA E METALINGUAGEM

Elencamos dois recursos estilísticos que são recorrentes na poesia hilstiana escrita entre os anos de 1974 a 1995: a encenação dramática do poema e a concentração temática dos livros.

            A encenação dramática faz com que num mesmo poema se ouçam outras vozes que fazem parte da orquestração poética que multiplica os pontos de vista, permitindo-nos iluminar o que está em cena e o ob-sceno da linguagem poética.   Este espelhamento dramático reflete o avesso do texto, às vezes marcando a emergência da metalinguagem na poesia hilstiana. O interlocutor serve como um eu-ausente, cuja função é possibilitar o aparecer da pergunta, por exemplo, sob a máscara da interlocução.

 

Pulsas como se fossem de carne as borboletas.

E o que vem a ser isso? perguntas.

Digo que assim há de começar o meu poema.[19]

 

Na leitura dos poemas, o que se percebe é que alguns recursos estilístico-formais anteriormente utilizados por Hilst se assentam e são decantados. Em alguns casos, a poeta dá uma nova função para recursos já utilizados. Isto é um índice de uma insatisfação representacional. Ao lidar com complexidades cada vez maiores, com novas formas de apresentação dos temas, a poeta empurra a linguagem para significados cada vez mais flutuantes, entrando num terreno conceitual movediço. Aí, estamos nos limites do que a própria linguagem pode representar.

Ao lado deste fazer textual dramático e orgânico, vê-se um progressivo aprofundar das questões já visitadas pela autora. Os temas, os feixes temáticos que atravessam os livros, serão basicamente os mesmos, mas se antes havia um buscar a segurança de certezas, agora paira a dúvida; se antes havia afirmação, agora paira o impasse, o aberto, o escorregadio de uma linguagem que acumula significados ao mesmo tempo que os desmonta.

Nos poemas, percebe-se uma reiterada busca de comunicação, um embate dramático com seu objeto de reflexão. O recurso mais insistentemente utilizado por Hilst será uma intensa dialogação com um interlocutor que às vezes é humano, mas na maioria dos casos é uma espécie de duplo da própria consciência da poeta.

Nos livros elencados na economia dos afetos este interlocutor é quase sempre um outro-humano, embora alguns poemas façam referência a um eu sobre-humano. Nos livros das economias do terror/medo e do excesso, o que se encontra como interlocutor é, via de regra, um outro não-humano, sobre-humano.

Deste modo é que a idéia de Deus, da morte, da vida, dos afetos (o desejo, o medo, a paixão, o ódio, a ira, o amor) serão figuradas ou personificadas, muitas vezes, em formas viventes. Assim, Hilst cria um lugar conceitual, ocupado pela voz da poeta, que é eqüidistante entre o profano/humano e o sagrado/divino.

 

CONCENTRAÇÃO TEMÁTICA E ORGANICIDADE

Mais do que dividir a poesia hilstiana em fases ou maturações, o centramento da análise nos livros publicados de 1974 a 1995, deve-se ao fato de que neles há uma maior coesão de alguns recursos estilístico-formais utilizados pela autora. Em vez de traçar uma linha evolutiva da poesia hilstiana, nos ateremos a este momento em que Hilst opera a verticalidade de sua escrita.

Em 1974, com a publicação de Júbilo memória noviciado da paixão, a escritora dá uma última configuração àquilo que seria a ‘arquitetura’ de seus livros de poesia. Excetuando-se Amavisse, todos os outros livros de poesia posteriores se concentrarão num único núcleo temático, numa arquitetura dramática bastante cerrada,

A organicidade dos livros de Hilst é um índice de que a poeta traça um roteiro no seu fazer poético. Assim, encontra-se, em cada livro de poesia de Hilda Hilst (1974 – 1995), um núcleo temático que toma várias nuances nos poemas, servindo de espinha dorsal, de viga mestra para o desenvolvimento das reflexões da poeta. 

Este centro da atração temática se repetirá nos poemas, dando uma ordenação necessária ao pensamento para conter e organizar toda a profusão de questionamentos a que a poeta está sujeita. É precisamente esse processo que lhe possibilita um maior aprofundamento das ramificações que um mesmo tema pode sugerir.  

            Nos poemas de Júblio memória, noviciado da paixão (1974), o centro de atração temático é o amor não-realizado. A poeta intenta dialogar com o seu amado, que despreza seu amor. O potencial amante se metamorfoseia, sendo chamado por vários nomes - Túlio, Ricardo, Dionísio -, que simbolizam os vários modos de figuração do afeto, no presente caso, do amor.

            Em Da morte. Odes mínimas (1980) há a preocupação com o redimensionamento da vida por meio da reflexão sobre a morte, o impossível instante do encontro com o desconhecido.

            Em Cantares de perda e predileção (1983), tem-se uma doída reflexão sobre o sentimento ambíguo e contraditório da paixão, vista sobre viés do paradoxal amálgama entre o ódio e o amor, numa perspectiva de um ser que se  sabe, pelo desejo, inteiro presa do outro ser.

            Em Poemas malditos gozosos e devotos (1984), a poeta dialoga com um Deus de quem ela desconfia, pois este Deus bebe na crueldade. O Deus do Novo Testamento, que manda seu filho padecer de todo o sofrimento sobre-humano.       

            Em Sobre a tua grande face (1986) há a tentativa da nomeação de Deus. O DESEJADO, Cara Escura, Sem Nome[20], estes são alguns de seus nomes. Nestes poemas, há a busca da dimensão humana, da pequenez do homem diante do possível contato com a divindade, e sua incapacidade de nomear o Absoluto e, num movimento contrário, a elevação do humano em direção ao divino, que se realiza enquanto corpórea fantasia do humano. 

            Na primeira parte de Amavisse (1989), a poeta se vê diante da consciência da existência do outro, objeto de adoração, de amor e de estranheza, e a tentativa de comungar com essa estranheza. O título do livro, em latim, ‘ter um dia amado’ nos remete à nostalgia, à rememoração de um estado passional fixado no tempo como matéria de vida e reconhecimento. Na segunda parte do livro, ‘Via espessa’, aparece a figura do louco, como um duplo da poeta. Na terceira parte, ‘Via vazia’, tem-se novamente as imprecações a uma divindade cruel. Este livro será elencado na economia dos afetos, mas nele a principal reflexão é sobre a relação do homem com a passagem do  tempo, e sobre como se dá a consciência humana do real.

            Em Alcoólicas (1990), tem-se a celebração da vida, a busca de sua dignificação e sentido. O escorrer do tempo (metaforizado na bebida, no líquido) como possibilidade para a transformação do homem na busca do entendimento de sua vivência no mundo.

            Em ‘Da noite’ e ‘Do desejo’ (partes inéditas publicadas no livro Do desejo, 1992),[21] tem-se o itinerário da busca de entender e nomear a intensidade do desejo, em seu viés físico e metafísico. A epígrafe do livro diz: Quem és? Perguntei ao desejo. / Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.[22]

            Em Cantares do sem nome e de partidas (1995), a nostalgia do amor sonhado toma a cena dramática dos poemas, que refletem a potência deste recordar como ato criador de uma realidade poética em que realidade e sonho se mesclam na apresentação ficcional do momento das perdas, das partidas e da dissolvência do sujeito na intensidade do instante.

 

DAS ECONOMIAS ESTÉTICAS

Em sentido geral, etimológico, economia[23] significa o gerenciamento de uma casa, o controle e moderação das despesas domésticas. A palavra pode ser entendida também como o aproveitamento racional e eficiente de recursos materiais; e, por fim, a dinheiro ou bens economizados por poupança.

Em sentido estrito, figurado, economia pode se referir ao dispêndio exato de esforço, linguagem, movimento; e também ao arranjo ou modo de funcionar dos diversos elementos de um todo, como por exemplo, em literatura, diz-se “a economia de um conto/poema”.

Do que se disse até o presente momento, podem-se ressaltar dois aspectos metafórico-conceituais:

O primeiro deles diz respeito ao processo simbólico entendido como eficiência, mínimo dispêndio de palavras/conceitos, tirando daí o máximo aproveitamento do modo como a processo de significação funciona.

O segundo, derivado deste primeiro, é que uma economia do excesso, termo que será utilizado mais adiante, é um contra-senso explícito. E é justamente partindo deste contra-senso que inauguramos o percurso teórico que feito até a delimitação das três economias estéticas (dos afetos; do terror/medo e do excesso) para ler a poesia hilstiana.  

A idéia do modo como se opera, simbolicamente, uma economia da significação, já nos persegue há muitos anos, desde o momento em que lemos um livro seminal para nossa formação inlectual. Trata-se da tese de doutoramento, depois publicada em livro[24], do filósofo português José Gil, intutulado Métamorphoses du corps. Foi, então, que foram encontradas duas palavras mágicas: significado flutuante. Elas se referem, dentre outras coisas, ao fato de que em algumas tribos a troca é elemento fundante da circulação de energia, e que os objetos em si deixam de ter um valor material para ter um valor simbólico. Assim, nestas tribos, aquele que acumula objetos/pertences quebra o fluxo da energia, e por isso recebe uma punição. É claro, que José Gil explica tudo isso com uma maestria ímpar, valendo-se da leitura atenta de vários autores, principalmente de Marcel Mauss. 

O que nos interessa, neste estudo, não é o fato do dom exigir ou não um contra-dom, leitura feita por Jacques Derrida, por exemplo, do “Ensaio sobre o dom”[25], de Mauss, mas justamente o caráter ostentatório, dispendioso, contra-cumulativo presente no potlatch, pois este é um dos processos de significação que ocorrem no próprio discurso, quando os signos entram no fluxo da comunicação. O tempo todo é prreciso construir, reconstruir, arrruinar, refazer significados, para que a comunicação se dê. É a agonística do discurso, como nomeia Lyotard.[26] Precisamente este é o mote da tese que queremos perseguir neste estudo.

O potlatch poderia ser assim resumido:

 
O potlatch é uma cerimônia praticada entre tribos índigenas da América do Norte, como os Haida, os Tlingit, os Salish e os Kwakiutl. Também há um ritual semelhante na Melanésia. 
  Consiste num festejo religioso de homenagem, geralmente envolvendo um banquete de carne de foca ou salmão, seguido por uma renúncia a todos os bens materiais acumulados pelo homenageado – bens que devem ser entregues a parentes e amigos. A própria palavra potlatch significa dar, caracterizando o ritual como de oferta de bens e de redistribuição da riqueza. A expectativa do homenageado é receber presentes também daqueles para os quais deu seus bens, quando for a hora do potlatch destes. 
  O valor e a qualidade dos bens dados como presente são um sinal do prestígio do homenageado. Originalmente o potlatch acontecia somente em certas ocasiões da vida dos indígenas, como o nascimento de um filho; mas com a interferência dos negociantes europeus, os potlatches passaram a ser mais frequentes (pois haviam bens comprados para serem presenteados) e em algumas tribos surgiu uma verdadeira guerra de forças baseada no potlatch. Em alguns casos, os bens eram simplesmente destruídos após a cerimônia. 
  Os governos canadense e estadunidense proibiram o potlach em fins do século XIX, por considerar o ritual uma perda "irracional" de recursos. Com a compreensão do significado do potlatch, a proibição desapareceu em 1934 nos EUA e em 1954 no Canadá. Algumas tribos praticam a cerimônia ainda hoje, e os presentes incluem dinheiro, taças, copos, mantas, etc. [27]

.

Desta forma, no campo do valor simbólico, a teoria da dádiva, ou da prestação total, de Marcel Mauss é nosso ponto de partida para pensar como se dão as trocas simbólicas no interior dos sistemas de significação. A escolha deve-se, entre outras coisas, à leitura que Hilst fez de A parte maldita, de Bataille[28], livro no qual o autor se vale dos escritos de Mauss. Em algumas entrevistas, Hilst cita o potlatch, nomeando-o o poder de perder. A obra de Mauss, portanto, será o principal lugar conceitual, o cimento primeiro das vigas mestras do discurso deste texto, o alicerce e arremate de muitas das idéias aqui comentadas, lugar este de onde deriva toda a ficção teórico-conceitual feita neste estudo.

 

ECONOMIAS ESTÉTICAS: AFETOS – TERROR/MEDO - EXCESSO

Nas três economias, aqui elencadas, há a potencialidade/impossibilidade da troca, e mesmo aí, há a necessidade de uma reciprocidade na qual a falta/a ausência e a diferença entram num jogo que se configura não baseado no ‘valor de uso’ das coisas/palavras.

O embate que há na economia dos afetos, por exemplo, é entre a carência e o preenchimento desta carência, sendo que a falta, aqui, pode potencializar várias reações ambíguas, que vão da carência – ódio – mágoa – tristeza etc, confundindo, desta forma, o que poderia ser um ciclo repetitivo de valor.

O valor simbólico reverte/inverte, assim, a lógica do valor de troca, presente na economia propriamente dita. Por isto, penso que a idéia do dom / contra-dom, da “prestação total”, de Marcel Mauss é uma categoria conceitual operatória que pode ser aplicada à leitura da poesia hilstiana.

Mesmo que haja diversas discussões feitas sobre a teoria de Mauss, desde Claude Lévi-Strauss – Jacques Derrida – José Gil etc. – sobre o contrasenso de haver a obrigação do contra-dom, e portanto não fazer Mauss propriamente uma teoria da dávida, o que me importa no que Marcel Mauss diz é o resultado final desta operatória simbólica: uma espécie de valor zerado, mas pleno e prenhe de sentidos, que se gera neste fluxo do desperdício, do excesso.

Fotografa-se, assim, com esta idéia de um trânsito simbólico que forma cadeias de sentidos e contra-sentidos (seja pensando a cadeia livro a livro, texto a texto, conceito a conceito, ou palavra a palavra) em economias simbólicas (trocas simbólicas recíprocas e contínuas) que podem ser entrópicas, beirar o transborbamento simbólico, o não-sentido.

            Neste momento, pensaremos no trânsito do sujeito no tempo, a partir do qual serão descritas as “economias estéticas”. O modo como um poeta dá uma conformação estilística a certos temas recorrentes em sua obra.

Na poesia de Hilst, duas linhas de força simbólicas geram o que chamamos, nos passos de Mauss e Bataille, potlach conceitual da significância, uma economia simbólica do contra-senso.

A primeira é a pergunta metalingüística, que coloca em xeque o próprio real poético.  A segunda é nomeação – o que Max Müller, citado por Mircea Eliade[29], fala sobre os mitos, chamando-os de “doença da linguagem - o que era nome (nomem)  passa a ser uma divindade (numem). Cito:

 

Graças às descobertas feitas em todos os sectores do orientalismo na primeira metade do século XIX, graças também à constituição da filologia indo-européia e da lingüística comparada, a História da Religiões atinge o seu verdadeiro impulso com Max Müller (1823-1900). O seu Essay on Comparative Mythology, que data de 1856, abre uma longa série de estudos do próprio Max Müller e dos partidários da sua teoria. Max Müller explica a criação dos mitos pelos fenômenos naturais, sobretudo as epifanias do sol, e o nascimento dos deuses por uma <doença da linguagem>: o que, originalmente, não passava de um nome, nomem, torna-se numa divinvidade, numem.

 

 Aplicando-se esta idéia à poesia hilstiana, o que se perccebe é que a autora tateia nomes, inventa-os, os refaz, seja no intuito renomear o sentido dos interditos – deus / morte etc. – seja no interior de um único verso, de uma única cadeia significativa, quando Hilst prolifera palavras, metáforas, criando várias camadas conceituais num mesmo poema.  

A reflexão sobre os poemas de Hilst nos permite formular a hipótese de que as economias dos afetos, do terror/medo e do excesso se fundam num momento em que a autora investe na experiência estética da desagregação, da dispersão, do descentramento significativo, da reformulação, reinvestindo a representação, por meio da linguagem poética, de seu caráter de síntese fugaz, pois que feita, a poesia, num tempo que por si mesmo se perde e se desagrega.

A esta impossibilidade de reter o fluxo do tempo (e portanto de fixar sentidos à experiência), Hilst propaga núcleos discursivos, que entram em contínua troca simbólica. Estes núcleos, no entanto, encenam a impossibilidade de permanência do sentido, pois a cena poética é entendida como um evento fugaz que fotografa um instante, mas que se sabe (para além deste instante) coisa irrecuperável, perdida, neste sentido morta de sentido. Refazer o caminho deste sentido primeiro (original) já é estar em contato com outra coisa que não é o que foi.

A reflexão sobre o tempo é o lugar de origem sob o qual a leitura dos livros de poesia de Hilst, contemplados nesse estudo, se ampara. No limite, Hilst está repensando como as experiências se dão no tempo. E como esse mesmo tempo, metáfora da transitoriedade da experiência e da própria existência, contraditoriamente está fora do tempo (utopia humana do deus, do além morte, da eternidade) porque o homem cria ficções para fugir da idéia de sua impermanência.

Aqui  há um nó sobre o qual Hilst se debruça. Ao pensar os interditos – a figuração de Deus, da morte, do gozo – as ficções humanas, a escritora procede a uma desmontagem simbólico-conceitual, toma os pré-conceitos, as estórias, narrativas, as mitologias do divino, para se auto-batizar enquanto mito da sua própria poesia.

Num movimento paradoxal, Hilst cria sua poesia da ruína do simbólico, rebatiza a morte, por meio da linguagem poética, ao mesmo tempo relativiza esse mesmo real poético quando pergunta: “Se eu disser que vi um pássaro sobre o teu sexo, deverias crer?”[30]

           

            Tendo o tempo como principal moeda de troca simbólica, faremos, neste estudo, uma leitura de nove livros de poesia de Hilda Hilst, publicados entre 1974 e 1995, dividindo-os em três economias estéticas. As economias dos afetos, do terror/medo e do excesso, e algumas dinâmicas simbólicas existentes entre elas, nos permitiram demarcar um possível terreno conceitual para a interpretação da poesia de Hilst.

 

PRIMEIRO ARRANJO DE LEITURA: ECONOMIAS ESTÉTICAS

Elencando os livros de poesia de Hilst, publicados depois de 1974, dividindo-os em três economias estéticas, tem-se o seguinte quadro:

           

Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974)       Economia dos afetos

Da morte. Odes mínimas. (1980)                            Economia do terror/medo

Cantares de perda e predileção (1983)               Economia dos afetos

Poemas malditos, gozosos e devotos (1984)         Economia do terror/medo

Sobre a tua grande face  (1986)                           Economia do excesso

Amavisse (1989)                                                      Economia dos afetos

Alcoólicas (1990)                                                    Economia do excesso

Do desejo (1992)                                                     Economia dos afetos

Cantares do sem nome e de partidas (1995)        Economia do excesso

 

            Esse quadro nos possibilita fazer um arranjo, de modo que os livros que pertencem a uma mesma economia estética sejam agrupados em três conjuntos. Em seguida, é possível fazer pensar esses primeiros conjuntos sob a ótica de três dinâmicas simbólicas, que marcam a comunicação entre as economias dos afetos e do terror/medo e a economia do excesso.

            Um primeiro arranjo dos livros, de acordo com seus eixos temáticos, nos possibilita dividido-los em três grandes grupos:

             

ECONOMIA DOS AFETOSJúbilo, memória, noviciado da paixão (1974), Cantares de perda e predileção (1983), Amavisse (1989) e Do desejo (1992).

 

ECONOMIA DO TERROR/MEDODa morte. Odes mínimas (1980), Poemas malditos gozosos e devotos (1984).

 

ECONOMIA DO EXCESSOSobre a tua grande face (1986), Alcoólicas (1990) e Cantares do sem nome e de partidas (1995).

 

A economia dos afetos trata das dinâmicas de figuração dos sentimentos. Tendo sempre o tempo como fio condutor, ou amarra simbólica, neste momento, será descrito como Hilda Hilst figura, em sua poesia, o amor, o desejo, a paixão, os rompimentos amorosos, as partidas, a saudade, o gozo, o sexo etc.

A economia do terror/medo trata de dois interditos básicos: as figurações da morte e as figurações de Deus, ou da divindade. Como se verá, nesta economia estética, Hilst se ocupará da relação do homem com o tempo. Ao interrogar as figurações da morte/deus, já sedimentadas pela tradição, Hilst um faz um quiasmo conceitual entre o sagrado e o profano. A humanização de deus; o bestiário (poeta=porco; morte=cavalinha). Isto porque Hilst une, num só lance discursivo a divinização do profano e a profanização do sagrado. As ficções/figurações das divindades são expostas como um modo que o homem encontrou para se livrar da consciência de sua própria mortalidade. 

A economia do excesso é uma extensão ou radicalização das anteriores. É o lugar de maior tensão e intensidade da linguagem poética. É o lugar de enfrentamento, de embate, de luta, de agonística do discurso. É o lugar em que a própria linguagem poética vira palco, de forma a beirar a estetização, o exagero estilístico presente nestes livros nos demonstra isto.

Por isto, há um espelhamento simbólico possível nesta segunda organização dos livros proposta. A última economia estética é lugar do contra-senso da representação, do excedente de produção simbólica. Tematicamente, a economia do excesso potencializa e dinamiza vertiginosamente as trocas simbólicas presentes nos livros anteriores.

 

 

SEGUNDO ARRANJO DE LEITURA: DINÂMICAS SIMBÓLICAS

 

Há, desta forma, um estreito vínculo entre as duas primeiras economias estéticas e a terceira. Uma primeira dinâmica simbólica será denominada “dos afetos a excesso”. Uma estrutura de espelhamento, em relação ao eixo temático, na economia dos afetos, me permite propor uma outra divisão para o quadro anterior:

 

ECONOMIA DOS AFETOS                           ECONOMIA DO EXCESSO

Júbilo, memória, noviciado da paixão        Cantares do sem nome e de partidas

Cantares de perda e predileção                

Amavisse                                                      

Do desejo                                                    

 

Um segundo espelhamento entre os eixos temáticos, na economia do terror/medo, possibilita vislumbrar duas outras dinâmicas simbólicas [morte - do terror ao excesso; deus - do terror ao excesso]:

 

ECONOMIA DO TERROR/MEDO               ECONOMIA DO EXCESSO

 

Da morte. Odes mínimas                              Alcoólicas

 

Poemas malditos gozosos e devotos           Sobre a tua grande face

 

Na primeira dinâmica simbólica (dos afetos a excesso), há um desdobramento da reflexão acerca da passagem do tempo, da impossibilidade de reter seu fluxo. A representação das perdas reais e metafóricas vai se “adensando” ao longo da economia dos afetos, desembocando nesta dinâmica.

Há um movimento de alargamento simbólico-conceitual, que atravessa a economia dos afetos, até que se chegue a um impasse da nomeação do próprio corpo, fonte de toda a manifestação dos afetos: “Ossos. Carne. Dois Issos sem Nome.”[31]

A derivação seguinte para esse impasse da nomeação, para a imposibilidade de dar sentidos mesmo à matéria de que é feito o corpo, tomado pelo afeto, é a figuração e potencialização dramática dessa impossibilidade. Em Cantares do sem nome e de partidas, há uma espécie de lapso temporal discursivo, que marca um salto para o “fora da lógica”, para o “fora do sentido”, para o contra-senso. 

O texto, assim, vira avesso, ruína, desdobramento da própria desmontagem simbólico-conceitual. E assim perfaz o seu caminho de significação. O que se quer dizer com isso é que o livro Cantares do sem nome e de partidas repõe temas e recursos estilísticos dos livros anteriores, ao mesmo tempo em que os empurra para o impasse discurso, num exagero estilístico que beira ao rococó. Esse livro é transbordante, excessivo para os adeptos de uma linguagem poética mais austera, seca e controlada. Hilst partilha de um apreço enorme pelo excesso, e tenha consciência disso, faça isso racionalmente.

A segunda dinâmica simbólica (morte - do terror ao excesso) se dá entre Da morte. Odes mínimas (1980) e Alcoólicas (1989).  O segundo livro é uma espécie de negativo condensado e tensionado do primeiro. Da morte. Odes mínimas é um livro longo, com 50 poemas breves, versos curtos, um vocabulário relativamente simples, Alcoólicas é um livro curto, com 9 poemas, versos longos, ritmo quebrado, vocabulário precioso.

Em Da morte. Odes mínimas Hilst usa uma linguagem da contenção nos poemas, que têm um andamento constante e ritmado. Em Alcoólicas, para falar da vida, o quadro estilístico é absolutamente outro: é quase como um orgasmo imagético-conceitual. O livro tem apenas nove poemas, longos, com versos enormes, quase transbordando da linha; com ritmo descompassado, cortado, fissurado e um vocabulário raro. Em Alcoólicas tudo é transbordamento, excesso, desperdício. Estilisticamente falando, este livro é quase um “negativo” do anterior. Percebe-se, nele, uma amplificação invertida do modo como Hilst opera com os recursos estilísticos em Da morte. Odes mínimas. 

            Na terceira dinâmica simbólica (deus – do terror ao excesso), encontram-se dois modos da figuração do divino.  Em Poemas malditos, gozosos e devotos,  Hilst repensa a estória do Deus da mitologia cristã, que é contada Novo Testamento, centrando-se na crucificação de Cristo. Usa, para tanto, uma estrutura narrativa dialogada, com poemas mais longos, mas com versos curtos, com um andamento constante.  Em Sobre a tua grande face a figuração do divino se expande, a própria tentativa de nomear Deus, com vários nomes, já é um índice disso. É um livro curto, 10 poemas, com uma linguagem transbordante, aquela “volúpia com a língua”[32] a que a escritora se refere em uma entrevista.

 

 

REMATE SEM NÓ

 

Desde o início de sua carreira, a linguagem poética de Hilst foi se construindo a partir de um intenso diálogo com a tradição literária. Com o passar dos anos, sua dicção poética aos poucos revigora o passado, seja pela derrisão, seja pela reinserção de formas e temas da tradição em vozes dissonantes que mesclam nos poemas.

Hilst tem consciência de que o poeta é uma persona, uma máscara que atua no poema.[33] Por isso, mesmo quando usa formas poéticas, metáforas e temas já visitados pela tradição, a escritora nos dá indícios de que esses recursos são utilizados para criar uma empatia, um pacto de “confidência” com o leitor.

Esse jogo cênico, que aparece na poesia hilstiana, existe há séculos. E sabe-se que ele foi usado conscientemente por muitos poetas. Tome-se, como exemplo, a lírica trovadoresca. Um texto de Angelica Rieger diz:

 

   Le poète est le créateur de la domna aimée et de l’amant courtois figurant dans sa canso. On n’exclura point le cas où il est également l’amant de la femme réelle, possibble au niveau du vécu, mais sans intérêt dans le cadre de l’analyse textuelle. Cette femme destinataire du poème, inspiratrice et/ou mécène du poète, n’a qu’une relation purement poétique avec l’amant courtois, protagoniste de la canso.

   De nombreux travaux sur la fin’amors ont chercé à identifier la realité vécue derrière la fiction de la canso troubadouresque, et n’on pas respecté cette distinction nette dont les troubadours eux-mêmes étaitent parfaitement conscients. L’identification (voulue par le troubadour) du poète avec l’amant courtois et de la femme avec la domna aimée se situe donc hors du texte, au niveau de le connivence de l’auditoire qui, par conséquent, joue un rôle primordial dans la lyrique troubadouresque.

(...) Toujours dépendat de cet auditoire que s’érige en juge, le troubadour profite du caractère spécifique du contat direct entre son public et lui pour créer une ambiance de complicité, une connivence comparable à celle que existe entre l’acteur et son public: le poète apparaît ainsi comme le metteur en scèce d’une « intrigue amoureuse » dont il joue le rôle principal (celui de l‘amant courtois).[34]

   

O movimento de uma leitura horizontal, cronológica, da obra poética de Hilst demonstra como ela mantém um intenso diálogo, muitas vezes paródico e irônico, com a tradição. A esse movimento, oponho um outro, agora vertical, de intensidade e aprofundamento da dicção poética, que pode ser percebido quando se lê a poesia que Hilst produziu depois de 1974.

Nessa poesia, percebe-se que a linguagem poética de Hilst muitas vezes entra em embate com a tradição, mais especificamente com a dicção elevada que toma o primeiro plano da cena, principalmente no que diz respeito à dicção elevada de sua poesia, à busca do sublime, que marcou sua poesia primeira, como afirma Eliane Robert Moraes.[35]

 

DO TRÂNSITO DO TEMPO NA POESIA DE HILST

As marcas temporais podem indicar o lugar discursivo em que o sujeito aparece, como um evento, lugar em que se abre uma fenda na qual se instaura a voz do poeta. Deste lugar discursivo é que o sujeito revela sua apreensão do mundo, expondo-se ao tempo da linguagem a partir da figuração, da encenação dos afetos  (emoções, sentimentos, sensações).

Ao pensar a figuração do tempo e outras figurações, descreveremos possíveis categorias para a análise da poesia hilstiana. Na obra poética de Hilst a experimentação do tempo – o lento caminhar para a morte, a luta contra a permanência do Nada (a agonia) e o descontrole do corpo tomado pela pequena morte em vida (o gozo) - assume o estatuto paradoxal de uma sensualidade quase sexual de se estar vivo indissoluvelmente ligada à consciência de se saber morrendo em vida.

Na fusão entre a representação estética destes dois tempos: o tempo da dilatação (longo e moroso da existência) e o tempo da fugacidade (a pequena morte do gozo), Hilst interporá seu texto poético como uma  ramificação de questões derivadas destas experiências do(s) tempo(s). Para pensar a perda, a despedida, o amor, o desejo, a vida e a morte, as figurações da divindidade, Hilst organizará sua experiência estética em torno da questão do(s) tempo(s).

Por exemplo, quanto à criação poética, Hilst declara, em entrevistas, que fazer poesia é estar além da emoção, se desprender dela para contemplá-la, e portanto atribuir-lhe novos sentidos e significados muitas vezes inaparentes. Estar além é de alguma forma recordar, relembrar, atribuir um sentido posterior a algo já vivenciado ou pensado. Aí, o lapso temporal imprescindível à criação. Ver retrospectivamente é um modo de decantar as emoções. Por isso, a autora declara:

 

   Estou persuadida que o amor é a única coisa a viver. Minha infra-estrutura é totalmente amorosa. Gostaria sempre de viver na paixão. Pode nos custar anos de vida, esse “viver” somente em função da paixão. Como uma corda que tende a se romper. Penso que apenas essa tensão, a paixão, justifica o tempo que a gente passa a viver, e daria anos de minha vida para não conhecer este estado. Por isso escrevo, porque penso que a poesia é precisamente o contrário: escapar da emoção, fazer com que a emoção se desprenda da emoção cotidiana. A poesia é um estar além da emoção. É uma maneira de disciplinar o dizer amoroso.[36]

 

Este movimento de distanciamento elabora um quadro mais geral das sensações é o que permite ao criador disciplinar o seu representar o mundo. O processo de compreensão se dá neste trânsito paradoxal entre o estar e o não-estar imerso na experiência, quando se transita no tempo. A criação artística requer, do poeta, este estado de impermanência do sujeito/eu, que pode ser nomeado subjetividade em trânsito.

Existir é estar perplexo, é saborear estes nadas cotidianos até que se encontre a morte. Pensar a morte, representá-la, é sofrer a cotidiana experiência da finitude das coisas, dos sentimentos e do próprio ser humano. Existir é tomar consciência do tempo, da perecibilidade do corpo. Viver o transitório da vida com intensidade, seja na agonia da morte ou na fugacidade do gozo, é estar num estado passional diante da própria existência. Ao descobrir paixão/sofrimento em nós mesmos, podemos contemplar tudo o que é vivo com uma comovida compaixão.

 

Na poesia, na obra de arte, há uma terra de ninguém, cantos obscuros que para serem iluminados necessitam de sensibilidades “antenadas” à nossa. (...) Sinto que em tudo há necessidade de um estado de paixão, de embriaguez da vontade. E a gente só consegue alguma coisa vigorosa, verdadeira, viva, num estado assim. Porque somente aí então fazemos nosso caminho dentro do outro e sofremos o percurso alheio, por pura intuição mágica. (...) É bem verdade que o escritor está sempre falando de si mesmo, porque é somente através de nós mesmos que podemos nos aproximar dos outros. Nos desnudando procuramos fazer com que os outros se incorporem ao nosso espaço de sedução. Estendemos as teias e desejamos que o outro faça parte delas, não para devorá-lo mas para que sinta perplexidade e faça a pergunta, para que tome conhecimento da possível qualidade do nosso fio-sedução, caminhe conosco num veículo que pode ser afetivo-odioso. [37]

 

Este descentrar-se para chegar a si mesmo, este largar-se ao léu para alcançar as situações-limite, extremas, é um dos centros conceituais sob os quais gira a obra poética hilstiana. Assim percorremos nosso caminho dentro do outro, fazendo com ele o seu percurso, sofrendo com ele, por pura compaixão. Isto nos remete à seguinte idéia de Bakthin sobre a criação artística:

 

A atividade estética propriamente dita começa justamente quando estamos de volta a nós mesmos, quando estamos no nosso próprio lugar, fora da pessoa que sofre, quando damos forma e acabamento ao material recolhido mediante a nossa identificação com o outro, quando o completamos com o que é transcendente à consciência que a pessoa que sofre tem do mundo das coisas, um mundo que desde então se dota de uma nova função, não mais de informação, mas de acabamento.[38]

 

Com o passar dos anos, a poesia hilstiana revisita velhos temas, vestindo-os com novas roupagens. O amor e a paixão, por exemplo, serão cada vez mais sentimentos sonhados, faltosos, brotando da não-realização. São aos poucos transformados em gestos que ficaram na memória, uma re-apresentação da paixão vivida, do amor supostamente conquistado.

Aí, vemos um distanciamento do sujeito, não mais de si, porque ele se interioriza, mas do objeto que proporciona o desejo. A representação, neste sentido, é toda lembrança, toda recordação. É quase como um acordo mútuo: eu volto a ti, sentimento, para que sejas memória viva, rediviva, e assim fique cristalizado na mente do outro (o leitor), por meio das imagens que construo com palavras.

Sobre esta espécie de êxtase diante do objeto (que pode ser o outro ou a própria projeção do eu), da necessidade do descentramento de si mesmo para mergulhar em nossa vida interior, atingindo nosso ipse (si mesmo/a, em latim), Georges Bataille diz o seguinte:

 

Je dirai ceci d’obscur: l’objet dans l’expérience est d’abord la projection d’une perte de soi dramatique. C’est l’image du sujet. Le sujet tente d’abord d’aller à son semblable. Mais entré dans l’expérience intérieure, il est en quête d’un objet comme il est lui-même, réduit à l’intériorité. De plus, le sujet dont l’expérience est en elle-même et dès le début dramatique (est perte de soi) a besoin d’objectiver ce caractère dramatique. La situation de l’objet que cherce l’esprit a besoin d’objectiver ce caractère dramatique. La situation de l’objet que cherche l’esprit a besoin d’être objectivement dramatisée. A partir de la félicité des mouvements, il est possible de fixer un point vertigineux censé intérieurement contenir ce que le monde recèle de déchiré, l’incessant glissement de tout au néant. Si l’on veut, le temps.[39] 

 

Ao pensar no distanciamento do sujeito de si (subjetividade que se move, caindo no tempo) e no distanciamento do sujeito do objeto que lhe proporciona o desejo (descentramento do sujeito de si mesmo para mergulhar em sua vida interior), teremos alguns elementos para descrever como se dá a representação estética da experiência do tempo na poesia de Hilda Hilst.

 

FENDAS DOS TEMPOS

Embora se possa falar de temas recorrentes sobre os quais Hilst se debruça em seus poemas, há um ponto de tensão que atrai e ao mesmo tempo impossibilita um remate final que nos dê um retrato acabado desses mesmos temas. Isto acontece porque os temas (embora sejam o centro gravitacional dos livros) se dispersam e multiplicam, se amalgamam uns aos outros, ao longo dos livros. Por isso, o mais correto seria falar em núcleos ou feixes temáticos.

Hilst não só tece logicamente o tecido do texto poético, mas, num aparente contra-senso, ao mesmo tempo o esgarça. Muitas vezes, a poeta corta, desvia, ou desoperacionaliza o discurso poético com perguntas, que explicitam a discussão exposta sobre a “irrealidade” do poema, ou do que a linguagem poética/metafórica cria etc. Ou seja, num mesmo movimento discursivo, Hilst nos dá o direito e o avesso de seu texto, sua camada aparente (de poder encantatório, de beleza da palavra poética), mas também expõe a sua ineficácia lógica, sua inverossimilhança explícita.

Esse dado reforça a idéia de que Hilst figura uma cena dramática  em sua poesia. E nela coloca um excedente simbólico fora de cena (ob-sceno), pela necessidade de alargamento do gesto poético. Este transbordamento significativo é posto em primeiro plano da cena para desautorizar a “verossimilhança” dos próprios poemas. Assim, o poema torna-se uma figuração em alta tensão, em curto-circuito, o que alarga os sentidos ao mesmo tempo em que os arruína.

Alguns livros de poesia de Hilst caminham para este lugar discursivo do trânsito vertiginoso do processo de significação. Neles, o poema é o lugar discursivo no qual se encenam, se figuram as experiências reais ou potenciais. Este lugar de tensionamento conceitual tem a reflexão sobre o tempo como um elemento fundante, primordial, que impossibilita o remate final, o assentamento da significação.

Sendo o centro gerador dos contrastes significativos, o tempo é o personagem principal da poesia hilstiana escrita entre 1974 e 1995. É lugar de passagem, de trânsito. É um estar sempre “entre”. Esse dado determina uma dinâmica das trocas simbólicas que se figura ou se atualiza como momento ímpar de tensão representacional.

Antes de pensar em temas da poética hilstiana, o tempo é o centro ou amarra conceitual que liga os temas entre si, formando, desse modo, uma tela, um quadro com paisagem de fundo. Os temas, quase sempre, estarão vinculados, subordinados, à reflexão sobre o tempo, que projeta o poema sobre uma superfície com profundidade, e é sobre essa superfície que os grandes temas da poesia de Hilst são encenados.

Assim, sob argumento do tempo, Hilst desenvolverá toda a temática recorrente em sua poesia: a carência, a melancolia, o medo, a falta, a saudade, a despedida, o rompimento; até a visita à figuração de experiências mais amplas, tais como os afetos (amor, paixão, desejo, gozo, ódio), as relações entre vida/morte e humano/divino - profano/sagrado.

Hilst investe a palavra poética de um estatuto de fuga, divergência do lugar-comum da língua ordinária, mas também dos lugares-comuns da história da tradição poética literária. O dado importante é que ela faz isto “de dentro”, pois investe de outros muitos atributos os lugares-comuns da tradição lírica.

Assim, seu texto poético é efeito um pouco de construção, um pouco de ruína. O que marca, além de seu caráter paradoxal, uma passagem do contínuo ao descontínuo discursivo, seja da língua, seja da tradição poética. A poesia, como diz Maurice Blanchot, é a palavra essencial do desvio:

 

A linguagem é o acordo do movimento de esconder e desviar, ela vela por ele, preserva-o, perde-se e confirma-se nele. Nisso, pressentimos porque a palavra essencial do desvio, a “poesia” na escrita, é também palavra em que gira o tempo, dizendo o tempo como virada, essa virada que se torna às vezes visível, revolução.[40]

 

O desvio, criado por Hilst, é não só um desvio da liguaagem, mas um desvio de si mesmo, um distanciamento do criador de si mesmo enquanto ser que se cria, enquanto outo eu, neste trânsito da escrita.

 

Para compreender, o homem deve estar a uma certa distância, sofrer e não sofrer. Os temas que me interessam? O tempo, o existir, o corpo... a morte, o desejo de transcendência, um delírio vivo diante da vida, a solidão, a aspereza dos contatos, a perplexidade diante do existir. Minha alienação não é sofrida, ela é provocada a fim de executar a tarefa prescrita por San Juan de la Cruz: “entremos mas adentro en la espessura”.[41]

 

 

Discorrer sobre o tempo é também falar sobre a experiência da dissolvência do corpo. A obsessão pelo tempo, na obra de Hilst, é índice de uma revolta e de uma figuração.[42]

Revolta contra a perecibilidade do corpo, e “fingimento” teatral de figurar nesta revolta um certo ar de superioridade, de uma fingida resignação diante da consciência de não se estar grudado ao tempo. Para exemplificar, cito o primeiro poema de “À tua frente. Em vaidade”, última parte de Da morte. Odes mínimas, em que a poeta escreve:

 

E se eu ficasse eterna?

Demonstrável

Axioma de pedra? [43]

 

Nesses versos, percebe-se a visada racionalizante da poesia hilstiana, seja pelo viés metalingüístico mais aparente do texto, ou pelo refinado senso de humor, pela ironia cáustica que se refere ao entendimento do real poético como uma construção ficcional que seria mais verdadeira que o próprio real, à medida que potencializa, pela exatidão e encantamento da palavra, a encenação dramática do próprio real poético.

A temporalização, a consciência da passagem do tempo, refletida no texto-tecido-poema, é justamente o que assentará a reflexão será feita aqui. A figuração dramática do tempo passando pelo corpo, pelo discurso poético, é que dará sustensão à nossa leitura, sendo o centro gerador e aglutinador dos questionamentos colocados pela escritora em seus livros de poesia.

No limite, a própria linguagem, neste estudo, é entendida, como um figuração do real, como fonte que gera uma ficção. Uma das funções do poético é justamente essa, não supor que a linguagem corresponde à realidade, sabendo que cada palavra pode entendida como uma criação estética. Borges escreve:

 

Em alemão, o vocábulo lua é masculino. Assim foi possível a Nietzsche dizer que a lua é um monge que contempla invejosamente a terra – ou um gato (Kater) que pisa um chão de estrelas. Os gêneros gramaticais também influem na poesia. Dizer “lua” ou dizer “espelho do tempo” são dois fatos estéticos. Mas a metáfora é uma obra de segundo grau, pois “espelho do tempo” compõe-se de duas unidades, enquanto a palavra “lua” talvez nos revele ainda mais eficazmente o conceito de lua. Cada palavra é uma obra poética. (...) Já o fato de haver uma palavra para designar o silêncio parece-me uma criação estética.[44]

 

Justamente aí, nesta suspensão da descrença é que se faz a fé poética,[45] segundo Coleridge. Temos, assim, uma outra verossimilhança possível, baseada numa figuração movente do real. O tempo, por sua vez, é um conceito no qual esta instabilidade da representação do real pode estar presente:

 

Los hombres son figuras en el tiempo y el espacio y en cualquier momento, como corresponde a su posición en estas cuatro dimensiones, pueden ser localizados y datados. Pero con esto no basta. Como quinta coordenada se añade en el caso de los hombres y de todo aquello que experimentan y hacen, la determinación de su paso a través del universo simbólico, donde los hombres conviven. Representante manifiesto de esta dimensión es el lenguaje, esto es, los símbolos globales, complejos, humanos, diferentes de una sociedade a outra, que sirven, asimismo, para que los hombres se comuniquem y orienten. Pero a esta dimensión pertenecen también los contenidos simbólicos como, por ejemplo, los conceptos o lo que llamamos el ‘sentido’ de las comunicaciones – dicho con brevedad, todo cuanto en el trato de los hombres pasa y es configurado por su ‘conciencia’ – y también el significado actual de los conceptos ‘espacio’ y ‘tiempo’. Éstos como otros símbolos humanos no se dan de una vez por todas. Siempre están en movimiento, siempre haciéndose lo que son y siempre en devenir.[46]

 

 

 

 

DAS FIGURAÇÕES DO TEMPO E DO TEMPO TRANSFIGURADO 

Ao pensar sobre este eterno movimento, devir dos conceitos e dos signos lingüísticos, chegamos ao verdadeiro assunto sobre o qual me proponho refletir neste estudo: como se dá a representação da experiência do tempo na poesia hilstiana.

Inicialmente, apenas apresentamos sucintamente algumas observações acerca desta questão das questões: o tempo. Para tanto, faremos um breve comentário sobre a queda do homem no tempo ou na história de que nos falam, em sentidos próximos, Vladimir Jankélévitch[47] e Emile Cioran.[48]

Para Jankélévitch, esta queda no tempo é justamente o que origina o processo histórico, proporcionando ao homem a tomada de consciência, que faz com que ele temporalize suas experiências. Daí, Jankélévitch compreende o paradoxo da existência, que neste estudo é nomeado experiência do trânsito (do puro ao impuro, do ser ao não-ser, da vida à morte):

 

Enfin la prise de conscience elle-même fabrique du temps, c’est-à-dire tempororise, - car il faut du temps pour prendre conscience; la conscience, complaisante travaille à sécréter le plus pâteaux et lê plus medíocre de tous lês temps. – Le pur, une fois tombe dans l’histoire, deviendrait de toute façon impur mème s’il restait seul au monde; et la prise de conscience est la forme intérieure ou centrifuge que rèvet ce déniaisement spontané de l’innocence.[49]

 

Para Emile Cioran, a queda no tempo também proporciona a origem do processo histórico,[50] mas o filósofo vê aí um processo de degradação inqualificável, que faz com que o ser humano se confunda com a nostalgia que o inspira, de modo que um único desejo lhe resta: o de retornar ao tempo, agora já impossível de ser alcançado, a não ser como uma eternidade negativa, como uma eternidade má.[51]

O que se alcança, deste modo, quando o ser humano imerge no tempo, dissolvendo-se na temporalidade, é o vazio, a sombra da consciência, porque quanto mais examinamos o tempo, (...) más lo asimilamos a un personaje, del que no cesamos de sospechar, al que nos gustaría desenmascarar y cuyos ascendiente y atractivo acabamos padeciendo.[52]

Aqui, a ficção do próprio tempo, usada como modo para estabelecer nossa ligação com o que supomos ser o eterno, como um modo de nos livrarmos da angústia de estarmos mergulhados no irremediável fluxo da existência em direção à morte, da angústia de sermos presas do efêmero.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

S E G U N D O     A P A R T E

 

 

PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DOS AFETOS

 

PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO EXCESSO: DINÂMICA SIMBÓLICA I

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando às sessões do mudo pensamento

Convoco as remembranças do passado,

Sentindo a ausência do que amei, lamento

Com velhos ais, de novo, o tempo amado;

E, avesso ao pranto, os olhos meus inundo

Por amigos que esconde a noite avara:

Penas de amor que já paguei refundo;

Choro o perder de tanta imagem cara.

E me infligindo uma aflição sofrida,

De pesar em pesar repeso agora

O balanço da dor adormecida

Como se o saldo não saldado fora.

    Mas se então penso em ti nesse ínterim,

    Restauro toda a pena e a dor tem fim.[53]

 

WILLIAM SHAKESPEARE


PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DOS AFETOS

 

De novo inquieta, num turbilhão,

Asa de vento: Amor

Me desalinha,

Doçura amarga, fera

Implacável...

 

Áttis, pensar em mim

Te pesa: e para Andrômeda

Tu voas.[54]

 

Safo

 

Embora hoje, geralmente os poemas sejam lidos em voz baixa, numa leitura solitária, a recepção da poesia oral a ligava a um caráter cerimonial e encantatório da palavra. A declamação dos aedos, dos trovadores, as representações teatrais dos gregos antigos eram manifestações culturais vinculadas à festa e à celebração, portanto a um ritual coletivo de representação.

Sendo assim, pode ser proposta uma hipótese de leitura e interpretação da poesia que revele algumas marcas discursivas do traçado de uma teia textual, o que permite encontrar, no texto impresso em papel, traços de uma voz que se põe em cena, que traz em si ecos de um passado em que a palavra, atada ao canto, figurava a composição de uma máscara (persona) sob a qual o declamador fiava seu discurso. Sobre a persona, cito Marcel Mauss:

 

   Au contraire des Indous et des Chinois, les Romains, les Latins pour mieux dire, semblent être ceux qui ont partiellemens établi la notion de personne, dont le nom est resté exactement le mot latin. Tout au début, nous sommes transportés dans les mêmes systèmes de faits que ceux qui précèdent, mais déjà avec une forme nouvelle : la <personne> est plus qu’un fait d´organisation, plus qu’un nom ou un droit à un personnage et un masque rituel, elle est un fait fondamental du droit. En droit, disent les juristes: il n’y a que les personae, les res, et les actiones: ce principe gouverne encore les divisions de nos codes. Mais cet aboutissement est le fait d’une évolution spéciale au droit Romain.

   Voici comment, avec quelque hardiesse, je puis me figurer cette histoire. Il semble bien que le sens originel du mot soit exclusivement <masque>. Naturellement, l’explication des étymologistes latins, persona venant de per / sonare, le masque à travers (per) lequel résonne la voix (de l’acteur) est inventée après coup. (Bien qu’on distingue entre persona et persona muta, le personnage muet du drame et de la pantomine.) En realité, le mot ne semble même pas de bonne souche latine; on le croit d’origine étrusque, comme d’autres noms en na (Porsenne, Caecina, etc.).[55]

  

            DA POESIA LÍRICA

 

As origens da poesia (seja épica, dramática ou lírica) são obscuras. Eric Gans[56] afirma que estas formas literárias convergem para algum lugar de origem: o rito. Para o estudioso, a situação lírico-ritual tem sua origem na prece ou invocação dirigida a uma divindade, dando-se da seguinte forma:

 

   (...) la communauté se rassemble dans la présence de tous ses membres les uns aux autres; mas cette présence, dont le centre primitif est le repas sacrificiel partagé par tous, est en même temps le lieu d’une absence, du manque non d’un être réel dont l’avènement pourrait  le combler, mais d’un être transcendantal qui ne saurait jamais être présent autrement que par re-présentation. La présence communautaire dans laquelle le rite a lieu ne peut subsister chez les membres de la communauté que sous l’égide du référent originel de la représentation devenu garantie sacrée de la possibilité de toute représentation future. Les moments “lyriques” du rite expriment, et en même temps combattent, l’éloignement absolu, formel de cette garantie. La communauté est sans doute présente à elle-même à chaque répétition du rite, mais si cette présence n’était pas fragile le rite ne serait pas nécessaire. Le principe de la présence communautaire, c’est le désignation/sacralisation de l'objet (humain, animal, voire végétal) du sacrifice; cependant l’être que garanti le succès de l’opération n’existe chez chacun qu’en imagination. Le lyrique rituel est une tentative pour stimuler cette imagination que risque toujours d’être défaillante.[57]

 

Ora, o que aqui está em jogo é a repetição ritual necessária para que algo se faça novamente presente pela imaginação. A representação, deste modo, é o que permite que se guarde a memória da presença, sendo esta uma ausência de algo que por meio dela figura ou se faz presente. Pensado deste modo, o lírico está estreitamente vinculado à manutenção renovada de uma lembrança, ou seja, ele é uma figuração de algo que deve ser sustentado na memória.

Este caráter de repetição ritualística se atualizará, na lírica, pela recordação que o poema pode proporcionar, quando se entende este como uma figuração de uma experiência recordada (seja ela real ou ficcional), uma revisitação do tempo, uma encenação dramática na qual se desenha uma cena que se desenrola num tempo dramático.

            Tomemos a poesia de Safo como exemplar da poesia lírica, enquanto um gênero nascente. Se a poesia épica detém-se nos feitos gloriosos de deuses e de heróis do passado, a poesia lírica, por sua vez, centra-se nas emoções e experiências pessoais dos poetas, segundo Luis Krausz,[58] que acrescenta, ainda, que a poesia de Safo

 

(...) é a poesia lírica por excelência. As chamas de suas paixões, cristalizadas em sua obra, tornaram-se tão imortais quanto os deuses e heróis. (...) Sua poética e as emoções registradas por Safo pertencem ao âmbito da deusa Afrodite e de Eros, a quem essa poetisa, pela primeira vez, deu o epônimo glykypikron, isto é, literalmente, amargo-doce (...)

   Eros, que em grego significa “desejo”, é ao mesmo tempo um deus – um dos mais poderosos entre eles – e os sentimentos e emoções que esta divindade provoca em todas as criaturas. A experiência de Eros, segundo Safo, é ao mesmo tempo doce e amarga. A expressão glykypikron designa a simultaneidade – a não-diacronicidade – desses dois sabores. Safo não narra histórias - cronologia de seus amores. Traça instantâneos de sua opulenta vida emocional, fixando, como numa fotografia, a ação de Eros. (...) A dramaticidade de Safo reside no momento, e não no desenrolar de uma narrativa. E por isso mesmo os seus fragmentos mais diminutos preservam sua força expressiva, apesar de muitas vezes amputados de seu contexto.[59]

 

Na poesia lírica, estes quadros estáticos servem para que se fotografe um momento, que fica congelado no instante. Quando se entra no trânsito da cadeia discursiva, na própria experiência da linguagem, vê-se como se movimenta esta estrutura de quadros que não comunga com nenhuma síntese duradoura.

 
O POEMA COMO UMA CENA DRAMÁTICA

Ora, se a poesia lírica recobre o momento (o veste com palavras), nesse mesmo momento se assenta a tensão gerada por este congelamento do tempo. Embora muitas vezes tudo seja figurado como se fosse presente, é preciso que haja uma sucessão destas fotografias, feitas de palavras, para que assim se ganhe o tempo. Por isso, a importância da idéia de que há um trânsito discursivo do sujeito, que faz com que esse sujeito se dilua na trama do tecido textual, por meio de um processo de encenação ou figuração dramática.

Assim, a constituição do sujeito na cena dramática do poema se dá por este trânsito discursivo que cria uma sobreposição de vozes num mesmo texto poético. Pensado deste modo, o poema pode ser lido como um embate (agon, em grego) discursivo-conceitual, que se elabora no próprio ato de enunciação.

Esta metáfora será de extrema importância para a leitura da poesia hilstiana. Este embate, que se instala nas fendas da cadeia discursiva, se faz entre a proliferação de objetos potencialmente significantes que não escapam da agonística geral presente na própria linguagem. Segundo Lyotard, considerando-se o enunciado como um lance feito num jogo, um possível desdobramento é que:

 

(...) falar é combater, no sentido de jogar, e que os atos de linguagem provém de uma agonística geral. Isso não significa necessariamente que se joga para ganhar. Pode-se realizar um lance pelo prazer de inventá-lo: não é este o caso do trabalho de estímulo da língua provocado pela fala e pela literatura? A invenção contínua de construções novas, de palavras e de sentidos é o que faz evoluir a língua, proporciona grandes alegrias. Mas, sem dúvida, mesmo este prazer não é independente de um sentimento de sucesso, sobre um adversário pelo menos, mas de envergadura: a língua estabelecida, a conotação.[60]

 

Do mesmo modo, um poema é um enunciado/enunciação que nos permite pensar o texto, como a cadeia discursiva, se desenrolando no tempo entre a continuidade e descontinuidade, não sendo, portanto, como pode parecer a uma primeira vista, algo compacto, sequencial e homogêneo.

Entre as cadeias sonoras há quebras, que levam a uma descontinuidade momentânea, que marcam o ritmo, e além disso a possibilidade do aparecimento de vozes outras a tecerem o textopoema.

Assim, o sujeito do discurso poético pode ser entendido como uma marcação cênica, uma máscara que pode derivar outras. Este trânsito entre continuidade e descontinuidade é uma metáfora da respiração textual, do poema como um corpo vivo que se metamorfoseia dependendo da voz que nele se manifesta.

Este trânsito metafórico será fundamental para se entender como se dão as trocas simbólicas na poesia hilstiana, e para a descrição de um roteiro de excessos e intensidade, de recordação e (com)paixão, que pode ser nomeado como uma “poética da agonia e do gozo”.[61] 

Um último alinhave que farei é pensar a agonia/gozo, representados como manifestação do erótico no texto, mas primariamente vinculadas à experiência do tempo. Para tanto, recorro a Georges Bataille, que fala da reprodução assexuada, da continuidade e da descontinuidade, da ligação entre o erotismo e a morte, dizendo o seguinte:

 

Com a vida do homem, estamos diretamente na experiência interior. Os elementos exteriores por nós reconhecidos se reduzem, enfim à sua interioridade. O que, do meu ponto de vista, caracteriza as passagens da descontinuidade à continuidade no erotismo se deve ao conhecimento da morte que desde o começo liga, no espírito do homem, a ruptura da descontinuidade – e o deslizamento que continua em direção a uma continuidade possível – à morte. Esses elementos nós os distinguimos de fora, mas se não tivéssemos primeiramente a experiência de dentro, sua significação nos escaparia. Há, aliás, a omissão de um dado objetivo que nos representa a necessidade da morte ligada ao excesso, a essa perturbação vertiginosa que introduz no homem o conhecimento interior da morte. Essa perturbação, ligada à pletora da atividade sexual, comanda uma deficiência profunda. Como, se eu não percebesse de fora uma identidade, teria reconhecido, na experiência paradoxal e conjunta do excesso e da falta, o jogo do ser ultrapassando na morte a descontinuidade individual – para sempre provisória – da vida? [62]

 

Ao aproximar o gozo e a morte/agonia, Bataille fala da experiência da continuidade/descontinuidade do erotismo, e também da experiência do corpo que ganha o tempo, a partir da qual podemos pensar o fechamento de um círculo da experiência estética de uma possível representação do tempo, cujas ramificações irão sendo tecidas no decurso deste trabalho.

            Quero pensar, portanto, os poemas dos livros que elenco na economia dos afetos, no âmbito das questões até aqui levantadas. Na figuração do tempo, que se fende em vários, quando o corpo, tomado pelo afeto, entra no trânsito da experiência vivencial.

Este corpo-pensamento, mergulhado na experiência do afeto, revisitará o tempo, dando a ele as várias figurações que o reinscrevem na cena lírico-dramática enquanto voz cindida e múltipla, voz que ecoa de um lugar discursivo que se faz do amálgama de opostos: a consciência de se saber amando, inserido num tempo da intensidade, da potencialização dos afetos, o que daria um lugar para o corpo, o que daria um sentido para o corpo; mas num mesmo lance discursivo, a consciência da impermanência do sentimento, do discurso, do corpo nesse mesmo tempo que nos encaminha para a morte.

            Esse é o roteiro, que se faz de vários trânsitos (com idas e vindas) discursivos que refletem e refratam o corpo tomado pelo afeto. Esse é o roteiro que será descrito nos livros da economia dos afetos: da figuração do corpo como fonte, como depositário da intensidade do afeto, para a figuração do corpo (pensado num recuo racionalizante do sujeito) como matéria efêmera, mas intensa.

Daí o salto que se percebe na poesia hilstiana: quando o corpo “falta” enquanto lugar de acontecimento, de realização do afeto, Hilst busca no Outro, na conversa dramática com o além-humano, uma possível solução para o vazio da falta. Assim é que se pode chamar essa poesia de erótico-metafísica, como propõe Alcir Pécora:

 

Poder-se-ia mesmo falar em poesia mística, na qual o amado é selo da participação numa esfera outra, sublime, mais capaz de resistir ao tempo e ao esquecimento, mas há em Júbilo, memória, noviciado da paixão uma veemência política de defender as alturas da sua condição contra a vulgaridade, a banalidade pessoal e social e também a banalidade política, que talvez o termo mística, em sua acepção usual, não seja o mais ajustado ao caso. Poesia erótico-metafísica, em todo caso, como a que, vasculhando memória de amores, excita a reminiscência da Coisa.[63] 

 

            JÚBILO, MEMÓRIA, NOVICIADO DA PAIXÃO (1974)

 

Em Júbilo memória noviciado da paixão, volto ao tema erótico. Uma continuação do estigma da paixão dos meus personagens, do livro Qadós, que se encontravam numa situação-limite. A paixão é um reflexo de uma vitalidade intensa e cotidiana. Estes poemas de amor brotaram de um gesto. Vi num olhar o que depois eclodiu nos poemas, sem que houvesse necessidade de concretizar nada de físico. O processo passional pode ser fecundo para a poesia amorosa, como um tributo de um amor não realizado, apenas sonhado. / Talvez seja assim mesmo: dentro de nós, o vermelho da vida. Fora de nós, na literatura: a memória, a invenção, a construção elaborada.[64]

 

O tempo “real”, cronológico, é re-formado pelos afetos, de modo a que nele caiba a ilusão da eternidade do instante. Pensar o corpo, tomado pelo afeto, é pensar na diluição da experiência do tempo no dilatar-se do agora. Este é um dos motes principais de Júbilo, memória, noviciado da paixão.

Já no título do livro, Hilda Hilst nos presenteia com um breve tratado poético sobre os afetos. O núcleo semântico do título é a paixão, palavra que soma em si significados ambíguos. A paixão pode se entendida em acepções distintas, opostas e contraditórias, embora ligadas. Como sintetiza Philippe Dubois:

 

De um lado, a acepção positiva da palavra paixão amorosa (paixão do apaixonado) como intenso movimento da alma na direção do objeto amado, como viva afecção e sobreinvestimento do desejo, com tudo o que isso pode implicar de ingenuidade, excesso, evidência, impaciência e imediaticidade. De outro, a acepção mais etimológica da paixão dolorosa como estado da alma que sofre, como ferida, dilaceramento, perda, sofrimento interiorizado, ao modo da Paixão de Cristo, e com seu cortejo de efeitos possíveis: redenção, retraimento, contorções, melancolia, trabalho de luto etc.[65]

 

A paixão pode ter o significado de um sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão. Amor ardente. Afeto dominador e cego. Obsessão. Desgosto ou mágoa, sofrimento. Paixão também é o arrebatamento, a cólera; e, por fim, a disposição contrária ou favorável a alguma coisa, e que ultrapassa os limites da lógica, fanatismo, cegueira.

A Paixão, com maiúscula alegorizante, refere-se ao martírio de Cristo e dos santos, e também à parte do evangelho que trata do martírio de Cristo. É, portanto, a narração do sofrimento e da dor sobre-humanos. Também, neste sentido, no teatro, a Paixão é a composição dramática baseada na vida de Cristo.

Dois outros significados: paixão é a expressão de sensibilidade ou entusiasmos do artista que se manifesta numa obra de arte; na música, a paixão é um gênero de cantata ou oratório religioso cujo tema são os acontecimentos que precederam e acompanharam a morte de Cristo, tal como se acham descritos nos evangelhos. Estes são alguns dos significados dicionarizados da palavra.

Dito isto, volto ao título do livro: Júbilo memória noviciado da paixão. O trabalho do tempo no corpo, tomado pelo afeto, se conforma numa confusão contraditória de sentidos. O júbilo inicial, que nos remete a um grande contentamento, a uma alegria intensa, é reafirmado e ao mesmo tempo negado no seu duplo sintático da frase, a paixão. O trabalho do tempo se perfaz nas duas palavras que separam estas extremidades semânticas, que abrem e fecham a estória que se conta no título. Este trabalho de espelhamento e recorte sintático será um dos recursos utilizados por Hilst nos poemas do livro. O mesmo se diga a respeito da música (e da repetição), que é aludida no título do livro e das partes que o compõem e no corpo dos poemas. 

Resumo de tudo: que os poemas sejam, assim, lidos como uma estória que se conta, não uma estória silenciosa em monólogo, mas que ela seja ouvida como um canto, lamento, com música que a acompanha. Que haja uma voz em off, diálogo implícito, acompanhando a disseminação dos afetos presente nos poemas.

Por ora, voltemos ao noviciado da memória. O tempo, nestas duas palavras, funde todos os tempos. A memória se constrói entre aquilo que se retém e que se esquece, o que volta como lembrança, reminiscência, recordação, podendo ser também entendida como um relato ou narração. Para ressaltar as marcas religiosas (do latim, religare, religar, retornar à raiz) deste título, a memória remete ao memento, de que se constitui cada uma das duas preces do cânon da missa, ao “lembra-te de que és pó”, e, portanto, à consciência da perecibilidade da matéria de que somos feitos. Esta memória, então, nos remete ao passado e ao futuro. O presente se atualiza no noviciado, que é o momento em que ainda se é noviço, rebento, momento de aprendizado a que se submetem aqueles que entram numa ordem religiosa.

Completa-se, deste modo, um possível traçado da estória contada no título. Júbilo, memória, noviciado da paixão pode ser entendido como uma narrativa poética, acompanhada de música, na qual são contadas as contas de um rosário, de um tempo de maturação e rompimento em que a duração do aprendizado, o noviciado, é relatado como lembrança, recordação jubilosa, embora a paixão (o afeto) possa ter sido, e ainda ser uma experiência intensa e dolorosa.

 

MÍNIMO TRATADO SOBRE O TEMPO DOS AFETOS

 

Meus poemas de amor não têm um tom confessional. O amor é sempre uma coisa tão idealizada, que não é nada pessoal, é sempre como se você perdesse o que ama. Nunca são as coisas realizadas, são sempre as coisas que você desejaria e nunca teve, por isso você projeta um amor impossível.[66]

 

 

Júbilo, memória, noviciado da paixão foi publicado sete anos depois da última incursão da escritora na poesia. Neste período, Hilst escreve seu teatro (entre 1967 e 1969) e dá início à sua produção em prosa (1970).

Destaco dois fatos importantes. O primeiro deles é que uma parte do livro, “Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio”, foi escrita em 1969, como consta da bibliografia da escritora, presente no final de Fluxo-floema,[67] publicado em 1970, e na cronologia que aparece no final dos livros das Obras reunidas de Hilda Hilst, publicadas pela editora Globo.

O segundo fato é que Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974) marca uma espécie de isolamento temporal mais extenso de Hilst da poesia. O livro de poesia anteriormente publicado é de 1967 - Poesia (1959/1967), e o posteriormente publicado é de 1980 - Da morte. Odes mínimas. Tem-se, assim, um período de 6 anos antes e 5 anos depois da publicação de Júbilo, memória, noviciado da paixão. O livro está, portanto, localizado num momento em que Hilst ficou o maior número de anos sem publicar livros com a marca “poesia” na capa.

Cito um longo trecho bastante esclarecedor, escrito por Alcir Pécora:

 

(...) é o primeiro livro de poesia posterior ao jorro dramático e ao início já maduro dos livros de prosa – e isto afetará seus versos. A sua poesia acusa o impacto da novidade da prosa, incorpora a ficção exercitada mais recentemente, de tal modo que, como disse Nelly Novaes Coelho, “entre esta e a da primeira fase, há uma evidente distância; não propriamente de valor poético, mas de intensidade”. Tal intensidade poderia ser descrita de várias maneiras. Eu a esboçaria aqui como uma poesia amorosa, de matriz arcaizante, menos à cantiga de amigo – cuja lembrança é, entretanto, pertinente -, do que à maneira petrarquista e camoniana, supostas as suas infinitas glosas em língua portuguesa, marcadamente até o século XVIII. Digo isso pensando, sobretudo, num registro discursivo paradoxalmente irônico e sublime, fundado numa dialética erótica, perfeitamente nítida em seu rigor e sistematicidade.

Assim, o lugar da tese é ocupado pela devoção da persona lírica, definida como amante arrebatada, que deseja ter junto de si, todo o tempo, o amado que lhe falta, causando-lhe dor e pena infinitas; a antítese se dá pela definição do amado esquivo e indiferente, cujas águas não chegam a tocar as margens, e que, ainda, tem casa, mulher, negócios, tudo burguesamente atendendo ao rude decoro dos preconceitos. A síntese é uma verdadeira apologia ou encômio da poesia. Ela se define como lugar que, fundado no desejo do amado que falta, atinge ou atende ao apelo do ser essencial por meio da descoberta de um movimento ao mesmo tempo íntimo, rítmico e metafísico que se dá no âmbito da palavra. É ela que, com inteligência rigorosa e sutil, penetra os afetos excessivos e qualifica os pesares na solidão do amante, já muito além do amado.[68]

 

Júbilo, memória, noviciado da paixão terá que ser entendido dentro deste contexto, visto que neste momento de sua obra a escritora começa a quebrar a noção dos gêneros de maneira contundente. O dramático migra para a poesia, esta para o drama, este para a prosa. O que vemos é o definitivo assentamento e decantação dos recursos estilísticos que vinham sendo usados pela escritora.

A linguagem poética da escritora já tem um corpo bastante estruturado, e a partir de então ela investirá no aprofundamento e proliferação das tensões significativas conseguidas até então. Falar em dívida literária ou  influências, a partir deste momento, penso ser algo bastante temerário, pois Hilst agora já é dona de sua própria dicção, e qualquer referência ou relação que possa ser feita com a obra de outros pensadores e poetas deve ser feita nas bases de um diálogo paródico, mutilante ou irônico.

Júbilo, memória, noviciado da paixão tem um roteiro bem estruturado, seguindo uma arquitetura precisa. O livro é dividido em setes partes, das quais apenas a última, “Poemas aos homens de nosso tempo” (17 poemas), não se faz a partir do diálogo dramático entre a poeta e seu amado, destoando um pouco do conjunto. Nesta última parte, há um alargamento do tema, pois se fala dos afetos entre os homens (caritas latino), do amor fraternal, no sentido mais lato, vinculando-o à compaixão, à política e à ética. Na poesia de Hilst, este é o único momento em que a política, a crítica social, aparece como um tema explícito.

Excetuando-se, portanto, a última, todas as outras partes de Júbilo, memória, noviado da paixão são dedicadas ao tema do amor: “Dez chamamentos ao amigo” (10 poemas); “O poeta inventa viagem, retorno, e sofre de saudade” (17 poemas), “Moderato cantabile” (6 poemas), “Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio” (10 poemas), “Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor” (5 poemas), “Árias pequenas. Para bandolim” (20 poemas). Ao todo são setenta e cinco poemas.

O que se pode adiantar é que na economia dos afetos, Júbilo, memória, noviciado da paixão e Cantares de perda e predileção são livros longos, enquanto que a primeira parte de Amavisse (20 poemas) e As duas primeiras de Do desejo (“Do desejo” – 10 poemas; “Da noite” – 10 poemas) já apresentam uma crescente tensão conceitual que dialoga com a economia do excesso. Nos três livros que fazem parte desta economia, por sua vez, se verá que Hilst “espreme” os poemas, diminui seu número, e concentra e expande seus significados (pelo alongamento dos versos e do tamanho dos poemas) pela intensa metaforização, pelas “cascatas” simbólicas.

Os poemas de Júbilo, memória, noviciado da paixão, dirigidos a este outro humano, mas ausente, decantado nas falas da poeta como o amado idealizado, fundam-se sob o duplo signo da adiamento/espera e do embate (agonia) da linguagem. Ao mesmo tempo em que todos os poemas das seis primeiras parte do livro são dirigidos a um amado ausente, a ladainha da falta não se reduz a um discurso de aceitação da voz lírica, embora haja traços de vitimização, há uma retomada irônica e provocadora nestas palavras dirigidas ao  amado.

Na primeira parte do livro, a epígrafe de Sylvia Plath, “Love, love, my season”, abre a discussão sobre a transitoriedade e sazonalidade dos afetos, sobre a passagem do tempo, marcada pelas estações, e pelo eco do sentimento, que retorna até se esvair. Da mesma forma que o tempo, cíclico em suas estações, o mesmo acontece com os afetos. Assim, pela constante revisitação dos afetos, é que o corpo ganha os contornos do tempo:

 

I

 

Se te pareço noturna e imperfeita

Olha-me de novo.

Porque esta noite

Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.

E era como se a água

Desejasse

 

Escapar de sua casa que é o rio

E deslizando apenas, nem tocar a margem.

 

Te olhei. E há um tempo

Entendo que sou terra. Há tanto tempo

Espero

Que o teu corpo de água mais fraterno

Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

 

Olha-me de novo. Com menos altivez.

E mais atento.

 

 

A visão, do mesmo modo que o coração e o tempo, formará um fio disto que se tece enquanto canto. Dirigido a um interlocutor humano, mas ausente, agregado à matéria do sujeito (“Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.”), este canto se faz enquanto desejo de se diluir no outro, em sendo terra, que o corpo-água do outro ao se agregar a ele, o umedeça. Olhar, aqui, além de ser a metáfora do ver-se no outro, também nos remete ao primeiro contato com o outro, ao momento em que estamos mais desarmados da razão, pelo susto do reconhecimento que se processa. 

Assim, este diálogo se tecerá ancorado no tempo – interior e exterior – e estas marcas temporais determinarão um trânsito do pensar entre o eu e o outro, e nas formas como os dois respondem a disseminação dos afetos. 

 

II

 

Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.

E eu te direi que o nosso tempo é agora.

Esplêndida altivez, vasta ventura

Porque é mais vasto o sonho que elabora

 

Há tanto tempo sua própria tessitura.

Ama-me. Embora eu te pareça

Demasiado intensa. E de aspereza.

E transitória se tu me repensas.

 

A partir do terceiro poema da série, a poeta vai construindo o cenário no qual acontece a figuração da relação amorosa, e os espaços onde o amante transita. A livraria, a editoria do jornal, a casa com a mulher e filhos, estes são os espaços nos quais a poeta constrói a geografia mental de seu afeto. Perpassados pelo tempo, estes são espaços da busca, dos possíveis e imaginados encontros, da recordação do afeto e da sua reelaboração. O que foi e o que poderia ter sido. 

Embora a voz da poeta se dirigida a este tu ausente, temos dois tipos de enunciação ficcional que se completam: uma real e outra potencial. Marcadas pela intensa presença da palavra poética que canta o amor, o processo de simbolização sempre oscila entre o real/potencial num tempo imaginado.

 

III

 

Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado

Faria do meu rosto de parábola

Rede de mel, ofício de magia

 

E naquela encantada livraria

Onde os raros amigos me sorriam

Onde a meus olhos eras torre e trigo

 

Meu todo corajoso de Poesia

Te tomava. Aventurança, amigo,

Tão extremada e larga

 

E amavio contente o amor teria sido.

 

 

A partir do quarto poema, este amante, para o qual os poemas são dirigidos, começa a ter seu contorno esboçado mais claramente.

 

 

IV

 

Minha medida? Amor.

E tua boca na minha

Imerecida.

 

Minha vergonha? O verso

Ardente. E o meu rosto

Reverso de quem sonha.

 

Meu chamamento? Sagitário

Ao meu lado

Enlaçado ao Touro.

 

Minha  riqueza? Procura

Obstinada, tua presença

Em tudo: julho, agosto

Zodíaco antevisto, página

 

Ilustrada de revista

Editoria; de jornal

Teia cindida.

 

Em cada canto da Casa

Evidência veemente

Do teu rosto.

 

 

Tensão. A junção de palavras/conceitos opostos vai aos poucos se configurando, mas ainda neste momento, temos apenas a oposição que caminha para a contradição discursiva. Como veremos, mais adiante (na economia do excesso) este encadeamento de palavras opostas, ao poucos se configurará como antítese, paradoxo, seguindo um exponencial simbólico até a aporia. Isto se dará, principalmente, na economia do excesso, na condensação metafórico-conceitual.

Aos poucos, se processa o contorno de descompensação da troca simbólica: o retorno do afeto não acontece, há um trânsito que potencializaria o desejo, gerado pela própria falta de afeto do ser desejado. Mas este desejo, contudo, naufraga pela desatenção do outro. O nítido entrechoque do trabalho com a palavra, no tempo, é o que impossibilita, segundo a voz poética, a disseminação dos afetos:

 

V

 

Nós dois passamos. E os amigos

E toda minha seiva, meu suplício

De jamais te ver, teu desamor também

Há de passar. Sou apenas poeta

 

E tu, lúcido, fazedor da palavra,

Inconsentido, nítido

 

Nós dois passamos porque assim é sempre.

E singular e raro este tempo inventivo

Circundando a palavra. Trevo escuro

 

Desmemoriado, coincidido e ardente

No meu tempo de vida tão maduro.

 

A impossibilidade de “comunicação”, de troca, que se efetivaria enquanto produção do afeto gera, nestes poemas, não a dor/a tristeza/o vazio, como se poderia esperar, mas a discussão sobre a passagem do tempo, pelo corpo, enquanto trânsito entre a memória/desmemória: para o amado (indiferente ao afeto da amante) o trabalho do tempo não tem um papel “inventivo” porque não descentra o amante de si mesmo, não o jogo nas águas do tempo.

Ao desenvolver esta idéia da oposição entre a intensidade / rarefação do afeto, entre a amante e o amado, a poeta falará sobre o espelhamento avesso entre os modos de contato com a palavra. Para a amante, a palavra é potencialização de seu próprio discurso sobre o afeto; para o amado, a palavra é vista como eclosão de racionalidade, como possibilidade de controlar seu sentimento.

Deste modo, quando a voz poética cinde-se em duas, em dois papéis/personas (o que ama/deseja versus o que é amado/desejado) começa-se a desconstrução da idealidade do outro pelo próprio modo como ele opera com a palavra. Daí nasce o movimento irônico e debochado do discurso poético, que é índice de uma relocação ou redimensionamento dos papéis – de algoz e vítima – das máscaras discursivas. A poeta/amante dirige-se ao amado não mais em tom de súplica, mas de confronto, de luta, de embate, fazendo-a passar de eu que sofre a ausência, para um eu que encontra sua medida na palavra:

 

VI

 

Sorrio quando penso

Em que lugar da sala

Guardarás o meu verso.

Distanciado

Dos teus livros políticos?

Na primeira gaveta

Mais próxima à janela?

Tu sorris quando lês

Ou te cansas de ver

Tamanha perdição

Amorável centelha

No meu rosto maduro?

E te pareço bela

Ou apenas te pareço

Mais poeta talvez

E menos séria?

O que pensa o homem

Do poeta? Que não há verdade

Na minha embriaguez

E que me preferes

Amiga mais pacífica

E menos aventura?

 

Que é de todo impossível

Guardar na tua sala

Vestígio passional

Da minha linguagem?

Eu te pareço louca?

Eu te pareço pura?

Eu te pareço moça?

 

Ou é mesmo verdade

Que nunca me soubeste?

 

O sétimo poema desta parte recoloca o problema do tempo, como círculo, como volta, presente nas estações, como circuito dos afetos, antevisto na já citada epígrafe de Sylvia Plath.

 

VI

 

Foi Julho sim. E nunca mais esqueço.

O ouro em mim, a palavra

Irisada na minha boca

A urgência de me dizer em amor

Tatuada de memória e confidência.

Setembro em enorme silêncio

Distancia meu rosto. Te pergunto:

De Julho em mim ainda te lembras?

Disseram-me os amigos que Saturno

Se refaz este ano. E é tigre

E é verdugo. E que os amantes

 

Pensativos, glaciais

Ficarão surdos ao canto comovido.

E em sendo assim, amor,

De que me adianta a mim, te dizer mais?

 

            O trabalho do tempo, no corpo, se faz sempre atado à possibilidade de um canto que o sustente, de um canto que possibilite a rememoração da experiência afetiva de modo que se imprima a ela significados, valores, este valor ritualístico que aparece na referência os salmos bíblicos, que retoma, num só fio narrativo, o pensar o afeto, sua disseminação, sua diluição: o trabalho do tempo fia e desfia o corpo tomado pelo afeto, o trabalho do discurso fia e desfia a figuração do sentimento. O espelhamento entre estes dois fiares é o que dá a estes poemas de Hilst sua verticalidade, sua potência.

 

IX

 

Esse poeta em mim sempre morrendo

Se tenta repetir salmodiado:

Como te conhecer, arquiteto do tempo

Como saber de mim, sem te saber?

Algidez do teu gesto, minha cegueira

E o casto incendiado momento

Se ao teu lado me vejo. As tardes

Fiandeiras, as tardes que eu amava,

Matéria de solidão, íntimas, claras

Sofrem a sonolência de umas águas

Como se um barco recusasse sempre

A liquidez. Minhas tardes dilatadas

 

Sobreexistindo apenas

Porque à noite retomo minha verdade:

teu contorno, teu rosto álgido sim

 

E porisso, quem sabe, tão amado.

 

 

Por fim, a memória aparece como possível modulação do canto, como lembrança do fogo do sentimento que arrefece, que dá lugar à racionalização, ao controle lógico, racional, discursivo do falar o próprio sentimento.

 

X                    

 

Não é apenas um vago, modulado sentimento

O que me faz cantar enormemente

A memória de nós. É mais. É como um sopro

De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso

É como se a despedida se fizesse o gozo

De saber

Que há no teu todo e no meu, um espaço

Oloroso, onde não vive o adeus.

 

Não é apenas vaidade de querer

Que aos cinqüenta

Tua alma e teu corpo se enterneçam

Da graça, da justeza do poema. É mais.

E porisso perdoa todo esse amor de mim

 

E me perdoa de ti a indiferença.

 

 

Embora se fale do amor, percebe-se que, antes disso, há a reflexão sobre a figuração do sentimento. Assim, a face metaligüística da poesia hilstiana é aparente e velada, ao mesmo tempo, porque ela acompanha o duplo movimento da enunciação, no qual se misturam, o expressar do sentimento e o próprio pensar este sentimento. Esta é uma das principais marcas estilísticas deste livro.

O título da segunda parte de Júbilo, memória, noviciado da paixão já anuncia a presença da invenção, a figuração dos afetos. “O poeta inventa viagem, retorno, e sofre de saudade”, aparentemente prossegue no tom confessional e biográfico dos poemas, mas agora aparece em paralelo a este registro discursivo cotidiano, quase como uma conversa ao pé de ouvido, aparece um alargamento, um ”aumento” do tom em que o afeto é enunciado. Conseguido, principalmente, pelo direcionamento da visão para espaços mais largos, e para um certo tom grandiloqüente da linguagem.

Nos dezesseis poemas desta parte o tempo potencial, o “subjuntivo” é bastante usado, sendo um índice desta oscilação entre o real/imaginado, e é nesta fenda simbólica, neste espaço de trânsito discursivo que o poema se instaura. A voz poética cindida, refaz, a partir de agora, o percurso do afeto já idealizado, já no campo das potencialidades, e em sendo assim se repense no próprio conteúdo/afirmação do que ela mesma diz.

 

I

 

Se for possível, manda-me dizer:

- É lua cheia. A casa está vazia -

Manda-me dizer, e o paraíso

Há de ficar mais perto, e mais recente

Me há de parecer teu rosto incerto.

Manda-me buscar se tens o dia

Tão longo como a noite. Se é verdade

Que sem mim só vês monotonia.

E se te lembras do brilho das marés

De alguns peixes rosados

Numas águas

E dos meus pés molhados, manda-me dizer:

- É lua nova -

E revestida de luz te volto a ver.

 

O voltar-se do discurso sobre si mesmo, aparece aqui, como “potencialização do inventado”, é um modo de colocar possíveis palavras, falas na boca do outro-ausente, do amado, tratando-se nesta representação de uma dupla via de acesso à “verdade”, ou ao real: de um lado, o amado traz a fala do controle, do bom senso, do equilíbrio – o lugar discursivo da segurança, do cotidiano, do dia a dia burguês; de outro, a amante (sempre impressa nela o rótulo de POETA) cuja fala é tida (sobre a ótica do “outro”) como enganadora, porque não se prende à lógica, porque não se verga nem à recionalidade discursiva, nem ao senso comum, ao molde das coisas pré-concebidas, a fala da poeta é vista como uma lugar discursivo perigoso, porque desestruturador, impróprio portanto, para o uso.

Esta impropriedade envia ao excesso que a intensidade traz em si, ao descontrole e perda de pé, ao desarranjo e convulsão que o sentimento pode causar. Assim, coloca-se a escolha entre o seguro e o instável: “Casa é ilha. / E o teu amor é sempre travessia.” Esta instabilidade do amor, oposta à segurança do casamento, reflete-se na estrutura de vida burguesa que o amado tem:

 

II

 

Meu medo, meu temor, é se disseres:

Teu verso é raro, mas inoportuno.

Como se um punhado de cerejas

A ti te fosse dado

Logo depois de haveres engolido

Um punhado maior de framboesas.

 

E dirias que sim, que tu me lembras.

Mas que a lembrança das coisas, das amigas

É cotidiana em ti. Que não te enganas,

Que o amor do poeta é coisa vã.

 

Continuarias: há o trabalho, a casa

E fidalguias

Que serão para sempre preservadas.

Se és poeta, entendes. Casa é ilha.

E o teu amor é sempre travessia.

Meu medo, meu terror, será maior                          

Se eu a mim mesma me disser:

Preparo-me em silêncio. Em desamor.                  

E hoje mesmo começo a envelhecer.                  

 

 

Opondo-se ao poema anterior, construído no esteio das falas prontas-feitas do amado, o poema seguinte, o sétimo, inaugura o alargamento do gesto poético, eleva o figurar-se amando à sublime vastidão do sentimento. As palavras de antes, que corriam numa espécie de baixo contínuo, de movimento monotonal e monocórdico, agora amplia-se para alcançar a largueza e intensidade do gesto poético.

 

VII

 

Essa lua enlutada, esse desassossego

A convulsão de dentro, ilharga

Dentro da solidão, corpo morrendo

Tudo isso te devo. E eram tão vastas

As coisas planejadas, navios,

Muralhas de marfim, palavras largas

Consentimento sempre. E seria dezembro.

Um cavalo de jade sob as águas

Dupla transparência, fio suspenso

Todas essas coisas na ponta dos teus dedos

E tudo se desfez no pórtico do tempo

Em lívido silêncio. Umas manhãs de vidro

Vento, a alma esvaziada, um sol que não vejo

 

Também isso te devo.

 

No oitavo poema, percebe-se o uso de vários lugares comuns da lírica trovadoresca, que são utilizados e estilizados de modo que a ironia apareça como um personagem principal, que corre paralelamente, subterraneamente ao todo discursivo do poema. O último verso reenvia o leitor aos livros Cantares de perda e predileção, de 1982,[69] e ao Cantares do sem nome e de partidas, publicado em 1996.[70]

METAPOESIA AVESSA

 

Por fim, é preciso anotar que em Júbilo, memória, noviciado da paixão a paixão exaltada é tanto o afeto pelo amado, como também um verdadeiro tratado metapoético. Estas duas faces da palavra permeiam os poemas do livro, ecoando neles como um voz em surdina. Este traço da metalinguagem ecoa em toda a poesia de Hilst deste período.

No livro, há uma tensão da “idéia” e “concepção desta idéia em palavras, assim é que a metalinguagem aflora em muitos poemas. Aliadas estas duas constantes discursivas – a tensão conceitual e a metalinguagem – vemos surgir uma visada racional no texto poético hilstiano. Instalado definitivamente no discurso, este voltar-se a si mesmo da idéia marca a intensa dramaticidade dos poemas.

Este voltar-se da idéia sobre si mesma, ligado a uma constante reflexão, a um ruminar sobre o tempo, que, figura a experiência e num mesmo movimento dá um contorno, um remate à linguagem poética hilstiana. Na terceira parte do livro, “Moderato cantabile”, vemos desfilar diante de nossos olhos a expressão não mais do afeto em si, mas da idéia do afeto.

Aqui, a economia das trocas simbólicas deixa de ter como parâmetro uma possível referencialidade “par a par”, uma palavra remetendo a uma imagem/coisa real. A esta relação de paridade binária do signo, a esta equivalência referencial da linguagem, Hilst antepõe mais uma terceira variável cujo direcionamento é justamente o trânsito conceitual...

Embora o vocabulário utilizado seja simples, ao concentrar o discurso poético num trânsito significativo, Hilst tensiona a significação, desfazendo a simetria em dissimetria, substituindo a identidade pela semelhança, criando, deste modo, linhas de fuga de sentidos que nos devolvem aproximações significativas de um determinado centro conceitual instável. Na terceira parte de Júbilo, memória, noviciado da paixão, “Moderato cantabile”, lê-se no segundo poema:

 

E circulando lenta, a idéia, Túlio,

Foi se fazendo matéria no meu sangue.

A obsessão do tempo, o sedimento

Palpável, teu rosto sobre a idéia (...)[71]  

 

Este pequeno trecho condensa muito das reflexões posteriores presentes na poesia de Hilst. De um lado uma obsessão de pensar não só os limites do corpo, sua finitude, mas também seu próprio contorno, esgarçado pela intensidade dos afetos.

O fim de tudo é esta incessante e obsedante volta, redemoinho, voluta do próprio pensamento. O racional como idéia do excesso de se pensar matéria, ossatura, e o desejo de pertencer, pela palavra póetica, ao absurdo do infinito.  Uma das faces da visada racional encontrada na poesia de Hilst é esta: uma voracidade vertiginosa de transcender-se pela palavra, de vencer o tempo.

Neste momento, encontramos a visada racionalizante no texto histiano, de que já falamos anteriormente. A poesia passa, assim, a ser eminentemente controlada, direta, econômica em palavras e conceitos. É uma poesia que flui naturalmente, sem tantas revoluções do pensamento, uma poesia direta, objetiva e extremamente concisa.

 

VI

 

Soergo meu passado e meu futuro

E digo à boca do Tempo que os devore.

E degustando o êxito do Agora

A cada instante me vejo renascendo

 

E no teu rosto, Túlio, faz-se um Tempo

 

Imperecível, justo

Igual à hora primeira, nova, hora-menina

Quando se morde o fruto. Faz-se o Presente.

Translúcida me vejo na tua vida

Sem olhar para trás nem para frente:

Indescritível, recortada, fixa.

 

O discurso erótico, neste poemas, seduz pelo fato de ser quase uma conversa cifrada ao pé do ouvido, o expor em palavras claras a cristalina e úmida água do sentimento, o desaguar contido e contínuo do afeto.

 

(...) From the beginning of the Greek literature, we observe the erotic attraction exercised by the text. The power of the sirens' song over the sailors in the Odyssey is not an isolated episode. One of the muses (erotic poetry) is called (Lovely). The voice of the muses is erotic (...) for Hesiod, and erotic is the rythm of dance (...). If we accept the allegorical interpretation of frag. 31 by Sappho, we should  also accept the erotic relationship between the text and the reader in lyric poetry.   

Erotic is the speech that seduces. Thus was the song of the muses. Simultaneously old and always new, the song of the muses attracted whenever the divine voice of the singer (aoidos) sounded. [72]

 

Há momentos em que a suposta fala do amado vem à tona, atualizadas nas palavras da amante. Assim, a dramatização do afeto se completa. Há um círculo de retorno que esquadrinha estas falas, e geralmente o que se diz que o outro pensa e fala, refere-se à própria impropriedade da fala poética. Lê-se, por exemplo, no poema segundo, da segunda parte do livro, intitulada “O poeta inventa viagem, retorno e morre de saudade”:

 

Meu medo, meu temor, é se disseres:

Teu verso é raro, mas inoportuno.

Como se um punhado de cerejas

A ti te fosse dado

Logo depois de haveres engolido

Um punhado maior de framboesas.

 

Esta insegurança pode também ser transfigurada em revolta, ou numa volta da idéia sobre si mesma, na imersão da subjetividade poética no mundo do sonho ou da potencialidade dos afetos.

 

X

 

Se todas as tuas noites fossem minhas

Eu te daria, Dionísio, a cada dia

Uma pequena caixa de palavras

Coisa que me foi dada, sigilosa

 

E com a dádiva nas mãos tu poderias

Compor incendiado a tua canção

E fazer de mim mesma, melodia.

 

Se todos os teus dias fossem meus

Eu te daria, Dionísio, a cada noite

O meu tempo lunar, transfigurado e rubro

E agudo se faria o gozo teu.

 

A  quinta parte de Júbilo, “Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor” é composta por cinco poemas longos, que versam sobre a intensidade do sentimento no agora. Este instante, que se dilata e aprofunda o afeto, é o momento em que o corpo, tomado pelo afeto, ganha um contorno e uma razão de ser. Por isto, o “chamamento”, o pedido é que o amado usufrua deste corpo-amante no agora, antes que o tempo determine a decadência do corpo e do desejo.

 

 

 

I

 

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca

Austera. Toma-me AGORA, ANTES

Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes

Da morte, amor, da minha morte, toma-me

Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute

Em cadência minha escura agonia.

 

Tempo do corpo este tempo, da fome

Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,

Um sol de diamante alimentando o ventre,

O leite da tua carne, a minha

Fugidia.

E sobre nós este tempo futuro urdindo

Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida

A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

 

Te descobres vivo sob um jogo novo.

Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,

Antes do muro, antes da terra, devo

Devo gritar a minha palavra, uma encantada

Ilharga

Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar

Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo

Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

 

Os poemas de Júbilo, memória, noviciado da paixão correspondem a cenas sucessivas que compõem um quadro mais geral de uma possível estória de afeto. São uma série de curtas estórias, cujas cenas e imagens que se formam, desenrolam-se num tempo da leitura, o que permite ler os poemas como se fossem quadros de uma mesma estória.

Este caráter narrativo que liga os poemas uns aos outros, possibilita a leitura dos poemas como um único grande poema. Este recurso dá profundidade, perspectiva ao “assunto”, sobrepõe camadas de imagens, de cenas umas as outras, e é justamente da intercambiação entre a significação destas imagens que o significado geral toma um “contorno”.

Técnica esta que cria um multiperspectivismo simbólico (em que cada poema ocupa um centro gravitacional significativo) que “dialoga”, que entra numa dinâmica metafórico-conceitual de trocas simbólicas cujo centro, de onde emana o discurso, está sempre em constante mudança. Assim, ao instalar o movimento, o tempo, na “voz” que diz o discurso, Hilst prolifera os possíveis sentidos, e só nos dá sínteses provisórias, no aparente tempo estático, de decantação de significados, de cada poema.

Para além desta arquitetura geral, contudo, o que se percebe é que mesmo em cada poema Hilst procede a uma “montagem”, a um corte temporal que aprofunda a superfície simbólica do poema, o que lhe dá uma espécie de horizonte de perspectiva simbólica, o que nos impossibilita, portanto, encontrar um centro de decantação, de assentamento conceitual.

 

Para finalizar a leitura de Júbilo, memória, noviciado da paixão, para que se tenha uma noção do que falo, retomando este fio que tece a economia dos afetos, comento mais detidamente um poema,[73] da sexta parte do livro, intitulada “Árias pequenas. Para bandolim”:

 

II

 

Meu corpo no mar

E o peixe movendo

A barbatana tensa

No ar.

 

Meu corpo de terra

Mergulha no gozo

 

E te pensa

 

Em líquida quimera.

O corpo do peixe

Olho abismado

Hiato

Guelra sem grito

 

Morrendo.

 

Este poema é construído como se cada estrofe fosse um quadro que se grudou na memória. Embora não fale explicitamente do tempo, aqui, fala-se do movimento, do trânsito do corpo entre dois estados dos afetos: a agonia (luta contra a morte) e o gozo (petite mort, pequena morte). A estrutura de montagem cinematográfica é que nos permite refazer, acompanhar o percurso “conceitual” feito no poema.

A primeira estrofe opõe dois pares de sintagmas: meu corpo/mar – barbatana do peixe/ar. Aqui, dois seres “fora” de seu habitat natural. A segunda estrofe repõe o corpo de terra que, agora metaforicamente “mergulha no gozo”, e pensa o objeto do desejo “em líquida quimera”.

BATAILLE

Entendamos assim: a terra se dilui na água. Mergular no gozo, então, é perder-se, é desfazer-se, é perder o próprio “eu”. Desfazimento do “eu”. A terceira estrofe volta a falar, fotografar o “corpo do peixe”, agora no fim da agonia de sua finitude. Com este pequeno resumo, o que se percebe é que subjacente a todo o quadro está o tempo. Ou melhor, um quiasmo conceitual que une num só passo, nesta economia dos afetos, a morte e o gozo, como nos explica Georges Bataille.

O corpo mergula no gozo e pensa o outro (o objeto do afeto) em líquida quimera. Pensar o outro é pensar-se a si mesmo, pois a terra dilui-se na água. Então o corpo de terra indiferencia-se do pensar o outro e do pensar-se a si mesmo. O líquido, a “líquida quimera” pode ser metáfora da própria ejaculação, da água como símbolo da passagem do tempo, da coisa que é informe, ou toma qualquer forma (quando é colocada num recipiente). Alcir – PARÁFRASE DO POEMA

O pensar é o que dá forma a esse desejo, a esse gozo, a essa agonia. O “olho abismado do peixe” é muito mais um espelho da consciência do sujeito da sua finitude que propriamente um atributo do possível horror/medo diante da morte que o próprio peixe sente. O olho, metonimicamente, primeiro contato com o desejo, transforma-se em abismo. A idéia que ressalta do conjunto, talvez, seja a de que mergulhar no gozo é mergulhar-se em si mesmo, observando-se ao mesmo tempo.

Neste poema, Hilst desenvolve a idéia da indiferenciação (diluição), da despersonalização do sujeito, quando este é tomado pelo afeto. Este sujeito é terra, tem corpo de terra, enquanto o ser amado é água, mar. O afeto só se completa quando há contato, diluição, entre estes dois estados da matéria.

Esta representação das trocas simbólicas relacionadas aos afetos terá assim, neste momento, uma idéia de que a soma pode gerar a indiferenciação. Sendo assim, o pensar(-se) é o que ainda resguarda ao sujeito o lugar discursivo  de sua fala. Embora este mesmo pensar(-se) possa fazer aflorar contradições nas peles das palavras.

As derivações destas contradições, as proliferações imagético-conceituais que Hilst dará a este pensar do/o corpo tomado pelo afeto, é o que lhe permitirá o contínuo e constante rearranjo de temas já visitados pela poeta. O uso do encadeamento, da proliferação das camadas imagéticas é que dará cada vez mais profundidade à cena dramática do poema, sendo uma das constantes estilísticas na poesia hilstiana posterior.

Embora o coração seja o centro metafórico, simbólico do afeto, para que este se efetue é preciso que ele dissemine no “eu” a intensidade do “outro”; é preciso, portanto, que este “eu” se descentre, de seu coração e de si mesmo, e se alargue rumo ao afeto no outro. Esta estrutura de espelhamento e de disseminação simbólicos pode emergir marcada pelo descontrole, pela exponenciação da intensidade do desejo – a paixão – e determinar uma (con)fusão entre o “eu” e aquilo que ele ama/deseja; ou pode aparecer tingido de cores mais sóbrias, mais racionalizadas.

O que se pode pensar é justamente como as várias metamorfoses dos afetos podem determinar no sujeito o controle/descontrole deste centro simbólico, o coração, enquanto horizontalização/verticalização das equações dos afetos.

Este contorno diluído do corpo que se expande e se alastra é metáfora do informe do tempo. A imagem da água, retorna, ajustada à descoberta da brevidade do tempo, que escorre a vida e o sentimento. Consciência da passagem irremediável do tempo, a imagem da água e dos rios que correm, que estão num contínuo fluxo do movimento, sintetiza a inconstância dos caminhos dos afetos que percorremos.

Seguindo esta imagem do correr/fluir das águas do tempo, entro num outro trânsito discursivo, cuja estação sintoniza o momento de maior densidade dramática, de desespero e luta, de agonia e combate, do desconforto da diluição da voz poética, num canto-lamento, marejado e angustiante, intenso e desesperado.

 

 

CANTARES DE PERDA E PREDILEÇÃO (1983)

 

Odeio e amo. Você me pergunta por quê?

Não sei, mas sinto assim e isso me tortura.[74]

 

Catulo

 

O ódio-amor é o principal personagem em Cantares de perda e predileção, sendo um duplo dramático que acompanha e faz contraponto a todas as falas da voz lírica.

Dúplice, o corpo torna-se estranho a si mesmo, quando deságua no sentimento, condensando nele próprio a estranheza de seu oposto. Ao poucos, essa poesia, que funde prazer e dor, terá, neste estranhamento do sujeito de si próprio, o descentramento da “consciência”, o desmembramento do “eu” diluído na intensidade do tempo.

Ao concentrar-se num agora, que presentifica todos os tempos, a consciência que fala se esfacela em imagens de si mesma, a água corrente, as correntes do tempo aprisionam o afeto na tensão e na intensidade do instante. Tensionados, deste modo, feito arco e flecha, os espelhamentos entre o eu e o outro constróem a vertigem do corpo tomado pelo afeto.

Os poemas de Cantares de perda e predileção se figuram como exercício da duplicação e multiplicação do próprio tempo, investido agora de seu caráter de perda e des-investimento, de envenenamento do presente pela falta/carência do outro. A paixão/desejo aqui, amalgama os opostos, e o sentimento que perpassa o livro – o ódio-amor – determina o tom, o tônus dos poemas.

Trata-se agora, não só do sentimento ambíguo e contraditório da paixão, visto quase sempre de fora, com um certo recuo, como em Júbilo, memória, noviciado da paixão, mas um mergulhar do sujeito no próprio fluxo irracional do sentir, numa estranha perspectiva sadomasoquista em que se sabendo inteira presa do outro. Estranha e paradoxal porque a voz lírica vê justamente na sua própria anulação e apagamento a sua inconfortável identidade.

O mote principal de Cantares de perda e predileção é um duplo caminhar: para o espaço exterior pretérito que se dobra sobre um caminhar para dentro, intensificando a memória do presente. Recordar, neste sentido, é fazer parte desta cisão amorosa do afeto, na qual se encontram diluídas as imagens de um antes, de uma casa-corpo, objetos cheios de significação, gestos da memória, sombras e sobras de um passado que se estende até o presente, e o toma completamente, ao mesmo tempo inflacionando e dilapidando sua significação.

A leitura desses poemas é um acompanhamento do canto da poeta, cuja voz, tensionada e embargada pela recordação, nos remete aos vestígios dos afetos disseminados nas lembranças estilhaçadas de emoções e do ser amado.

O que se percebe, pouco a pouco, no entanto, é que embora a dor e o ressentimento contaminem os poemas, que se sucedem como uma estória que nos é contada, temos um paradoxal e contraditório sentimento de que o relembrar, o trazer de novo para o presente, como que decanta este sentimento de perda e de vazio deixado pela ausência do amado.

Neste sentido, a condição de vítima vivida pela amada/pela poeta é amainada/matizada porque o passado emergindo no presente ganha não só o estatuto de atualização do afeto, de reviver o afeto, mas também da própria racionalização deste afeto, o que torna o desconforto da paixão vivida uma coisa um pouco menos amarga e dura.

Por isto é que as imagens da morte, de si mesmo e das coisas, dos gestos, das lembranças, toma os poemas como num susto, completando o trabalho seletivo da memória, que imprime sentidos outros ao sentimento vivido.

“Morrer apetecida” significa exatamente isto: retomar as “promessas da memória”, as ilusões intensificadoras da vida. Só assim o tempo presente se abre, projetando um futuro menos machucado, menos pesado por tantos “objetos” da memória. O tempo, a revivência, a revisitação do tempo, neste sentido, é o senhor dos afetos, é o que nos devolve um voz ainda cindida (pelo fato de ser presente a mistura da dor e do amor), mas menos tomada pela mágoa e pelo ressentimento.

Para que isso aconteça, contudo, primeiro é preciso que se complete, verbalmente, a batalha dos afetos. Metáfora privilegiada deste embate, passeia, diante de nós, um bestiário sem fim. A luta animal é a forma mais direta que Hilst usa para representar o corpo tomado pelo paixão, pelo afeto.

O tigre, por exemplo, que passeia pela poesia hilstiana, é um dos animais que aparecem aqui, simbolizando tanto a possível violência quanto a intensidade, a voracidade da fome do desejo do outro, passando pelo nosso corpo. O mesmo par caça / caçador que aparece em Júbilo, memória, noviciado da paixão e em Cantares do sem nome e de paartidas, reaparece aqui.  Um dos poemas diz:

XXVIII

 

Ronda tua crueldade.

Esconde, avança

 

Até que me descubras

Fissura rigorosa

Na tua garra

Ajustado tensor

Para tua lança.

 

Ronda meu abandono

Persegue

Trança meu desamparo

Sono e tua iniqüidade.

Ritualiza a matança

De quem só te deu vida.

 

E me deixa viver

Nessa que morre.[75]

 

Algumas figurações dos afetos presentes no livro podem ser resumidas  desta forma concisa. Neste livro a voz poética determina e amplia a dimensão do sentimento poético do paradoxal ódio-amor, do amor e seu avesso, valendo-se de uma linguagem limpa, num ritmo breve e sinuoso, que determina o conflito e a violência do encontro com a lembrança do desejo do outro. Uma linguagem marcada pela conjunção dos contrários, que nos apresenta as sombras e as imagens de um progressivo tornar-se em ruínas do eu-que-ama.

O corpo como matéria de passagem do ódio-amor, trasmuta-se em imagens dilaceradas. Neste trânsito estranho entre o querer e o sofrer que este mesmo querer determina, é que o sujeito poético fia seu discurso, e ganha o tempo, cuja metáfora-mãe é o líquido, o que escorre e é informe.  

A água, e vários outros elementos a ela relacionados, instaura a possível união dos corpos amantes. A água mistura-se à terra, dilui o corpo além dos limites do corpo, e traz o vivido, o imaginado, o sonhado, para a roda do tempo.

Este tempo que dilui a distância entre o que foi, o que poderia ter sido, e o que é. Este tempo ques instala uma distância possível entre os corpos tomados pelo desejo, quando projeta este mesmo desejo para além dos corpos, para além do tempo cronológico, para um fora do tempo, para um fora discursivo: um olhar que nos conduz para a despedida e para a intensidade de um instante recordado:

 

III

 

Se a tua vida se estender

Mais do que a minha

Lembra-te, meu ódio-amor,

Das cores que vivíamos

Quando o tempo do amor nos envolvia.

Do ouro. Do vermelho das carícias.

Das tintas de um ciúme antigo

Derramado

Sobre o meu corpo suspeito de conquistas.

Do castanho de luz do teu olhar

Sobre o dorso das aves. Daquelas árvores:

Estrias de um verde-cinza que tocávamos.

 

E folhas da cor das tempestades

contornando o espaço

De dor e afastamento.

 

Tempo turquesa e prata

Meu ódio-amor, senhor da minha vida.

Lembra-te de nós. Em azul. Na luz da caridade.

 

 

Um último retorno seria o retorno para o próprio discurso poético. Que é justamente aquele que marca um distanciamento da poeta de si mesma. Este pequeno deslocamento possibilita um olhar-se um pouco de “fora”, sendo justamente o que permite a poeta resgatar um pouco de sua própria identidade (antes  confundida com a identidade do outro), de sua voz que aos poucos determina um novo destino.

Um livro feito de poemas-fragmentos, ruínas. Cortes sobre cortes, imagens em movimento, estes Cantares de perda e predileção (1983), anunciam já um estranho desconforto em seu próprio título.

Se a música acompanha o Júbilo, aqui é o corte cinematográfico que opera a lógica das imagens moventes. Assim, o microcosmo de cada poema pode também se multiplicar em outros, em estórias que correm lado a lado numa montagem em paralelo da linguagem. Ao que me parece, a imagem em movimento, ou o movimento da imagem, é o recurso estilístico mais presentes nestes poemas.

Eles refazem um caminho, um percurso de agonia, de luta contra a morte anunciada pela paixão. Aqui, ao contrário de Júbilo, memória, noviciado da paixão, Hilst trabalha no limite do corpo da escrita, numa tensão ríspida e rasgante, dilacerada e doída, uma inflexão da voz até a potencialidade do grito. Trata-se (mesmo que o título não o diga) da exposição crua de um afeto/sofrimento. Falo do grito, como falo das múltiplas metáforas do acasalamento, do jogo amoroso animal, que traçam a figuração da paixão como algo além do racional.

Este jogo que se realiza pela “dança animal” acompanha não só as imagens, as metáforas, mas todo o traçado rítmico dos poemas isolados e em seu conjunto. A sinuosidade, as quebras abruptas, os versos curtos, o jogo das antinomias, tudo contribui para que a leitura destes poemas nos dê um certo desconforto.

O amálgama ódio-amor, palavra que percorre o livro, ecoa em cada poema como uma marca, um traço que atualiza a idéia da paixão como sofrimento, contamina cada palavra proferida. Sentimento paradoxal que é, o ódio-amor carrega a dor entranhada em tudo o que é dito, mas inesperadamente é essa mesma dor o que justamente o que move o discurso, o que comove, sendo o motor da ação humana dos afetos.

O ódio-amor, nesse livro, se expande e se metamorfoseia, agregando sentidos a ele estranhos. Tem-se, aqui, o desenvolvimento da paixão como sofrimento, como caminho no qual o sujeito se estranha. Há uma profunda e doída reflexão sobre o desespero de se saber inteiro-presa do outro. 

           

Da fusão do prazer e da dor, temos a  incompreensão da força avassaladora, misto da pulsão da vida-morte reconfigurada no amor-paixão. Cantares de perda e predileção é, ao lado da novela A obscena senhora D (1982), um dos mais agonicamente tristes que Hilda Hilst escreveu.

            Aceitar o desafio de se dizer paradoxo e fúria já é uma tarefa muito difícil; somemos a isso a dissolvência do corpo diante da imensa dor de se saber amando o ódio nele agigantado. Ainda  assim a poeta se entrega a uma outra paixão (a da poesia) e nela representa as imagens doentias e turvas de um amor que se alimenta de seu oposto.

Esse o maior desafio da poeta: o de sofrer duplamente a paixão da carne e a da palavra imiscuídas. E mesmo aqui, na intensidade do sofrimento da paixão, há o recuo dramático que se vê na exatidão racional do discurso:

           

Na moldura, no esquadro

Inalteráveis

Passado e sentimento.

 

Dos dois contemplo

Rigor e fixidez.

Passado e sentimento

Me contemplam

 

Arduidade nas caras

Rigor no teorema.

 

Tento apagar

Atos, postura. Revivem.

Irremovíveis, vítreos

 

Incorporam-se para sempre

À eternidade do meu espírito.[76]

 

 

            No trânsito da voz poética entre a paixão, a impossibilidade do afeto (o amor não-realizado) e o sofrimento do amor extremado, vemos passar diante de nossos olhos uma infinitude de imagens que nos mostram o caráter doentio, ambíguo e desesperado da luta contra o próprio sentimento de amor, de dor, de perda, o que marca a impossibilidade de concretizar o afeto sem que se sofra.

Também dedicado à memória de Ernest Becker, o livro inicia com um passeio imaginário a uma geografia pretérita, mas ainda intensameente presente. Na tentativa/busca de reconstruir uma estória, o percurso da vida, a poeta se detém na minúcia de cada detalhe do espaço da mente. E nesta busca o único indício da existência é o trabalho inexorável do tempo, que a tudo arruína, e o que antes talvez reverberasse de vida, no rever do agora, é apenas um sonho escuro e inútil. Por isso, o primeiro poema finaliza como uma referência (a deus?) a um demiurgo cego e tosco. 

Embora esse seja um percurso de dor, a solução possível, a busca do além-outro já é anunciada no primeiro poema do livro. Assim, tem-se de certa  forma o desenho de um percurso invertido, pois o primeiro poema já é uma antevisão do depois da luta agônica com a paixão:

 

I

 

Vida da minha alma:

Recaminhei casas e paisagens

Buscando-me a mim, minha tua cara.

Recaminhei os escombros da tarde

Folhas enegrecidas, gomos, cascas

Papéis de terra e tinta sob as árvores

Nichos onde nos confessamos, praças

 

Revi os cães. Não os mesmos. Outros

De igual destino, loucos, tristes,

Nós dois, meu ódio-amor, atravessando

Cinzas e paredões, o percurso da vida.

 

Busquei a luz e o amor. Humana, atenta

Como quem busca a boca nos confins da sede.

Recaminhei as nossas construções, tijolos

Pás, a areia dos dias

 

E tudo que encontrei te digo agora:

Um outro alguém sem cara. Tosco. Cego.

O arquiteto dessas armadilhas.

 

A mesma imagem final desse poema reaparecerá, como veremos mais adiante, no último poema do livro Cantares do sem nome e de partidas, de 1995.

Desenhada essa paisagem primeira, os poemas subseqüentes tratarão da descrição disso que pode determinar a constituição do sujeito/da subjetividade no tempo. Aliada a essas marcas temporais do antes e do agora (calendários, fatos, datas etc), a dor, aos poucos se transfigura:

 

 

 

 

II

 

Que dor desses calendários

Sumidiços, fatos, datas

O tempo envolto em visgo

Minha cara buscando

Teu rosto reversivo.

 

Que dor no branco e negro

Desses negativos

Lisura congelada do papel

Fatos roídos

E teus dedos buscando

A carnação da vida.

 

Que dor de abraços

Que dor de transparência

E gestos nulos

Derretidos retratos

Fotos fitas

 

Que rolo sinistroso

Nas gavetas.

 

Que gosto esse do Tempo

De estancar o jorro de umas vidas.

 

 

A memória, o recordar é instância de refazer os traços que disseminam os afetos, do mesmo modo que a retenção dessa memória no tempo impresso no corpo possibilita o entendimento de que o corpo é coisa que passa, é coisa na qual se retém o afeto, sempre estancado no instante, na deriva, na incapacidade de prolongá-lo além da memória desse mesmo corpo:

 

VI

 

Eu não te vejo

Quando teu ódio aflora.

Como poderia

Ver teu ódio e a ti

 

Iludida

Por uma só labareda da memória?

 

 

Cegos, não somos dois.

Apenas pretendemos.

Devorados e vastos

Temos um nome: EFÊMERO.

 

As contradições, neste livro, os paradoxos se construirão, como num corpo-casa de palavras, aos poucos, de poema a poema, a voz lírica trançará uma teia tênue que aproximará os contraditórios, que os misturará, com uma desatenção fingida, assim como ainda estão misturados dentro da poeta os sentimento contraditório de amar odiando ou odiar amando. Sem que se consiga livrar deste tempo retorcido, que é ao mesmo tempo o eterno e o instante onde se ancora o ódio-amor..

 

LVII

 

Há este céu duro

Empedrado de ventos.

Eternidade és tu, meu ódio-amor

Senhor do meu sentimento.

 

Há este Nunca-Mais

Ancorado no Tempo.

E uma só tarde num aroma de ruas

De mogorim, de aves.

 

E há refrões e ágatas

Nas praças

Daquele paraíso de ilusões.

E barcas, pedras roladas

 

Extensos esgarçados

Eternidade de nós, meu ódio-amor

No SEMPRE-NUNCA MAIS.

 

 

 

AMAVISSE (1989)

 

Há, em Amavisse, uma declaração de princípios e uma poética, baseada na adoção da linguagem transgressora para recuperar outro tempo, realizar simbolicamente o paraíso na Terra. Sua obra, lida à luz dessa poética, apresenta uma cosmovisão, e uma visão coerente da situação do poeta no mundo.[77]

 

CLÁUDIO WILLER

 

 

Muitas vezes demora dias para eu completar um ciclo poético e eu posso passar meses esperando por outro momento igual, a volta daquele fervor que não tem nada a ver com a emoção, é como contemplar a emoção.

A paisagem que mais me agrada é a vida. (...) Eu amei várias paisagens. Agora eu gostaria de fazer doutorado na Unicamp, a partir de um livro de poemas,  Amavisse, que em latim significa “ter amado um dia”, e o que me vem é essa nostalgia de ter sentido um dia o primeiro toque do homem amado, a primeira descoberta de um animal, essas primeiras emoções que eu tive um dia, a nostalgia dos toques, da visão, da emoção.[78]

 

HILDA HILST

 

Composto por três partes, três vias de acesso ao conhecer-se/conhecimento, Amavisse, “ter (um dia) amado”, forma nominal do perfeito ativo em latim, nos remete à nostalgia, à rememoração de um estado passional fixado no tempo enquanto matéria de vida e reconhecimento.

A primeira parte, que tem título homônimo ao do livro, trata propriamente dos afetos em relação ao humano. Na segunda parte, “Via espessa”, se desenrola o amoroso enlace com o louco, duplo ou sombra da voz poética, consciência privilegiada, como os bufões/parvos das peças de Shakespeare ou de Gil Viccente. Na terceira parte, “Via vazia”, se desenrola um ríspido embate com a figuração do divino.

O livro se desprende, portanto, em três feixes temáticos, três grandes poemas. Os poemas de cada parte podem ser lidos como um quadro, que faz parte de um tríptico, figurando-se, nesta estrutura tripartide, a própria passagem do tempo: o passado, o presente e o futuro. Esses três “estados” do tempo dobram-se sobre si mesmos, são círculos que se desfiam no tempo dramático da poesia.

 

(...)  Mircea Eliade établit une relation entre saudade et le vocable roumain dór, mot qui caractérise le peuple roumain, expression populaire par excellence. Ainsi, dór exprime un état d'âme indéfinissable, une insatisfaction devant le présent, une nostalgie du passé, d'un lieu lointain, d'un paysage; c'est un sentiment aggravé par la solitude et l'absence de l'être aimé qui empêche l'adhésion à la vie en toute sa plénitude, mais qui peut être ressenti indépendamment d'une cause extérieure. [79]

 

Tratarei apenas da primeira parte do livro, porque é nela que aparece o tema dos afetos. Se em Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974) e Cantares de perda e predileção (1983) Hilst trabalha com a idéia da presentificação dos afetos, e se o objeto deste afeto é transparente etc, em Amavisse (1989) este afeto já é passado, e se trata propriamente da recuperação de sua lembrança, da idéia de que se guarda, no corpo, a nostalgia do amor. Por isto, Hilst abre o livro com a epígrafe, de Vladimir Jankélévitch, de onde ela tirou o título para o livro:

           

            ...ter um dia amado (amavisse)

 

                          Vladimir Jankelevitch

                                                                     

 

Ao se tratar, portanto, de resgatar, de re-memorar uma “cena primitiva”, do re-cordar ou da recordação como lugar discursivo para se falar dos afetos, penso ser possível relacionar estes poemas ao caráter cerimonial e encantatório da palavra presente na poesia oral, que já foi comentado anteriormente.

Os vinte primeiros poemas compõe a primeira parte do livro, seguirão um roteiro preciso que oscila entre a metalinguagem e a fala sobre os afetos em si. Pode-se dizer, então, que neste momento, Hilst assenta a disseminação dos afetos não mais no corpo em si, no corpo da amante e do amado, mas sim na idéia, na imagem potencial do afeto, agora despossuído de corpo.

Esse registro discursivo que alterna em si dois movimentos contraditórios num mesmo plano discursivo, o dizer a emoção e ao mesmo tempo o afastar-se dela, possibilita a racionalização do afeto. A poesia posterior, de Hilst, que trata dos afetos se fará de desdobramentos desta tensão, até que se prolongue o pensar-se na intensidade do afeto rumo ao desconhecer-se.

Por isto, real/imaginário, real/potencial  se alternarão de modo que se indiferenciem, do mesmo modo que se atinge o beco sem saída do pensamento: o pensar-se até o limite nos leva ao impasse de se indefinir pela impossibilidade/falta de se encontrar palavras que definam o que sentimos.

Assim, a racionalização do sentimento, do afeto, em vez de nos levar a uma solução, ao conhecimento, ao entendimento, leva-nos, ao contrário do esperado, para zonas discursivas cada vez mais opacas: entropia do pensar-se até o limite, ultrapassar este limite do racional é cair no abismo do inexplicável, do que não se pode mais dizer, pela falta/pela queda da própria linguagem, explodida em seu limite de clareza, de referencialidade: as trocas simbólicas, nesse terreno, se dão ao avesso, pelo derruir, pelo arruinamento da lógica da razão, seguindo-se o caminho que vai do logos (lugar discursivo da suposta razão) ao mitos (narrativas “mágicas”), que retém não mais a lógica binária, mas sim a lógica do não-sentido.

 

 

PEQUENO EXCURSO SOBRE OS NOMES – LOGOS E MITOS

“O mito coloca, então, em jogo uma forma de lógica que se pode chamar, em contraste com a lógica de não-contradição dos filósofos, uma lógica do ambíguo, do equívoco, da polaridade. Como formular, ou até mesmo formalizar essas operações de báscula que subvertem um teermo em seu contrário, mesmo mantendo-o, sob outros pontos de vista, a distância? Caberia ao mitólogo elaborar, portanto, essa constatação de carência, dirigindo-se aos lingüistas, aos lógicos, aos matemáticos, para que lhe fornecessem a ferramenta que lhe falta: o modelo estrutural de uma lógica que não seria aquela da binaridade, do sim ou não, uma lógica outra que não a lógica do logos.”      

 

Jean-Pierre Vernant. Raison du mythe. In: Mythe et société en Grèce ancienne, 1974, p. 250

 

 

 

    Khôra nos chega, e como o nome. E quando um nome vem, rapidaameente diz mais que o nome, o outro do nome e o outro, simplesmente, do qual anuncia justamente a irrupcão. Esse anúncio ainda não promete, não ameaça mais. Ele não promete nem ameaça ninguém. Permanecendo estrangeiro à pessoa, nomeando somente a iminência, e ainda uma iminência estrangeira ao mito, ao tempo e à história de toda promessa e de todas as ameaças possíveis.

    Sabe-se bem: o que Platão designa sob o nome de khôra parece desafiar, no Timeu, essa <lógica de não-contradição dos filósofos> da qual fala Vernant, essa lógica da <binaridade, do sim ou não>. Talvez ela então dependesse dessa <outra lógica que não é a lógica do logos>. A khôra não é nem <sensível>, nem <inteligível>; ela pertence a um <terceiro gênero> (triton genos, 48e, 52a).

    Sobre ela não se pode nem mesmo dizer que ela não é nem isto, nem aquilo, ou que é ao mesmo tempo isto e aquilo. Não basta lembrar que ela não nomeia nem isto, nem aquilo, ou que diz e isto e aquilo. O embaraço decclarado por Timeu se manifesta de outra forma: algumas vezes a khôra não parece ser isso nem aquilo, outras simultaneamente isso e aquilo. Mas essa alternativa entre a lógica da exclusão e aquela da participação, como veremos mais detalhadameente, talvez deva-se a uma aparência provisória e às coerções da retórica, ou até mesmo a alguma inaptidão em nomear. A khôra parece estrangeira à ordem do <paradigma>, esse modelo intelegível e imutável. Apesar disso, <invisível> e sem forma sensível, ela <participa> do intelegível de forma muito incômoda, na verdade aporética (aporôta, 51b). Ao menos não mentiremos, acrescenta Timeu, ao menos não diremos o falso (ou pseusometha) ao deeclará-lo. A prudência desta fórmula negativa dá o que pensar. Não meentir, não dizer o falso, seria necessariaamente dizer a verdade? E o que significa, em relação a isso, o testemunho?

    Lembremos ainda o seguinte, a título de abordagem preliminar: o discurso sobre o khôra, tal como se apresenta, não procede do logos natural ou legítimo, mas muito mais de um raciocínio híbrido, bastardo (logismô nothô), ou até mesmo corrompido. Ele se anuncia <como um sonho> (52b), o que pode tanto privá-lo de lucidez quanto conferir-lhe um poder de advinhação.

    E por isso tal discurso dependeria do mito? Tem-se acesso ao pensamento da khôra, fiando-se ainda na alternativa logos/mythos? E se esse pensamento fizesse aapelo também a um terceiro gênero dee discurso? E se, talvez como no caso da khôra, esse apelo ao terceiro gênero nada fosse além do tempo de um desvio para assinalar um gênero para além do gênero? Para além das categorias, sobretudo oposições categoriais, que peermitem inicialmente abordá-lo ou dizê-lo?[80]

 

 

 

    O que mais impressiona o homem <moderno>, habituado à teoria e à ciência lingüística de hoje, e para quem a linguagem é exterior ao real, película fina e inconsistente senão convencional, fictícia, <simbólica>, é que nas sociedades primitivas, ou como se costuma dizer <sem história>, <pré-históricas>, a linguagem é uma substância e uma força material. Embora fale, simbolize, comunique, isto é, estabeleça uma distância entre si mesmo (como sujeito) e o exterior (real) para significar num sistema de diferenças (a linguagem), o homem primitivo não reconhece esse ato como um ato de idealização ou de abstração, mas pelo contrário como uma participação no universo que o rodeia.[81]

 

 

 

FIM DO EXCURSO – VOLTANDO À AMAVISSE (1989)

 

O segundo poema do livro Amavisse (1989) nos remete a essa constante ruminação de imagens  presentes na poesia de Hilst, e também à obsessão do tempo. As três estrofes do poema começam com um “como se”,  remetendo-nos ao tempo da potencialidade (o irreal, o possível) que se confronta com o tempo da realidade (o certo, o efetivo).

A esta oscilação temporal (presente em grande número de poemas da autora), Hilst amarra uma intrincada dinâmica metafórica, sugando o leitor para um mundo construído em camadas imagéticas que se chocam e se reconstróem:

 

Como se perdesse, assim te quero.

Como se não te visse (favas douradas

Sob um amarelo) assim te apreendo brusco

Inamovível, e te respiro inteiro

 

Um arco-íris de ar em águas profundas.

           

Como se fosse tudo o mais me permitisses,

A mim me fotografo nuns portões de ferro

Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima

No dissoluto de toda desespedida.

           

Como se te perdesse nos trens, nas estações

Ou contornando um círculo de águas

Removente ave, assim te somo a mim:

De redes e de anseios inundada.[82]

 

Camada por camada, a poeta descasca o sentimento, ao cortar o discurso, mergulhando-nos no fluxo da potencialidade-realidade. Quando interpõe a imagem favas douradas sob um amarelo na passagem de um tempo a outro[83] e de uma negação a uma afirmação do enunciado, a escritora reitera  o gosto pela “espiral do pensamento”, pelo fluxo-refluxo conceitual entre o “real” concreto e o abstrato. Esse poema representa uma síntese estética da poesia amorosa de Hilst. As idas-vindas do olho que lê, que percorre palavra-sentido-metáfora-tempo e vice-versa, nos empurram para o mundo escorregadio dos conceitos grudados ao corpo das palavras que se acumulam.

O que faz grande essa poesia é justamente o fato de ela reverter o contingente numa lírica amorosa que sem cansar volta-se sobre si mesma, mostrando o direito-avesso do sentido sentimento:

 

Ama-me. Embora eu te pareça    

Demasiado intensa. E de aspereza.       

E transitória se tu me repensas.[84]

 

O voltar-se sobre si mesmo, da idéia, configura o racional no texto da poeta. Aparentemente fluido, escorregadio, móvel e impalpável, o texto de Hilst é fruto de um pensar-se até o extremo. A poesia de Hilst parece ser intuitiva. Hipótese reforçada pelas declarações da escritora que sempre afirma que a poesia, para ela, é uma  dádiva divina, que incompreensivelmente germina em sua mente. Mesmo com tudo isso em favor de uma leitura dessa poesia como fruto de “inspiração”, pensamos ser possível uma outra forma de interpretá-la.       

O “pensar”, o perguntar-se o sentido do mundo das aparências, sempre é recoberto com uma sucessão de imagens geradas na camada mais inconsciente da mente humana. O que pode parecer fruto de um “sentir o mundo das sensações” de maneira intuitiva é, muitas vezes (quando a contradição aflora), um exercício do mais alto raciocínio lógico. Racionalidade entendida como o ponto de apoio, o “fio da navalha” que se interpõe entre o pensar e o sentir.       

Para trazer esse diáfano e escorregadio do conceito-idéia à materialidade da palavra, o artista usa a linguagem e a explora além ou aquém de sua lógica. Quando Hilst, por exemplo, subverte a norma (cria palavras, imagens, sintaxes e ritmos únicos em sua língua), faz uma espécie de curto-circuito imagético altamente complexo. Fruto desse pensar-sentir-pensar-se que se amolda, aparentemente desatento, numa linguagem-corpo da palavra, essa poesia transborda de si mesma, buscando tingir-se de outras matérias mais terrenas:          

 

A idéia, Túlio, vai se fazendo rubra  

À medida que vou te refazendo.[85]   

 

Para finalizar, cito um poema de Amavisse, em que a imagem da água, mais uma vez, aparece, retomando-se a idéia do tempo cíclico, e das várias facetas que este elemento pode tomar: matar a sede real e simbólica; o batismo; o correr do tempo metaforizados na água que lava o recém-nascido e também o morto etc, enfim a possibilidade do desregramento de todos os sentidos...

 

XII

 

Águas de grande sombra, água de espinhos:

O Tempo não roerá o verso da minha boca.

Águas manchadas de um torpor de vinhos:

Hei de tragá-las todas. E lúbrico, descontínuo

O TEMPO NÃO VIVERÁ SE TOCAR A MINHA BOCA.

 

 

 

DO DESEJO (1992): DA NEGATIVAÇÃO DO AFETO

Hilda Hilst é sobretudo um artista que se expõe, que não teme a sedução das palavras e cujos versos nos dão sempre a impressão de que se desgarraram das próprias entranhas de quem os escreve. É justamente esse ritual de desassombro que lhes confere uma veracidade e dramaticidade ontológicas difíceis de se encontrar em qualquer outro poeta brasileiro do presente.[86]

 

Ivan Junqueira

 

 

Poética que herda dos místicos e dos eróticos as harmonias intensas, os movimentos que lançam palavras no abismo, Do desejo é movimento, rebelião, sopro, canto, música. E a partitura presente da escritora incorpora sempre a surpresa, faz a leitura ser um ato feroz de sensualidade. (Os poemas) são os atos desse diálogo com o impossível.[87]

 

Celso Araújo

 

 

Alguns autores afirmam que uma das funções do desejo,[88] é produzir o fato do reconhecimento do alheio como um outro desejante que deve me reconhecer. Assim, tem-se um espelhamento que nos dá autonomia, ao mesmo tempo que em nos faz imagem de uma produção, de uma economia libidinal.

Assim se daria a produção dos afetos e também a troca simbólica necessária para que esse afeto se efetue. Produzir o sentimento em si, espelhando-o no outro como um outro-de-mim, ao mesmo tempo apartado e amalgamado, contraditoriamente, a mim, determina um sistema de produção simbólica em que o que nutre a dinâmica do afeto é a idéia da necessidade, da falta vinculada a uma idéia da repetição do preenchimento/esvaziamento dos sentidos.

Só desejamos quando algo nos falta, falta esta que pode ser preenchida pela presença do outro, mas fora daí, o que temos é um eterno retorno do tempo da memória que se dobra sobre si mesma, paradas momentâneas, estações onde os frutos, que acabam com nossa fome, se produzem e apodrecem. Assim é o tempo do desejo, coisa fácil e continuamente renovada, coisa breve e transitória.

Haveria, portanto, uma consciência do desejo, do afeto manifestada pela fome, pelo apetite sexual, que é constitutiva do ser humano vivente, na qual este ser humano é o centro de si mesmo sem que nos esqueçamos que ele se faz (o ser desejante) na ausência de uma presença. Aqui, nesta consciência, o ser humano se liga a seu próprio tempo, a uma consciência espontânea da vida, como um círculo formado pela adaptação do “vivente” a seu meio.

Haveria uma outra consciência como um ato de transcendência e movimento em direção a uma coisa que se põe à distância e que pinta o agradável ou desagradável: este movimento abre o tempo daquilo que ainda não é, o futuro de um contato: uma ausência provisória, além do simples dado de que a imaginação que torna tudo possível – porque o nada disso que ainda não é não pode lhe resistir – acabará por apresentar como preferível ao dado do meio exterior à presença: encararemos/consideraremos, então, não mais adaptarmos o dado a seu desejo.

Potência da alteridade, a consciência é desejo, inadaptação porque insatisfação provada. O sujeito coloca a ausência como infinitamente preferível à presença: isto é o desejo. Como a consciência, o desejo é esta negatividade que desvaloriza o ser aqui, dado, em proveito de uma ausência, de um ser-a-vir; sendo assim, o desejo não é da ordem do ter, porque basta se ter para não se desejar mais o que se tem, mas da ordem da existência, que aspira à plenitude do ser sem jamais  poder alcançá-la porque ela procura na ausência o que não pode ser dado na presença.

Sendo assim, o desejo é a consciência de uma pobreza, de uma ausência sentida como privação de uma plenitude, esta é a miséria da existência humana que se manifesta a qualquer um. O desejo é também a inquietude de uma existência incompleta que espera, sem cessar, escapar à sua condição, buscando uma satisfação completa e durável, um bem-estar impossível, que sempre será futuro.

Por isso, o desejo é o motor, motivo, produtor de uma realização do que foi antecipado: neste sentido, o desejo jamais tem falta de seu objeto, ele o coloca sempre como um projeto e produzindo-o ele cria a vida esquecendo o peso/incômodo do passado. 

O trânsito entre essas duas consciências descritas – como apetite sexual/fome, como um ato de transcendência – é o que Hilda Hilst descreve nos dois ciclos de poemas, “Do desejo” e “Da noite”, do livro Do desejo (1992).  Este trânsito já é antevisto na epígrafe do livro, na qual a escritora nos dá um breve instantâneo do roteiro que seguiremos com a leitura dos poemas:

 

Quem és? Perguntei ao desejo.

Respondeu: lava, Depois pó. Depois Nada.[89]

 

Em Do desejo, composto por duas partes intuladas “Da noite” e “Do desejo”, o que se encontra é o itinerário da busca de conhecer corpo e alma; a possibilidade de concretização do desejo e a impossibilidade de suprimir a pulsão da alma, que quer alçar outros vôos, rumo ao que não se pode nomear, como se lê na epígrafe do livro: “Quem és? Perguntei ao desejo. / Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.” (Do desejo; p. 7)

O que permeia os poemas de Do desejo é a tensão da busca do desejo inconsciente e da impossibilidade de sua nomeação com palavras. Inania verba O que encontramos, nestes poemas, é o itinerário da experimentação temporal e intemporal do desejo e a dupla face desta experimentação. O prolongamento do instante que tende a se tornar imensurável, devido à intensidade da experiência do desejo. Concomitantemente há a consciência de que acima do desejo paira o Tempo, última instância de toda experimentação humana, que só pode ser suplantado por meio da consciência de que há algo a mais que o corpo, a alma.

Neste sentido é que encontramos, nos poemas, momentos de tentativa de afirmação de que o desejo pode transcender o Tempo (no sentido de que por sua intensidade pode nos das a ilusão de prolongar o instante ao infinito); ao mesmo tempo há a consciência da perecibilidade do objeto que possibilita o desejo. Esse movimento descrito pode ser sentido nos dois trechos que se seguem:

 

Se eu disse que o desejo é Eternidade

Porque o instante arde interminável

Deverias crer? E se não for verdade

Tantos o disseram que talvez possa ser.

(Do desejo; p. 12)

 

O que tu pensas gozo é tão finito

E o que tu pensas amor é muito mais.

Como cobrir-te de pássaros e plumas

E ao mesmo tempo te dizer adeus

Porque imperfeito és carne e perecível...

(Do desejo; p. 22)

 

O que se percebe é que o objeto do desejo (o que possibilita sua materialidade) está aquém das possibilidades de compreensão do próprio desejo enquanto idéia imaterial.

A comunhão com o desejo do corpo é uma das formas mais diretas de compreensão do desejo, é apenas a materialização do que está em nossa mente, e que nunca alcançaremos em sua pureza de estado se não estivermos abertos para outras experimentações mais profundas:

 

Para pensar o Outro, eu deliro e versejo.

Pensá-Lo é gozo. Então não sabes? INCORPÓREO É O DESEJO.

(Do desejo; p. 18)

 

É essa a contradição vivida pelo ser humano: o contato com o mundo, com a consciência do corpo, lhe é fundamental, mas pode ser também ilusório no sentido de lhe dar a falsa idéia de que é a única forma de realização de seus sentimentos.

Para fugir desta ilusão, que muitas vezes atormenta o homem, é que ele deve tomar consciência de que o objeto do desejo em si é, então, quando visto e sentido ao alcance das mãos, nada mais do que uma clara subtração da possibilidade de uma experiência mais intensa e densa do próprio desejo enquanto desgarrado das amarras da matéria. Por isso é que a poeta escreve:

 

Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.

Que desenhos e rictus na tua cara

Como os frisos veementes dos tapetes antigos.

Que sombrio te tornas se repito

O sinuoso caminho que persigo: um desejo

Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.

(Do desejo; p. 10)

 

Esse estar “aquém” da possibilidade de compreensão do próprio desejo ressoa no uso intenso de palavras que tendem à indeterminação (os pronomes e artigos indefinidos, os artigos, os demonstrativos etc.) e da própria indefinição do que venha a ser o desejo:

 

Desejo é Outro. Voragem que me habita. (Do desejo; p. 16)

 

Os poemas são uma espécie de itinerário, de rito de passagem do que poderíamos chamar de um contato mais direto com a materialidade do desejo (a consciência do corpo, a existência do objeto desejado, o contato físico com este objeto) para a abstração do desejo, a busca do entendimento de sua forma imaterial, para a sua libertação das amarras do objeto que lhe possibilita uma existência mais palpável:

 

O que tu pensas gozo é tão finito

E o que tu pensas amor é muito mais...

E o que eu desejo é luz e imaterial.

(Do desejo; p. 22)

 

Neste ponto, precisamente, em que a consciência da poeta é levada às suas máximas conseqüências, ao paroxismo, é que as palavras para nomear o intenso sentimento do desejo lhe fogem. É também o momento em que mesmo a nomeação do que mais superficialmente, materialmente poderia constituir a experiência do desejo se torna impossível.

Deste modo, finda-se um possível ciclo da experimentação do desejo, com a volta ao corpo, possibilitador da materialidade do sentimento antevisto, como um espelhamento da alma, incompreensível, na sua própria constituição orgânica:

 

Ossos. Carne. Dois Issos sem nome. (Do desejo; p. 26)

 


PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO EXCESSO: DINÂMICA SIMBÓLICA I

CANTARES DO SEM NOME E DE PARTIDAS (1995): DOS AFETOS AO EXCESSO

 

 

Marcados por uma tensão, gerada pela busca do entendimento, que prescreve o caráter de movência conceitual do poema, na economia do excesso, três são os livros que proliferam e aprofundam as questões levantadas nos livros que pertencem à economia dos afetos e à economia estética do terror/medo: Cantares do sem nome e de partidas (1995) – dinâmica simbólica I : dos afetos ao excesso; Alcoólicas (1990) - Dinâmica simbólica II : morte - do terror/medo ao excesso; Sobre a tua grande face (1986) - Dinâmica simbólica III : Deus - do terror/ medo ao excesso.

Nestes livros, o caráter teatral e metalingüístico da poesia hilstiana é potencializado, fazendo vir à tona uma tensão representacional que progressivamente empurra a linguagem para a suspensão das sínteses imagéticas, por meio de uma super-representação do “real”. Ora, este impasse se dá porque há um pensar que se volta sobre si mesmo, apresentando seu próprio movimento contraditório, duvidoso, sinuoso, que por um caminho mais longo nos devolve um real poético opaco, mais afeito às metamorfoses do real.

Neste momento, portanto, farei uma análise mais detida dos poemas de Sobre a tua grande face (1986) e Alcoólicas (1990), que se ocupam das figurações de deus e da vida/morte. Estes livros participam de uma busca de refazer os caminhos de nomeação do real, por meio da paradoxal desconstrução metafórica desse mesmo real. O texto poético torna-se um resto, resíduo de si mesmo,  do que foi sua produção simbólica, impossibilitando a fixação duradoura de sínteses imagético-conceituais. Esses livros compõem uma espécie de culto ao transbordamento dos sentidos. Essa multiplicação simbólico-metafórica, esse acúmulo de palavras raras, os versos longos, o ritmo entrecortado e às vezes afoito, tudo nesses três livros contribui para o “desregramento dos sentidos” de que nos fala Rimbaud.

A economia do excesso, em última instância, é uma radicalização ou potencialização dos recursos estilísticos utilizados por Hilst nas duas outras economias estéticas QUAIS???. Aqui, a escritora une, num só passo, os afetos e o terror/medo; a reflexão sobre o amor/paixão/desejo e a morte/divindade. Opera-se, contudo, um transporte cada vez mais intenso da “nomeação” primeira (como se pode perceber no Da morte. Odes mínimas) para uma proliferação/ aproximações/cerceamento do que se nomeia, por isto o nome desdobra-se em nomes potenciais sempre à deriva do objeto que pretendem conceitualizar. Esta proliferação primeira dos nomes poderá ser sentida no processo de significação geral dos poemas; assim, chega-se ao excesso, a isto que eu nomearia como o aparecimento de “traços barrocos” na poesia hilstiana.

Se nos livros das economias dos afetos e do terror/medo, a escritora colocava lado a lado imagens díspares, contrastantes, e numa estrutura de corte/montagem as unia; aqui, o que encontraremos é uma vertiginosa avalanche conceitual que (pelos versos longos – pelo ritmo sinuoso – pela intensa metaforização) gera a disjunção simbólico-imagética. Ou seja, a união da várias imagens privilegia muito mais o contraste, o entrechoque entre o positivo e o negativo, a sombra do que propriamente a lógica de um sentido/significado que se assenta.

Farei uma leitura de dois livros curtos - Sobre a tua grande face (1986) e Alcoólicas (1989 ) – levantando os aspectos mais relevantes em cada um deles. Sabemos, no entanto, que muita coisa ficará de fora, porque estes livros são tão densos que poderiam ser entendidos quase como uma síntese estética de tudo o que Hilst escreveu de poesia.

Estes livros apontam para um “fora do sentido”, para um momento da representação em que a linguagem não dá mais conta de descrever os sentidos. Empurrados para este limite, os poemas não poderiam deixar de beirar o excesso, a excrescência, o exagero, o desperdício.  Por isso são um pouco construção, um pouco ruína significativa; e destes restos, do que transborda, muitas vezes, é que Hilst quer fazer sua poesia, estilhaçando sua própria medida, como a poeta escreve em Alcoólicas.

Nestes livros, o que Hilst faz é elevar as experiências-limite (dos afetos / terror) para o plano do insabido, do incognoscível. Essa paixão (sofrimento) ambígua a partir da qual a poeta passa a encarar temas mais dificultosos ainda, como a morte, a vida, a relação (VER ALCIR) metafísica e amorosa , Deus etc.

Nestes livros uma dinâmica simbólica que opera por meio de frases poéticas nas quais Hilst desdobra, desfolha os temas (amor, morte, deus). A partir desta operação de aprofundamento e verticalização dos temas, temos uma linguagem poética que brota de um centro conceitual simbólico movente. Isto se pode sentir tanto pela semântica do texto, como pela quebra rítmica que nos faz dar pausas na leitura, para poder perceber a respiração, o ritmo do texto.

Aqui, Hilst insere seu texto poético numa alta tensão, aquilo que ela chamou “volúpia com a língua”. Ao mesmo tempo em que cria um texto encantatório, musical, marcado pela paixão da palavra, a poeta insere nele a linguagem estranha/as palavras rara, as expressões pouco usadas na língua. Da mesma forma, temos outras tensões que percorrem o texto poético de Hilst, embora o tom dos poemas seja elevado, quando a poeta se pergunta sobre o tempo,  aí é que se inicia não só o “obscurecimento” do texto, sua opacidade, mas justamente aí é que se inicia a possibilidade de pensarmos numa metafísica que começa justamente pela mistura, pelo amálgama dos opostos. Assim é que ela insere seu dizer poético na tensão entre o sagrado e o profano, a eternidade e o instante.

Esta tensão de uma metafísica que une, se inicia com o pensar justamente o material “impuro” de que somos feitos, quando ela canta nos versos nossas estranhas, nossos ossos, nossa carne; esta tensão espelha justamente essa outra tensão lingüística, acima citada, que faz com que o  texto poético hilstiano se faça enquanto coisa instável e movente.

Por fim, esta movência do texto poético espelha, se reduplica numa imagem que nos dá uma “grande angular” da cena conceitual. Imagem que provém do interrogar-se sobre as passagens, sobre o trânsito do tempo em nosso corpo, tempo que passa, se prolonga e sempre volta. Assim se completa o círculo da figuração experiência da morte como o aprender a viver a ausência, e deste modo, apreender e perceber, perplexos, a morte em nós.

 

VOLÚPIA COM A LÍNGUA E OPACIDADE REFERENCIAL

 

 

Tenho vontade do barroco, uma volúpia com a língua.[90]

 

Dá-me a via do excesso. O estupor.

Amputado de gestos, dá-me a eloqüência do Nada

Os ossos cintilando

Na orvalhada friez do teu deserto.[91]

 

Hilda Hilst

 

 

Em Sobre a tua grande face (1986) e Alcoólicas (1990) e Cantares do sem nome e de partidas (1995), Hilst opera uma radicalização ainda maior em sua linguagem poética. Esses livros são mínimos, contém 10, 9 e 10 poemas. Neles, a escritora alcança uma paradoxal síntese poética a partir de uma proliferação rítmica e imagética sem precedentes em sua obra. Empreende, dessa forma, uma última lapidação dos contornos de sua linguagem poética.

Nessa primeira dinâmica simbólica, “dos afetos ao excesso”, farei uma leitura de Cantares do sem nome e de partidas (1995), último livro de poesia publicado por Hilst. Nesse livro, as grandes reflexões da obra da escritora se unem no transbordamento e no excesso simbólico e conceitual.

Nos poemas, fala-se da nostalgia do amor sonhado, da potência desse recordar como ato criador de um real poético em que realidade e sonho se mesclam para dar conta da representação das perdas, das partidas e da dissolvência da consciência do sujeito na intensidade do instante.

Em termos de derivações e espelhamentos simbólicos, os poemas de Cantares do sem nome e de partidas reatualizam e expandem, sem o problema do sofrimento e do desespero, o que a poeta escreveu no poema XLIII de Cantares de perda e predileção:

 

Para a tua dura saudade.

Que tempestade de sede           

Nos areais da procura

Quando saíres à caça

De quem te amou. De mim.

 

À caça do NUNCA MAIS.[92]

 

CANTARES DO SEM NOME E DE PARTIDAS (1995)

 

Neste momento, tentarei verificar, a partir da análise dos poemas de Cantares do sem nome e de partidas como se dá o trânsito entre a clareza e a opacidade referencial, detendo-me nos aspectos temáticos e estilísticos recorrentes nos poemas.

Hilda Hilst cria, nesse trânsito, uma poética que não suporta a síntese, ou cuja síntese passa a se fazer num terreno movediço, num espaço da movência conceitual, termo que emprego para designar este lugar discursivo no qual o próprio discurso volta-se sobre si mesmo, relativizando-se.

A consciência da representação, o viés metalingüístico da poesia hilstiana, marca o lugar de onde a poeta fala, o lugar da metamorfose, da teatralidade do fazer artístico. Uma metalinguagem que tende não à síntese, à formulação de um quadro estável do que venha a ser isso do real poético; mas que prescreve a validade, a veracidade e a potencialidade deste real poético frente ao próprio real.

Cantares do sem nome e de partidas é composto por dez poemas, estruturados a partir de uma técnica próxima do leixa-pren: a poeta retoma, no primeiro verso de cada poema, o último verso do poema anterior. Esta repetição pode se dar não com a retomada literal de palavras, mas com a retomada de um mesmo núcleo semântico.

O décimo poema do livro reenvia ao primeiro, a partir da retomada de um mesmo núcleo semântico (cegar-seguir), refazendo, assim, toda a arquitetura significativa assentada depois de terminada a leitura dos  poemas. Aí, ao que parece, por esta retomada que prolifera sentidos, distende-se a tensão imagética até a opacidade referencial, até a volúpia com a língua.

O quadro geral onde os poemas se desenvolvem é uma cena dramática de falta e ausência: despedida, perda e saudade; sentimentos estes metaforizados pela fluência da água, pelo transbordamento da consciência do sujeito em se pensando enquanto matéria movente de sentimentos.

Assistimos, nestes quadros moventes, a uma cena dramática em que a poeta, em vez de criar um personagem no qual projeta a representação do que seria o sentimento do amor, transforma-se a si “mesma na coisa amada” (Camões), funde-se e desagrega, desentranha de si ao mesmo tempo o sentimento do amor e suas figurações em palavras: lembremos que a voz lírica que fala nestes poemas é uma “aldeã de conceitos”.

Aqui, a grande tensão aporética se dá entre entre a personalização e a despersonalização, que é uma das marcas do caráter dramático dos poemas, progredindo e instalando um confronto entre a subjetividade poética e seu próprio sentimento convertido em ator que atua na cena dramática.

Aí, quando se sustenta esta tensão, que nos remete a um doloroso processo do amar e à fragmentação do eu, é como se lêssemos, nas entrelinhas dos poemas de Hilda Hilst, as palavras de Soror Mariana Alcoforado: “Não entendo quem sou, nem o que digo, nem o que quero; despedaçam-me mil sentimentos que em mim se contradizem.”[93]

 

I

Que este amor não me cegue nem me siga.

E de mim mesma nunca se aperceba.

Que me exclua do estar sendo perseguida

E do tormento

De só por ele me saber estar sendo.

Que o olhar não se perca nas tulipas

Pois formas tão perfeitas de beleza

Vêm do fulgor das trevas.

E o meu Senhor habita o rutilante escuro

De um suposto de heras em alto muro.

 

Que este amor só me faça descontente

E farta de fadigas. E de fragilidades tantas

Eu me faça pequena. E diminuta e tenra

Como só soem ser aranhas e formigas.

 

Que este amor só me veja de partida.

 

O começo do poema pode ser lido como um desejo expresso, que dá resposta/ou pede algo que é como se fosse uma continuação de uma conversa. Remete-se, assim, a um início anterior ao início. O pronome demonstrativo inicial, entendido como um dêitico ou anafórico, remete a algo que já foi dito. Ele nos remete a um início anterior ao início.

A cena geral do poema remete à metáfora da conquista amorosa parente do jogo do acasalamento animal, a perseguição; e ao mesmo tempo à cegueira que a intensidade do sentimento pode causar no ser humano. ‘Estar cego de amor’ é uma metáfora recorrente na literatura: “Tudo provém da cegueira com que te amei.”[94]

No poema, o ser que ama é descrito enquanto presa do amor; porque aquele que está amando pode, em alguns momentos, se “anular” enquanto ser que vislumbra o mundo conscientemente. A visão, aqui, remete à possibilidade de se estar em posse da consciência e não se enganar com a beleza efêmera das coisas. A cada verso, a poeta vai amarrando imagens numa intrincada dinâmica metafórica em cujo excesso e excrescência vemos surgir o ‘fora do sentido’, como se pode notar nos cinco últimos versos da primeira estrofe.

O poema se constrói sob o signo do acúmulo, da circularidade - desde a estrutura repetitiva (o que inicia cinco versos) sintática e semântica – e da especularidade. Assim, se constrói um quadro mental em que se formam imagens paradoxais que se sucedem num ritmo vertiginoso.

Senhor, no décimo verso, é marca de uma ambigüidade, que remete ao último poema. Senhor, pode ser tanto o ser amado (no sentido de ‘possuidor’) como também o próprio Deus, que seria aquele que ‘inventou’, ‘criou’ o amor.

 

II

E só me veja

 

No não merecimento das conquistas.

De pé. Nas plataformas, nas escadas

Ou através de umas janelas baças:

Uma mulher no trem: perfil desabitado de carícias.

E só me veja no não merecimento e interdita:

Papéis, valises, tomos, sobretudos

 

Eu-alguém travestida de luto. (E um olhar

de púrpura e desgosto, vendo através de mim

navios e dorsos).

 

Dorsos de luz de águas mais profundas. Peixes.

Mas sobre mim, intensas, ilhargas juvenis

Machucadas de gozo.

 

E que jamais perceba o rocio da chama:

Este molhado fulgor sobre o meu rosto.

 

Primeira estrutura homóloga ao leixa-pren. O verso “Que este amor só me veja de partida” tem sua continuação em “E só me veja”. Uma possível interpretação, seria que a partida, metaforicamente, é sempre um novo começo.

Aqui, começam a se formar os elos da cadeia conceitual que nos permitirão pensar os dez poemas como um único poema. Ao “continuar” o assunto, a poeta reenvia às significações presentes no poema anterior, e ao mesmo tempo as completa, adiciona dados novos, que ressignificam o primeiro poema. A visão é de novo um sentido privilegiado. A cena dramática se compõe de modo mais nítido e estranhamente avesso: é um outro-eu (o eu que ama) que se vê em uma cena digna de compaixão. O pedido, reiterado ao longo do poema, é que o amor só veja o “eu” de partida.

Aqui a cena é mais “visível”, mais descritiva, mas a tensão entre o concreto e o abstrato, presente em todos poemas, também se configura. Embora no início deste poema tenhamos uma cena quase cinematográfica, o acúmulo das imagens, numa espécie de montagem em paralelo, que se sobrepõem (de um modo bastante simples, pelo uso dos sinais gráficos) gera uma certa confusão visual.

O desenrolar do poema segue a estrutura da coisa dentro da coisa, mise en abîme, que no presente caso gera um deslocamento do foco da cena. Ora estamos mais próximos, ora mais recuados. Aqui, o eu “outra-se”. Cito um trecho:

 

Eu-alguém travestida de luto. (E um olhar

De púrpura e desgosto, vendo através de mim

Navios e dorsos).

 

 

III

Isso de mim que anseia despedida

(Para perpetuar o que está sendo)

Não tem nome de amor. Nem é celeste

Ou terreno. Isso de mim é marulhoso

E tenro. Dançarino também. Isso de mim

É novo: Como quem come o que nada contém.

A impossível oquidão de um ovo.

Como se um tigre

Reversivo,

Veemente de seu avesso

Cantasse mansamente.

 

Não tem nome de amor. Nem se parece a mim.

Como pode ser isto? Ser tenro, marulhoso

Dançarino e novo, ter nome de ninguém

E preferir ausência e desconforto

Para guardar no eterno o coração do outro.

 

Primeiro flash: “este amor” do primeiro poema aqui converte-se em “isso de mim”. Aqui, temos o trânsito para o pronome demonstrativo neutro.

Segundo flash:  o “está sendo” reenvia-nos ao primeiro poema, no qual “estar sendo” aparece num quiasmo entre o terceiro e o quinto versos.

Todo o poema se constrói sob o signo da sinuosidade, desde o eixo semântico (marulhoso, dançarino) até o eixo sintático e rítmico.

No presente poema, há um primeiro movimento afirmativo de presentificação, de intensificação do desejo de perpetuar o instante por meio da despedida; e um segundo movimento que desfaz esta imagem primeira que é construída nos dois versos, “isso de mim” (...) “não tem nome de amor”. Assim, temos descrito um dos processos usados por Hilda Hilst para arruinar um possível assentamento significativo na cadeia discursivo-conceitual. Neste caso, no fim da cadeia discursiva é o que nos sobra é a negação da possibilidade de se perpetuar, de fixar algo com o nome de amor.     

Aqui, a retomada (leixa-pren) é feita por uma homologia semântica: perda/despedida; sem falar, é claro, que a “despedida amorosa” continua sendo a principal personagem em cena. Com a diferença fundamental de que este amor não é mais uma visão exterior que observa o “eu”. Agora o amor é descrito como um atributo indeterminável instalado no “eu”: “Isso de mim que anseia”. Ora, estamos falando da impossibilidade de definição do amor, de seu caráter paradoxal, porque a saudade e a ausência o potencializam.

A última estrofe usa a estrutura do recolho, presente na poesia barroca. O primeiro verso desta estrofe, “Não tem nome de amor. Nem se parece a mim”, reitera as negações já feitas, ao mesmo tempo em que redistribui semanticamente a idéia de uma possível “imagem” do amor vinculada a um ser.         

Embora se possa ler, no início, o poema entendendo-se que o amor é coisa “dentro” do eu, esta coisa lhe é estranha, indecifrável, indefinível, e não pode ser confundida com o sujeito, nem com o ser que nos possibilita amar.

 

IV

E por que, também não doloso e penitente?

Dolo pode ser punhal. E astúcia, logro.

E isso sem nome, o despedir-se sempre

Tem muito de sedução, armadilhas, minúcias

Isso sem nome fere e faz feridas.

Penitente e algoz:

Como se só na morte abraçasses a vida.

 

É pomposo e pungente. Com ares de santidade

Odores de cortesã, pode ser carmelita

Ou Catarina, ser menina ou malsã.

 

Penitente e doloso

Pode ser o sumo de um instante.

Pode ser tu-outro pretendido, teu adeus, tua sorte.

Fêmea-rapaz, ISSO sem nome pode ser um todo

Que só se ajusta ao Nunca. Ao Nunca Mais.

 

Três recursos estilísticos reenviam ao poema anterior: as interrogações, a mesma estrutura de recolho já apontada, e o aparecimento do “isso de mim”.

Por fim, a “despedida” entra novamente em cena. Agora, não mais como um atributo interior ao sujeito, “Isso de mim que anseia despedida”, mas, contrariamente ao que aparece no poema anterior, a despedida cai no tempo, por assim dizer, num verso que que reescreve, reinterpreta, ressignifica a idéia anterior.

Agora temos: “E isso sem nome, o despedir-se sempre”. Não só se apaga o sujeito discursivo como temporaliza o inominável do amor, o verbo reiterado no advérbio espelha o pronome indefinido reiterado no “sem nome”. Esta estrutura sintático-semântica potencializa não só a queda no tempo de que falamos, o eterno retorno da ruína significativa; esta estrutura potencializa também um caminho rumo ao indeterminado, rumo ao “fora do sentido”.

Há um sentido irônico nisto tudo que está sendo descrito, que pode permanecer subterrâneo, inaparente numa leitura menos atenta do poema. Os primeiros versos nada mais são do que uma pergunta retórica que é respondida com o próprio significado dicionarizado das palavras. Palavras em sua conformação estabelecida. Apenas isso. E o poema reiterará estas mesmas palavras.

Mas é como se um outro texto corresse paralelo, verticalizando a escrita, metaforizando os significados que sempre se excedem. Palavras descem em cascata no texto: isso sem nome, tu-outro, fêmea-rapaz, ISSO, Nunca, Nunca Mais.

Aqui, neste trânsito, o afogamento definitivo do sentido, ou a impossibilidade de que os sentidos possam se decantar. A agregação pelo hífen, a desagregação ruinosa pelas maiúsculas alegorizantes, até a potencialização expressiva máxima de um significado indeterminado: a palavra toda em letras maiúsculas (ISSO).

 

 

 

V

O Nunca Mais não é verdade.

Há ilusões e assomos, há repentes

De perpetuar a Duração.

O Nunca Mais é só meia-verdade:

Como se visses a ave entre a folhagem

E ao mesmo tempo não

(E antevisses

Contentamento e morte na paisagem).

 

O Nunca Mais é de planícies e fendas.

É de abismos e arroios.

É de perpetuidade no que pensas efêmero

E breve e pequenino

No que sentes eterno.

 

Nem é corvo ou poema o Nunca Mais.

 

Formalmente, este poema é uma derivação e desdobramento do poema anterior. Nele, e no poema seguinte, a poeta empurra cada vez mais o sentido para um limite, para um beco sem saída discursivo-conceitual.

No fim do poema anterior, lemos que “(...) ISSO sem nome pode ser um todo / Que só se ajusta ao Nunca. Ao Nunca Mais.” Aqui, embora tenhamos a dúvida, gerada pelo uso do modalizador (pode ser), esperamos, de algum modo, que finalmente haja uma definição que se complete, que perdure no tempo.

Mas, no presente poema, o Nunca Mais é definido por negatividades e contradições: “O Nunca Mais não é verdade (...) / O Nunca Mais é só meia-verdade (...) O Nunca Mais é de planícies e fendas./ É de abismos e arroios.(...) Nem é corvo ou poema o Nunca Mais.” Sendo assim, tautologicamente, o “Isso sem nome” se ajusta ao “indefinível”.

O verso final é uma alusão paródica ao jogo de palavras que Edgar Allan Poe faz, em seu famoso poema “O corvo”: never more (nunca mais) e raven (corvo).[95] A diferença é que no poema de Hilst, o Nunca Mais, alegoricamente, se personifica. 

 

VI

Tem nome veemente. O Nunca Mais tem fome.

De formosura, desgosto, ri

E chora. Um tigre passeia o Nunca Mais

Sobre as paredes do gozo. Um tigre te persegue.

E perseguido és novo, devastado e outro.

Pensas comicidade no que é breve: paixão?

Há de se diluir. Molhaduras, lençóis

E de fartar-se,

O nojo. Mas não. Atado à tua própria envoltura

Manchado de quimeras, passeias teu costado.

 

O Nunca Mais é a fera.

 

O tigre, numa estrutura de espelhamento, aparece no terceiro e neste sexto poema. Antes, lia-se:

 

Isso de mim  / É novo: (...)

Como se um tigre

Reversivo,

Veemente de seu avesso

Cantasse mansamente.

    

            Agora, lê-se:

 

Tem nome veemente. O Nunca Mais tem fome.

De formosura, desgosto, ri

E chora. Um tigre passeia o Nunca Mais

Sobre as paredes do gozo. Um tigre te persegue.

E perseguido és novo, devastado e outro.

 

Os versos foram transcritos, para que se pudesse perceber como os poemas (que num primeiro impacto de leitura nos parecem livres do controle racional) formam uma intricada rede discursiva, absolutamente perfeita quanto a seu funcionamento, que gera a proliferação de sentidos.

Neste poema, a poeta aprofunda ainda mais a passagem do dizível para o não-dizível. Se antes, o indefinível sentimento (isso de mim) se metamorfoseia num tigre que canta (o insólito emergindo no texto), agora a abstração e o insólito é que vêm à cena como imagem do irremediável poder devastador do sentimento.

A fome é metáfora gasta para se falar do amor, da paixão, mas quando se sabe que aquele que a tem é o Nunca Mais personificado, o topos primeiro é rebatizado e reinscrito na cena lírica. Os dois últimos versos citados reenviam ao primeiro e ao último poema: assim se tece um texto.

 

 

VII

 

Rios de rumor: meu peito te dizendo adeus.

Aldeia é o que sou. Aldeã de conceitos

Porque me fiz tanto de ressentimentos

Que o melhor é partir. E te mandar escritos.

Rios de rumor no peito: que te viram subir

A colina de alfafas, sem éguas e sem cabras

Mas com a mulher, aquela,

Que sempre diante dela me soube tão pequena.

Sabenças? Esqueci-as. Livros? Perdi-os.

Perdi-me tanto em ti

Que quando estou contigo não sou vista

E quando estás comigo vêem aquela.

 

Este poema pode ser entendido como o centro figurativo-conceitual de todo o ciclo. Nele, há a descrição mais clara de uma possível “estória” de uma relação amorosa desfeita, por meio de uma cena precisa e bucólica. Este caráter pastoril é descontruído quando a poeta se auto-denomina “aldeã de conceitos”, pois assim tem-se uma figuração da cena dentro da própria cena.

“Rios de rumor: meu peito te dizendo adeus”. Este verso inicial do poema ecoa no “Rios de rumor no peito: que te viram subir / A colina (...)”, metaforizando como o rumor exterior se interioriza no sujeito. Se antes era o peito quem dizia adeus, agora este mesmo peito (que pode ser entendido como centro semântico da vida – o seio materno que alimenta, que dá o leite) e do sentimento (o seio que possibilita o prazer, o gozo; o coração pulsando).

A metáfora da água corrente, ligada ao rumor (som confuso, sussurro de vozes simultâneas), remete ao descontrole do sujeito causado pelo intenso murmúrio de vozes que o cercam, vozes estas que não se sabe se são reais (exteriores ao sujeito) ou imaginadas (os sentimentos contraditórios que ecoam dentro do sujeito).

A ambigüidade começa a se configurar já no segundo verso do poema: “Aldeia é o que sou. Aldeã de conceitos / Porque me fiz tanto de ressentimentos / que o melhor é partir. E te mandar escritos.” Num primeiro momento, temos a expansão metonímica do sujeito, em seguida sua regressão metafórica que se explica pelo fato dos ressentimentos gerarem a tentativa de compreensão, de racionalização da experiência. O sujeito considera a perda sob a ótica da partida, da impossibilidade de verbalizar, de pronunciar alguma palavra. Assim, se gera a quebra, pela cisão do sujeito e de seu próprio sentimento.    

A questão do espelhamento, do duplo, aparece no sentido de se descentrar pela intensidade do sentimento, de ver-se ou saber-se o inteiramente outro como um objeto estranho incrustado no próprio sujeito. Esta questão aparece pelo uso intenso de palavras que contêm sons similares ou idênticos, desaguando no eco: aquela, dela, aquela.

Esse poema reenvia ao segundo poema, tanto pela questão do desdobramento do eu, quanto pela disposição anímica deste eu que vê nos signos do conhecimento (escritos, sabenças, livros neste poema atualizam papéis, valises, tomos do segundo poema), no esquecimento dos signos da razão.

 

VIII

 

Aquela que não te pertence por mais queira

(Porque ser pertencente

É entregar a alma a uma Cara, a de áspide

Escura e clara, negra e transparente), Ai!

Saber-se pertencente é ter mais nada.

É ter tudo também.

É como ter o rio, aquele que deságua

Nas infinitas águas de um sem-fim de ninguéns.

Aquela que não te pertence não tem corpo.

Porque corpo é um conceito suposto de matéria

E finito. E aquela é luz. E etérea.

 

Pertencente é não ter rosto. É ser amante

De um Outro que nem nome tem. Não é Deus nem Satã.

Não tem ilharga ou osso. Fende sem ofender.

É vida e ferida ao mesmo tempo, “ESSE

Que bem me sabe inteira pertencida.

 

A estrutura do leixa-pren está presente pela repetição sintática do pronome demonstrativo “aquela”. No entanto, o leitor lê agora com os olhos tomados pela ambigüidade. Quem é este “aquela”? O eu vendo-se enquanto ser que ama? Ou o eu recuado deste mesmo sentimento, deste outro-eu? Ou este Eu-alguém travestida de luto (que aparece no segundo poema)?

 Mais do que de uma duplicação e de uma ambigüidade, falo de um parodoxo expresso pelo contraditório: o processo de perda, de luto, só se realiza como desbaste do sujeito de sua própria individualidade; enquanto descentramento ou trânsito para uma espécie de indeterminação ou neutralidade discursiva que se encontra na forma “eu-alguém”. O “eu” é uma marca discursiva zerada (o “eu” só se atualiza preenche no discurso); o “alguém” é qualquer um e ninguém ao mesmo tempo.

Estou falando não só da perda concreta do objeto do amor, nem do luto abstrato gerado pela impossibilidade de manter a intensidade do sentimento, mas da perda do si mesmo no outro (o objeto do amor), de um paradoxo compresso, um oxímoro: a perda de si mesmo causada pela perda do outro.

Aí, uma estrutura circular, volutas barrocas a rematarem o edifício conceitual que expressa a nostalgia do “ter (uma dia) amado” (amavisse), de que nos fala Jankélévitch, que esgarça o tecido textual, Ariadne desfazendo os fios:

 

E só me veja no não merecimento e interdita:

Papéis, valises, tomos, sobretudos

 

Eu-alguém travestida de luto. (E um olhar

de púrpura e desgosto, vendo através de mim

navios e dorsos).

 

Lê-se no segundo poema. E os seguintes versos, no sétimo poema:

 

Perdi-me tanto em ti

Que quando estou contigo não sou vista

E quando estás comigo vêem aquela.

 

O poema pode ser lido como continuação do anterior. Há aqui o que a psicanálise chama duração subjetiva do luto, ou o sentimento oceânico[96] A estrutura conceitual do poema é feita pela negatividade, inclusive do que nos é mais palpável e visível: corpo é um conceito suposto de matéria (...)

Fala essa, que é um desdobramento dos questionamentos sobre a nomeação daquilo que nos possibilita o afeto, já presente em Do desejo (1992), onde se lê: “Ossos. Carne. Dois Issos sem nome.”

 

IX

 

Ilharga, osso, algumas vezes é tudo o que se tem.

Pensas de carne a ilha, e majestoso o osso.

E pensas maravilha quando pensas anca

Quando pensas virilha pensas gozo.

Mas tudo mais falece quando pensas tardança

E te despedes.

E quando pensas breve

Teu balbucio trêmulo, teu texto-desengano

Que te espia, e espia o pouco tempo te rondando a ilha.

E quando pensas VIDA QUE ESMORECE. E retomas

Luta, ascese, e as mós do tempo vão triturando

Tua esmaltada garganta... Mas assim mesmo

Canta! Ainda que se desfaçam ilhargas, trilhas...

Canta o começo e o fim. Como se fosse verdade

A esperança.

 

Este é um poema em que a negatividade sai de cena, para dar lugar à descrição de uma cena amorosa propriamente dita. Embora se tenha a consciência subjacente de que o gozo, o prazer é coisa momentânea no corpo, é intensidade diluída no tempo, e que o corpo continua sendo um “conceito suposto de matéria”, o que se tem é a retomada do sentido da poesia como lamento. Como canto que seja tão intenso e mavioso que possa reter, pela beleza da palavra-canto, a intensidade do sentimento, espelhando-a na linguagem.

A brevidade da vida, a efemeridade do corpo, não são colocados como impossibilitadores do carpe diem, o aproveitar o dia. O gozo remete à vida que desfalece, o pensar a extremada matéria, a dissolução desta coisa breve que é a vida, mas tudo isso visto sob a ótica da positividade. Quando pensamos aquilo que se dissemina ou se dilui em nós ao ganhar o tempo, mesmo que nos venha apenas um “balbucio trêmulo” presente num “texto-desengano”, ainda assim é preciso que nos resignemos e continuemos a acreditar na possibilidade de um novo recomeço:

 

Canta o começo e o fim. Como se fosse verdade

A esperança.

 

O poema reenvia, desde o seu início, ao segundo poema, no qual se lê:

 

(...) sobre mim, intensas, ilhargas juvenis

Machucadas de gozo.

 

O poema pode ser dividido em três movimentos: um primeiro de descrição da sensação de plenitude gerada pelo momento de prazer, pelo gozo (até o verso 4); um segundo de ruptura desta cena primeira, momento de tensão, com a despedida dos amantes e a interiorização da consciência, que reflete sobre a brevidade do gozo; um terceiro momento, também de positividade, que reitera a necessidade da ilusão como um modo de intensificar, ou dar sentido à vida.

 

X

 

Como se fosse verdade encantações, poemas

Como se Aquele ouvisse arrebatado

Teus cantares de louca, as cantigas da pena.

Como se a cada noite de ti se despedisses

Com colibris na boca.

E candeias e frutos, como se fosses amante

E estivesses de luto, e Ele, o Pai

Te fizesse porisso adormecer...

(Como se se apiedasse porque humana

És apenas poeira,

E Ele o grande Tecelão da tua morte: a teia).

 

Como se fosse vão te amar e por isso perfeito.

Amar o perecível, o nada, o pó, é sempre despedir-se.

E não é Ele, o Fazedor, o Artífice, o Cego

O Seguidor disso sem nome? ISSO...

 

O amor e sua fome.

 

Dois personagens se definem neste último poema: Aquele, Ele, o Pai, o grande Tecelão, o Cego, o Fazedor, o Artífice, o Seguidor: possíveis nomeações de Deus; louca, amante, humana, poeira: o sujeito lírico. “Cantigas de pena” nos remete à raiz da poesia lírica, à modulação do canto, à dignidade do lamento, do sofrimento. A relação mais aparente é com o poema “Perdigão perdeu a pena”, de Camões.

Para que possamos refletir sobre o estreito vínculo entre a visão e a efemeridade, o instantâneo fulgor do sentimento, cito um poema de João Roiz de Castelo Branco:

 

Senhora, partem tam tristes

meus olhos por vós, meu bem,

que nunca tam tristes vistes

outros nenhuns por ninguem.

 

Tam tristes, tam saudosos,

tam doentes da partida,

tam cansados, tam chorosos,

da morte mais desejosos

cem mil vezes que da vida.

partem tam tristes os tristes,

tam fora d’esperar bem,

que nunca tam tristes vistes

outros nenhuns por ninguem.[97]

 

Existe um círculo que se completa neste décimo poema do ciclo, que se conforma sob o eixo semântico do seguir e do cegar. Existe um vínculo fictício entre o homem e esta divindade que tece cegamente um destino, sendo ao mesmo tempo caçador e caça, enredada em sua própria teia:

 

Como se fosse vão te amar e por isso perfeito.

Amar o perecível, o nada, o pó, é sempre despedir-se.

E não é Ele, o Fazedor, o Artífice, o Cego

O Seguidor disso sem nome? ISSO...

 

O amor e sua fome.

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

S E G U N D O     A P A R T E

 

 

PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO TERROR/MEDO

 

PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO EXCESSO: DINÂMICA SIMBÓLICA II

 

PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO EXCESSO: DINÂMICA SIMBÓLICA III

 

 

 

 


PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO TERROR/MEDO

 

DA MORTE. ODES MÍNIMAS (1980)

 

Não é obsessivo eu discutir sobre a morte. Sentimos nostalgia de alguma eternidade perdida. Por que o escritor viveria obcecado com a própria finitude? A idéia do infinito é demasiada para o homem. Certamente não é ficar nas nuvens, tocando harpa. Seria muito chato. Talvez seja como certas sensações. A da paixão amorosa, a da paixão pelo conhecimento. É essa excitação de todas as células, de se sentir vivo e capaz. Quem sabe não seja esse o sabor da eternidade. Quando penso em infinitude em mim, nunca sou debaixo da pedra, nada. Penso em agudeza do espírito, em lucidez.[98]

 

Acho que Deus está irremediavelmente, definitivamente sozinho. Deus está na escuridão, o próprio Deus luta, procura, quer alguém que Lhe estenda a mão, O ajude.[99]

 

               

As figurações da morte e de Deus são dois eixos temáticos que alicerçam a economia estética do terror/medo, na poesia hilstiana. Espaço de enfrentamento discursivo destes dois interditos, esta economia se faz a partir de um diálogo ficcional em que a morte e Deus são personagens de um drama que figura o embate entre a voz poética e o inominável.

O estudo de alguns poemas me permitirá projetar algumas hipóteses sobre o modo como Hilst procede a um desmonte conceitual das idéias pré-concebidas da morte e de deus, colocando às claras, nesse procedimento discursivo, que o terror e o medo são instâncias discursivas de controle social, são interditos construídos ao longo da história humana. 

Da morte. Odes mínimas (1980) e Poemas malditos gozosos e devotos (1984) são os dois livros que fazem parte da economia estética do terror/medo. Como já se disse, os poemas destes livros podem ser lidos como elos de uma longa cadeia discursiva, como partes de um único grande poema.

O caráter teatral aparece também aqui, contudo, se na economia dos afetos é mais freqüentemente são personas humanas que atuam na cena dramática, na economia do terror/medo estas personas agora são figurações com um referente já em segundo grau, o outro ao qual se dirigem estes poemas é marcado pela inexistência de um contorno discursivo definido.

A morte e Deus são personagens sem imagem definida, escapam ao remate de um possível contorno, embora haja a tensão discursiva paradoxal do querer nomear estas personagens. Aqui há um índice do porquê a poesia de Hilst caminha para um lugar discursivo-conceitual progressivamente mais móvel e opaco, mais resistente à síntese. Investir a palavra, cada vez com mais insistência, como potencial diálogo com o não-dito, o sem-nome, como Hilst faz, só pode levar a uma vertigem da significação.

Se em Da morte. Odes mínimas e Poemas malditos, gozosos e devotos esta vertigem é diluída pelo fato de Hilst usar uma linguagem relativamente clara, fazendo dois livros longos, em que os poemas possuem versos curtos, cadenciados, com ritmos breves e cortados, a somatória dos poemas, que são partes constitutivas deste todo tensionado, é que gera a vertigem deste potencial diálogo com o Outro. Este Outro é não só ausente, mas sua referência é vazia, sendo figuração de uma idéia sem imagem.

Se Hilst trabalha, aqui, ainda com uma certa clareza referencial, se pensarmos nos poemas, isoladamente, o grande trabalho que se nos apresenta, nesses dois livros, é um trabalho de nomeação, de sugestão, de metamorfoses ou trânsitos figurativos que recobrem as idéias da morte e de Deus. Para que possa dar novos atributos a estas duas idéias, para construir sua própria mitopoética, a poeta se valerá da renomeação e do reinvestimento significativo de lugares-comuns da tradição lírica.

 

BATISMO E NOMEAÇÃO

 

Quanto à idéia da morte, a poeta é explícita, desde o primeiro poema de Da morte. Odes mínimas: quer rebatizar, demarcar a figuração da morte não mais com um caráter redentório ou de desespero/medo do horror vacui.

O memento mori de Hilst é um memento ao avesso: lembra-te de que é vida. Viver a morte é, portanto, a mais salutar forma de des-formar o conceito, de escapar de qualquer culpa no presente, ou de qualquer projeção para o futuro. Idéia próxima do que Sêneca escreveu:

 

Morremos todos os dias, pois todo dia nos é tirada uma parte de nossa vida: à medida que a idade aumenta, a nossa vida diminui. Perdemos a infância, depois a adolescência, em seguida a juventude: até o dia de ontem, todo o tempo que passou morreu. Mesmo o dia que estamos vivendo, nós o partilhamos com a morte! Não é o último grão de areia que esvazia a clepsidra, mas todos os que caíram antes: assim sendo, a última hora, a do nosso fim, não é a única que provoca nossa morte, mas a única a levá-la a termo. É nesse momento que atingimos o objetivo, mas faz tempo que estamos andando. (...)

 

Não é a morte que tememos, mas a idéia da morte: ela mesma nunca está muito longe de nós. Se, portanto, a morte é temível, isso se dá permanentemente: nenhum momento da nossa vida está fora do seu alcance. (...) De qualquer forma, para nunca temeres a morte, pensa nela sem cessar.[100]

 

A idéia da morte deve ser a renovada idéia de que nada se faz sem a tensão de um fim e um novo começo. Em vez de pensar na idéia da morte como ceifeira, coisa definitiva e derradeira, depois da qual nenhuma vida viceja, Hilst prefere reinvestir a morte de seu caráter de transitoriedade cotidiana, de um constante estar-se no agora.

As faces da vida e da morte aos poucos se figuram não mais como avessos, como limites opostos de uma tensão conceitual que dilacera o discurso. Há, em Da morte. Odes mínimas, uma tranqüilidade da paisagem, uma resignação que brota das palavras, mas nada de desespero ou desastre. Neste sentido, há uma constatação quase protocolar da finitude do homem, uma descrição de um percurso, uma figuração do tema num discurso em baixo-contínuo.

O “mínimas” do título nos leva a pensar exatamente isto: nenhuma ode à morte é suficiente o bastante para representar esta natural certeza do trabalho de desgaste da vida, que a  passagem do tempo pelo corpo realiza. Este corpo-máquina que também tem seu destino. Nenhuma ode é máxima, não porque não esteja à altura de tão grande tema/figuração, mas porque a vida/morte podem ser vistas como coisas fáceis, sem tanto mistério assim avesso. A morte é simples, é fruto do próprio trabalho inexorável do tempo.

Por isto, quero crer que a imagem mais recorrente em Da morte. Odes mínimas é a imagem da água. Porque neste elemento, que pode tomar qualquer forma, Hilst sintetiza um pouco desta tentativa de expor a “morte”, o trânsito do “morrer”, como uma coisa informe, mas também como uma decorrência do viver, um fluxo normal de toda existência.

Além da água, que metaforiza a passagem do tempo, um outro elemento, agora uma constante discursiva, perpassa os poemas do livro: refiro-me ao jogo de idas e vindas (presentes em muitos dos poemas), que retrata uma inconstância de querer/não querer, um impasse afetivo com a morte, e além disso é uma metáfora do jogo erótico-amoroso. Este elemento discursivo é uma marca estilística que dá a estas odes uma singularidade na figuração da morte:

               

Neste livro, o tema central da morte é visto de maneira inesperada, como se se tratasse de uma amiga desconhecida que virá, não se sabe quando – grande incógnita, esfinge a quem cumpre devorar para não ser decifrado. Hilda Hilst desenvolve um movimento receptivo dessa entidade fatal, aceitando-a e desejando-a como amante, re-nomeando-a, como uma forma de exorcismo, não da morte ela mesma, mas do terror que a idéia da morte causa em todo ser humano. Assim, para essa amante desconhecida ela principia escolhendo um nome, individuando-a, tornando-a exclusivamente sua (...)[101]

 

 

Esse dado do enlace amoroso com a morte, proposto nos poemas de Da morte. Odes mínimas reverbera em muito do vocabulário escolhido pela autora, aludindo-se, por exemplo, na própria escolha do verbo “conhecer”, que pode ser tomado em seu sentido bíblico, de “dormir com alguém”[102]:

 

E a ti, te conhecendo

Que eu me faça carne

E posse

Como fazem os homens.[103]

 

E como a uma amante, expõe sua carga de entrega e doação à morte:

 

Meu verso, meu Dom

De poesia, sortilégio, vida?

Ah, leva-os contigo

Por mim.[104]

 

            Esta “entrega” da voz lírica à morte, contudo, não é coisa passiva, pois se sabendo ainda presa à vida, a poeta como que negocia com a morte, antes da entrega, adia, assim, tanto seu “medo” quanto seu prazer de entregar-se a este medo.

 

Se te aproximas, salto

Como quem quer e não quer.[105] 

 

Sempre rebatizando a idéia da morte, dando-nos múltiplos ângulos discursivos de onde podemos encarar o constante chamamento à morte presente em Da morte. Odes mínimas, é um chamamento de embate, de conversa, de uma prosa, ao mesmo tempo é um chamamento quase erótico-amoroso. Deste modo, Hilst foge de qualquer vestígio de morbidez, pois mantém uma atitude serena em relação à morte.

 

 

            DA DISSOLUÇÃO DO EU À ABERTURA PARA O TEMPO

 

            Faço agora, em traços rápidos, um esboço do movimento discursivo que vai da dissolução do eu até a abertura para o tempo, que pode ser facilmente percebido pela leitura dos poemas.

Para tanto, sigo de perto a leitura atenta de Fátima Ghazzaoui,[106] que faz uma feliz e preciosa aproximação dos poemas da escritora. Por isto, deixo expressa minha dívida com Ghazzaoui, cujo trabalho me foi fundamental para a redação desta parte de meu estudo.

A morte talvez seja o tema mais recorrente em toda a obra de Hilda Hilst. Visitar algumas das representações da morte presentes na poesia hilstiana, e determinar o momento em que as reflexões e falas da escritora e a realização estética propriamente dita, se afinam, se apuram. É isto o que farei agora. Assim, estarei marcando não só o momento em que o tema se sedimenta na obra, mas aclarando as formas estéticas em que ele alcança sua plena maturação e se converte em fonte de profileração de reflexões. E ao mostrar a maneira afirmativa do confronto, da luta contra morte, acentuarei a segurança e a força da obra poética madura da escritora.

            Quatro movimentos compõem Da morte. Odes mínimas. O primeiro, sem título, é composto por seis breves poemas acompanhados cada um de uma aquarela feita pela autora. O segundo, com título homônimo ao do livro, é o mais longo, tem 40 poemas. O terceiro, “Tempo – morte”, tem 5 poemas. O quarto movimento, “À tua frente. Em vaidade” é composto por cinco poemas breves que, na verdade, são um único todo discursivo.

Em seu estudo, Fátima Ghazzaoui descreve os quatro movimentos que correspondem às atitudes do sujeito lírico em relação com a morte. Cada uma das quatro partes do livro figura um estado, uma atuação e uma transformação da voz lírica.

Ghazzaoui afirma que o fato de haver uma estrutura arquitetônica bem clara, no livro, “revela uma preocupação por parte de Hilda Hilst em elaborar um projeto poético desenvolvido a partir de um tema central, cujos resultados se articulam aos modos de pensar o ofício do poeta no mundo contemporâneo.”

No primeiro movimento do sujeito lírico (que neste trabalho nomeio <voz lírica>) na sua relação com a morte, que corresponde à primeira parte, sem um título, que é composta por seis poemas curtos, acompanhados de aquarelas. Neste movimento o sujeito define seu modo de atuação e enfrentamento da morte.

 

Nesse sentido, o primeiro movimento, o qual chamamos de prelúdio, apresenta as reações de um sujeito lírico enfraquecido, melancólico, no qual um sentimento de perda impera e contra o qual ele luta, pois a imobilidade e a impossibilidade impedem a realização de sua vida; em outras palavras, sente-se morto. É a partir de seu estado de fracasso que ele (re)convoca pelo rito (poético) os mitos capazes de restabelecerem sua possibilidade de atuação e, assim, inicia um percurso épico miniaturalizado, que se transforma em percurso trágico, no qual entra em contato com a Morte, a enfrenta e perde, pois é ela quem o imobiliza e o enfraquece.

 

 

O segundo movimento da subjetividade lírica, composto por quarenta odes, (segunda parte do livro) trata propriamente do enfrentamento da morte. Neste momento, acompanha-se a configuração da subjetividade lírica e a da Morte, no percurso feito pelo sujeito lírico, que pode ser denominado de percurso agônico. Momento no qual o sujeito lírico repensa e refaz os sentidos do processo vivido.

No terceiro movimento, intitulado “tempo-morte”, composto por 5 poemas, se dá o processo de elaboração da figuração do percurso agônico vivivo pela voz lírica. É uma síntese discursiva do próprio luto, pois até aqui houve a figuração da Morte para que se pudesse apreendê-la, para que se pudesse “incorporá-la às suas próprias limitações e ser vencido  pela inelutabilidade que ousou afrontar”.

O quarto movimento – à tua frente. em vaidade – apresenta hipóteses de superação, são cinco poemas. Ou, no limite, é apenas um único poema que se abre em leque, volutas de perguntas, que se distendem em círculos mais largos, que se prolongam ao longo destes poemas que enfeixam o livro. Esse último movimento do livro, é como que o resultado do processo, o sujeito lírico recria possibilidades de superação da Morte, e, numa súbita reviravolta, reafirma seu poder e o poder da lírica de refazer sentidos, sob o signo da ironia.

Por fim, recorro novamente às palavras de Fátima Ghazzaoui, que assim resume o conteúdo de Da morte. Odes mínimas:

 

Desse modo, podemos afirmar que – da morte. odes mínimas – representa  um percurso metafórico decantado em pequenos poemas metalingüísticos, nos quais se simula, pelo enfrentamento do sujeito lírico,  o próprio enfrentamento vivido pela atividade poética no mundo contemporâneo.

 

Do seu insulamento, da sua recusa, da falta de apreensão da imbricação entre linguagem, tempo e mundo, a linguagem poética se recusa a aceitar o mundo histórico de sentidos feitos e desgastados. Este o percurso de resistência e rebeldia que – da morte. odes mínimas – nos apresenta. No percurso, o sujeito lírico se rebela contra o tempo cronológico, externo a ele, homogêneo, impositivo, intolerante; o tempo da produtividade, que expulsa a morte de seu convívio enquanto ideologicamente a vende como produto no mercado; o tempo da falta, da proibição do luto, da impossibilidade de transmissão da experiência subjetiva e coletiva; o tempo sem memória, sem história. Em suma, um tempo sem palavra e sem poesia.[107]

 
POSSÍVEL PERCURSO OU ROTEIRO DO LIVRO DA MORTE. ODES MÍNIMAS

Num texto, o crítico Donaldo Schüler define o trabalho literário de Hilda Hilst acima dos gêneros, afirmando que:

 

Sendo poesia, originalmente, o produto do fazer, Hilda Hilst, ao buscar o triunfo sobre a morte e a nomeação poética, redescobre as origens do poetar. A poesia apresenta-se, assim, na luta contra a destruição, luta que se desenrola simultaneamente na familiaridade e na estranheza dos contentores. Não falta neste confronto do eu com sua morte acentuado caráter erótico –, bem situado no ambiente genesíaco em que a luta se processa. A morte não surge como força aniquiladora do eu; o eu volta-se, ao contrário, contra ele armado de energia masculina para dominar e possuir. Os papéis não estão distribuídos com rigor. O eu percebe-se como Terra e neste caráter a morte volta-se masculinamente sobre ela para renovar a geração. O eu ora cavalga com a morte, como, em outros momentos, se vê submetido a ela.[108]

 

Em Da morte. Odes mínimas há a conexão e intercambiação de elementos textuais temáticos e formais, de modo que o real e o imaginário travam um diálogo em que esta linha fronteiriça entre o agora e o além (o que leva considerações sobre o tempo) se dilui, por momentos, para que possamos embarcar em nossa última viagem, encarar nossa derradeira máscara, que é aquela que nos revela a morte.

Essa tensão da matéria ou do espírito, que nos faz incorporar e apreender a morte em nós, como termo de nossa experiência humana, fará proliferar imagens na obra poética de Hilst. As imagens serão fruto dessa tensão em direção ao que se oculta, ao que se esconde, mas que vislumbramos em algum ponto do insabido. Esse momento é antes movimento, distensão do instante, eternidade congelada.

O conhecer, no caso, é aparar as arestas do pensamento, deslocá-lo para um lugar outro onde o tempo se configura, não mais como linearidade, constância, avanço. O tempo se configura como espiral do pensar que volta sobre si mesmo. Aqui se dá a especularidade da escrita:

 

Fatia, tonsura, pinça

Nunca te sei inteiro

Tempo-Morte.

Jamais teu todo, teu pêlo

A intrincada cabeça do teu nojo.

Sempre a rasura no texto seco

 

Ou gorda eloqüência

Sobre a tua figura.

 

Opaca detenho-me

No vazio do cesto.

Tateio debruçada

Fiapos de palha, sobras

Coagulada retorno

Aos arrozais da página.

 

Ponta dos dedos, pulsão

Até quando teu capuz

Diante de um cego?[109]         

 

Para figurar a morte, Hilst investe na palavra tocando o limite do sentido, procura, cada vez mais, produzir nomes, por meio da proliferação de referências à palavra em sua dimensão de signo que nos permite inaugurar sentidos. Há o momento agônico do gozo, do dilaceramento da alegria:

 

Te prometo, morte,

A vida de um poeta. A minha:

Palavras vivas, fogo, fonte.

 

Se me tocares,

Amantíssima, branda

Como fui tocada pelos homens

 

Ao invés de Morte

Te chamo

Poesia

Fogo, Fonte, Palavra viva

Sorte.[110]

 

Aqui não existe mais a tentativa de suspensão dos contrários, marca recorrente na poesia da escritora até 1967. Os contrários agora são fruto e fonte de uma linguagem que se elabora cada vez mais retorcida e nova. Uma linguagem, que se batiza a si mesma, como no  poema que abre Da morte. Odes mínimas:

 

I

 

Te batizar de novo.

Te nomear num trançado de teias

E ao invés de  Morte

Te chamar      Insana

                        Fulva

                        Feixe de flautas

                        Calha

                        Candeia

Palma, por que não?

Te recriar nuns arcoíris

Da alma, nuns possíveis

Construir teu nome

E cantar teus nomes perecíveis

                        Palha

                        Corça

                        Nula

                        Praia

Por que não? [111]

 

O poema de abertura do livro já expressa um contra-senso: o batismo da morte. Ora, batizar refere-se a uma nomeação primeira que se dá quando algo nasce, e portanto, ao nascer da própria morte. Assim, tem-se a reinserção do conceito sob outros centros figurativos.

O que quero anotar é justamente o desinvestimento simbólico que a poeta atribui à morte, e principalmente o descentramento do centro-conceitual da palavra. Veja-se que há um eixo figurativo como que deslocado/descolado do poema, no qual, o início é a Morte, à qual se seguem palavras (todas com maiúsculas alegorizantes), que acabam em Praia, que re-simbolizam o sentido da morte.

A única palavra que “semanticamente” pertence a este eixo de significação,  mas que está fora dele é “Palma”, que ecoa em “alma”, cuja continuação sintática “por que não?” divide o poema em duas metades discursivas, e reaparecendo no fim do poema.

Ora, essa estrutura de espelhamento sintático-semântico remete à própria tessitura do processo da significação e, portanto, da nomeação. Assim, todo o poema, que pode ser lido tendo em mente a estrutura de eco, alicerça e sustenta uma economia simbólica do movimento instável da nomeação.

Pensando nestes dados, o poema pode ser lido como um canto à disseminação da proliferação dos sentidos, à sua eterna mobilidade, à produção e não à reprodução dos conceitos.

Os verbos no infinitivo criam um outro traçado significativo: batizar, nomear, chamar (no primeiro movimento); recriar, construir, cantar (no segundo movimento). As teias deste tecido poético da nomeação remetem ao próprio discurso como figuração do real.

Assim, a poeta inicia seu percurso de embate com a morte, agora como “cria”, como coisa parida pela voz lírica, num tecer de um discurso agônico, mas afetuoso e amoroso com a morte, agora “outrada”... O enfrentamento da poeta com o insabido se dá, assim, também como conformação de uma linguagem que permita esta proximidade afetuosa descrita. Deste modo, o desconhecido, o inomeável pode tomar o corpo da escrita e nele se instalar. Neste embate, corpo a corpo com a escrita, a poeta guardará sempre uma altivez que dará o tônus à sua experiência poética.

“À tua frente. Em vaidade.” é o título dos cinco poemas curtos que enfeixam Da morte. Odes mínimas, que são a radiografia sumária do contato do poeta com a morte, a sua luta contra a perecibilidade de sua matéria, o seu desejo de eternidade:              

E se eu ficasse eterna?

Demonstrável

Axioma de pedra.[112]

 

Ernest Becker[113], a quem Hilda dedica o livro, escreveu A negação da morte, livro no qual o autor faz uma longa argumentação na tentativa de provar que a maior angústia do ser humano é a sua consciência da morte. A autora, por exemplo, cita em várias de suas entrevistas o autor e o livro, principalmente a parte que se refere a índios norteamericanos que colocam um tampão no ânus.... Na prosa, a reflexão sobre a analidade/a fecalidade estará presente de maneira recorrente, seja em A obscena senhora D, livro no qual a fecalidade se mistura a questões metafísicas, seja ironicamente em “Vicioso Kadek”, conto do livro Ficções, cujo personagem que dá título ao livro quer morrer totalmente indiferenciado, como qualquer ser humano, mas na hora de sua morte ele olha pro céu quando recebe uma caca de um pássaro em sua cabeça e diz a seguinte frase: “alado e ocre pássaro da morte”. Kadek, deste modo, morre absolutamente diferenciado.

Em Da morte. Odes mínimas, embora Hilst dedique o livro a Becker, ela não comtempla a questão do baixo corporal como um elemento fundante para o desenvolvimento dos poemas do livro, para a consstrução de sua arquitetura.

Aqui, o que temos é um enfrentamento  com este “medo da morte” de que nos fala Becker, mas a tensão deste enfrentamento não chega a contaminar virulentamente a camada mais aparente da linguagem poética. Aa dicção dos poemas se mantém elevada. Aliás, é interessante pensar que Hilst como que “resguarda” sua poesia (os poemas publicados como livros de poesia) desta oscilação entre o alto e o baixo; em seu teatro também, embora em menor grau, isto acontece, e só verdadeiramente na prosa é que Hilst realmente ousa uma dinâmica significativa da linguagem que muitas vezes nos choca.

Isto dito para que tenhamos uma possível justificativa do porquê Hilst continuar insistindo em publicar livros de poesia depois de 1970. Sabemos que em seu teatro e em sua prosa os gêneros se misturam. Uma questão que se poderia colocar, então, é o porquê dela publicar livros sob o rótulo “poesia”, quando poderia inserir estes poemas em seus textos em prosa.

Existem mais obras numa mesma obra. Assim, quem lê um texto de prosa de Hilst e depois seus livros de poesia pode se perguntar se o autor que escreveu tal livro de prosa não consideraria sua poesia um tanto quanto alinhada demais à tradição. Toda a discussão sobre a linguagem que é feita nos livros de prosa, todo o riso derrisório diante da “palavra rara” etc. entra em choque frontal com os poemas de Hilst publicados em seus livros de “poesia”.

Na busca de nomear o que seria inominável, a poeta investe sua palavra poética de uma tensão cada vez mais vertiginosa. Isto gera um deslizamento significativo que marca do trânsito entre o sentido e o não-sentido, no qual encontramos a proliferação de significantes: DEUS = Sem Nome, Cara Escura, Obscuro, sutilíssimo amado, DESEJADO, relincho do infinito; MORTE = cavalo, búfalo, cavalinha, palha, Riso, Prisma, Ventura, Nula etc.

 

 


PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO TERROR/MEDO

PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO EXCESSO: DINÂMICA SIMBÓLICA II

ALCOÓLICAS (1990): MORTE - DO TERROR/MEDO AO EXCESSO

 

A paisagem que mais me agrada é a vida. A vida para mim é uma experiência vigorosa a cada dia. Eu gosto muito de olhar as coisas, de ficar olhando os pássaros, a noite, mas não há nada de lírico nisso. É uma coisa interiorizada, questionando o que é essa dimensão na Terra, o que os homens estão fazendo no espaço. Se eu não tivesse feito isso a vida toda não teria escrito o que escrevi. [114]

 

 

 

            Chagall escreveu que o tempo é um rio sem margens. A água é o centro discursivo  da circulação da trocas simbólicas dos poemas de Alcoólicas. A água como elemento de trânsito, de inconstante e eterno movimento do tempo. A vida, margeada pelas metáforas do líquido, pode transitar na bebiba, na sede do excesso de se embriagar da própria existência.

            A umidade, o escorreito do líquido, é a imagem que dá contorno e unidade a estes poemas que poderiam se chamar Da vida. Odes máximas, em contraponto com o Da morte. Odes mínimas.

Os nove longos poemas de Alcoólicas descrevem o período da gestação, sendo o momento do parto do excesso. Tudo, no livro, conflui para o tom grandiloqüente e sublime, para o desperdício simbólico, para tudo o que excede a para a exuberância do gesto poético, da amplificação do canto.   

Enovelados como nove falas, os poemas tecem o diálogo alegórico da voz lírica com a Vida personificada, numa estrutura narrativa que se desenrola num tom mais coloquial, de conversa ao pé do ouvido, mesclado com um vocabulário precioso que faz aparecer, vir à tona, quebras, cesuras, nesta conversa que se desenrola às vezes desatenta, quase como uma fala cotidiana entre amigos próximos.

Neste livro Hilst faz uma perfeita junção entre a concisão, precisão e exatidão da linguagem com sua face mais de complexidade, opacidade e intensidade.

Dito isso, coisa breve, pronta  e gasta, mergulho no fluxo desta escrita que “estilhaça sua própria medida”, que se excede e nos leva ao transbordamento dos sentidos.

 

 

I

a Jamil Snege

 

É crua a vida. Alça de tripa e metal.

Nela despenco: pedra mórula ferida.

É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.

Como-a no livro da língua

Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me

No estreito-pouco

Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida

Tua unha púmblea, meu casaco rosso

E perambulamos de coturno pela rua

Rubras, góticas, altas de corpo e copos.

A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.

E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima

Olho d’água, bebida. A vida é liquida.[115]

 

            Neste primeiro poema (a vida aparece com minúsculas) já se tem uma nítida idéia do que disse sobre a linguagem do livro. A poeta opera cortes de significados, mescla palavras usuais e cotidianas com palavras poéticas raras ou pouco usadas. O “despenco” do segundo verso, por exemplo, é como se estivesse deslocado do paradigma de escolha vocabular do poema. Esse “despenco” acaba, por isto, tendo lugar de destaque, é uma palavra para a qual logo se dirige nosso olhar, nosso ouvido.

O segundo poema da série inicia com a retomada de um núcleo semântico: a crueza, agora atributo não mais da vida, mas das palavras e das caras. Temos, portanto, um deslocamento para o HUMANO, ou melhor, para a expressão sobre-humana que expressa o sentimento de excesso diante da existência.

 

II 

 

Também são cruas e duras as palavras e as caras

Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida

Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos

Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes

Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos

Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas

De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo

Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas

Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento

Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte

É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.

Sussuras: ah, a vida é liquída.[116]

 

 

Os poemas do livro seguem neste tom grandiloqüente, mesmo que o tom seja de uma conversa que se desfia desatenta, fios de Ariadne a tecer o labirinto da vida, fios escorrendo e ecoando no tempo a dádiva de se estar vivo, pleno do líquido, do úmido, da água de onde viemos, da água do batismo e da água-vinho que nos entorpece os sentidos diante da vastidão da vida. As palavras raras, o ritmo cortado também estão presentes; lado a lado com uma certa ironia que se desfia no tempo da leitura (passando às vezes despercebida): “Que estilosa galhofa. Que desempenados / Serafins.” – “Lobotômicas líricas”. O humor, mesmo que num fugaz momento acompanhará os poemas hilstianos.

 

III

 

Alturas, tiras, subo-as, recorto-as

E pairamos as duas, eu e a Vida

No carmim da borrasca. Embriagadas

Mergulhamos nítidas num borraçal que coaxa.

Que estilosa galhofa. Que desempenados

Serafins. Nós duas nos vapores

Lobotômicas líricas, e a gaivagem

Se transforma em galarim, e é translúcida

A lama e é extremoso o Nada.

Descasco o dementado cotidiano

E seu rito pastoso de parábolas.          

Pacientes, canonisas, muito bem-educadas

Aguardamos o tépido poente, o copo, a casa.

 

Ah, o todo se dignifica quando a vida é liquída.[117]

 

As nove contas deste rosário serão acompanhadas contadas e cantadas por estes dois personagens que desde o início são nomeadas: a voz lírica, que fala pelas palavras da poeta, e a Vida personificada como uma senhora-duplo da poeta, com seu coturno e suas roupas rotas, desgastadas pelo tempo.

Fala-se, portanto, do caminhar os caminhos e os descaminhos, mas sempre de um modo altaneiro e altivo, sempre com a consciência de que o escorrer do tempo marca o movimento horizontal da existência humana, mas há um outro escorrer que volatiza (por isso o duplo sentido da bebida e do álcool) a consciência, fazendo-a caminhar também para “o alto” (as catedrais góticas), para um além ou sobre-humano.

Isso marcaria uma possível crença na transcendência do corpo, da matéria, o desejo da alma, do espírito de alçar vôos mais altos do que estes rasantes que se dá quando se caminha no chão da existência.

 

IV

 

E bebendo, Vida, recusamos o sólido

O nodoso, a friez-armadilha

De algum rosto sóbrio, certa voz

Que se amplia, certo olhar que condena

O nosso olhar gasoso: então, bebendo?

E respondemos lassas lérias letícias

O lusco das lagartixas, o lustrino

Das quilhas, barcas, gaivotas, drenos

E afasta-se de nós o sólido de fechado cenho.

Rejubilam-se nossas coronárias. Rejubilo-me

Na noite navegada, e rio, rio, e remendo

Meu casaco rosso tecido de acuçena.

Se dedutiva e líquida, a Vida é plena.[118]

 

Incorporar a Vida, bebê-la, é um modo de sabê-la em sua inteireza, entender um pouco de seu milagre, de sua alegria e de sua tristeza. Beber a Vida é entendê-la na entranha, líquido-vida escorrendo pela víscera, e torná-la o mais íntima possível, e ao mesmo tempo estranha, porque indiferencia-se, assim, a Vida personificada deste sujeito-voz lírica que fala no poema. Beber a vida é enlaçá-la amorosamente com toda a potência do canto e do lamento que podem daí advir.

 

V

 

Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito

Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado  

Salpicado de negro, de doçuras e iras.

Te amo, Líquida, descendo escorrida

Pela víscera, e assim esquecendo

 

                       Fomes

                       País

                       O riso solto

                       A dentadura etérea

                       Bola

Miséria.

 

Bebendo, Vida, invento casa, comida

E um Mais que se agiganta, um Mais

Conquistando um fulcro potente na garganta

Um látego, uma chama, um canto. Ama-me.

Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos

Quando não sou líquida.[119]

 

No sexto poema, a Vida chama a senhora-poeta para o mundo de fora, para a realidade de um entorpecimento sadio que a bebida pode nos dar, entorpecimento este absolutamente necessário para que continuemos resignadamente a caminhar nosso caminho “de fora” mesmo que com “os olhos no absurdo”.

 

VI

 

Vem, senhora, estou só, me diz a Vida.

Enquanto te demoras nos textos eloqüentes

Aqueles onde meditas a carne, essa coisa

Que geme sofre e morre, ficam vazios os copos

Fica em repouso a bebida, e tu sabes que ela é mais viva

Enquanto escorre. Se te demoras, começas a pensar

Em tudo que se evola, e cantarás: como é triste

O poente. E a casa como é antiga. Já vês

Que te fazes banal na rima e na medida.

 

Corre. O casaco e o coturno estão em seus lugares.

Carminadas e altas, vamos rever as ruas

E como dizia o Rosa: os olhos nas nonadas.

Como tu dizes sempre: os olhos no absurdo.

 

Vem. Liquidifica o mundo.[120]

 

 

A conversa segue, no sétimo poema, falando-se daa embriaguês e do fato de que “Bêbados e loucos é que repensam a carne o corpo / Vastidão e cinzas. Conceitos e palavras. / Como convém a bêbados grito o inarticulado

A garganta candente, devassada.” E sobre o sobrevôo inventado pela voz lírica, assim como o “o casaco rosso / Que não tenho, mas que a cada noite recrio / Sobre a espádua.” Aqui, novamente, encontramos o viés metalingüístico da poesia de Hilst, que quebra com a ilusão do real poético.

No oitavo poema entra em cena o casaco rosso (antes dito inventado) que, agora personificado, espia a poeta. Fala-se, neste poema do ciclo da vida – o dia, o vestir-se; a noite, o despir-se – metaforicamente significando a passagem do tempo, visto que o casaco já está puído, assim como a lã está desfeita pelos maus tratos. O que pede o casaco (metáfora do corpo, da pele) é apenas que Hilda o lave... Que lhe dê uma aparência melhor, que lhe dê vida, por assim dizer, batizando-o com a água que limpa e nos dá nova vida. 

 

 

 

VIII

 

O casaco rosso me espia. A lã

Desfazida por maus tratos

É gasta e rugosa nas axilas.

A frente revela nódoas vivas

Irregulares, distintas

Porque quando arranco os coturnos

Na alvorada, ou quando os coloco rápida

Ao crespúsculo, caio sempre de bruços.

A Vida é que me põe em pé. E a sede.

E a saliva. A língua procura aquele gosto

Aquele seco dourado, e acaricia os lábios

Babando impudente no casaco.

 

É bom e manso o meu casaco rosso.

Às vezes grita: ah, se te lembrasses de mim

Quando prolixa. Lava-me, hilda.[121]

 

O nono poema completa o ciclo do nascimento desta estória de afeto entre a poeta e a vida, completando-se, pela embriaguês e entorpeciemento dos sentidos a experiência erótica, vasta e amorosa entre a poeta e a Vida, no estilhaçar de toda medida.

 

IX

 

Se um dia te afastares de mim, Vida - o que não creio

Porque algumas intensidades têm a parecença da bebida -

Bebe por mim paixão e turbulência, caminha

Onde houver uvas e papoulas negras (inventa-as)

Recorda-me, Vida: passeia meu casaco, deita-te

Com aquele que sem mim há de sentir um prolongado vazio.

Empresta-lhe meu coturno e meu casaco rosso : compreenderá

O porquê de buscar conhecimento na embriaguês da via manifesta.

Pervaga. Deita-te comigo. Apreende a experiência lésbica:

Estilhaça a tua própria medida.[122]

 

 


PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO TERROR/MEDO

POEMAS MALDITOS GOZOSOS E DEVOTOS (1984)

 

 

Este “gozoso mensageiro” morreu como tinha vivido, como havia ensinado; não de modo algum para “salvar os homens”, senão para demonstrar como se deve viver. A prática, isto é, o que deixou aos homens; a sua atitude perante os juízes, perante os verdugos, perante os seus acusadores e perante toda a espécie de calúnias e de ultrajes, a sua atitude na cruz. Não resiste, não defende o seu direito, não dá um passo para afastar de si o transe extremo, mas provoca-o. Roga, sofre e ama com aqueles que o maltratam. Não se defender, não se encolerizar, não tornar responsável... Mas também não resistir ao mal: amá-lo.[123]

 

NIETZSCHE

 

 

 

Minha ligação foi sempre daqui em direção a Deus. O que sempre me importou foi tocar ao menos um fio do manto do divino. Cada um de nós tem a nostalgia da perfeição, da santidade. Penso como Henry Miller que a pornografia tem em si o desejo de converter o outro. A blasfêmia pode provocar uma manifestação de Deus. E preciso esforçar-se para ver Deus e no entanto cada visão é puro sofrimento, puro pânico porque então a vida te ataca de todos os lados.[124]

 

HILDA HILST

 

 

Três textos de poesia de Hilst dialogam, aprofundam, reinvestem de significados o pensar as figurações de Deus: Poemas malditos, gozosos e devotos, Sobre a tua grande face e a terceira parte de Amavisse, intitulada “Via vazia”.

          Vinte e um poemas, com forte presença de elementos narrativos, compõem Poemas malditos, gozosos e devotos, dos quais apenas o vigésimo primeiro não é numerado. Nesses poemas a poeta trava um diálogo ríspido, irônico, desconcertante com a divindade. 

            Esse Deus é descrito como um sedutor nato, tornando-se erotizado; tendo-se aqui o gozo em sua vertente metafísica.

Dedicado à memória de Ernest Becker, Otto Rank e Simone Weil, Poemas malditos, gozosos e devotos abre com uma epígrafe dessa última, “Pensar Deus é apenas uma certa maneira de pensar o mundo”, que já inscreve, na cena do poema, a reflexão sobre o próprio pensar, que é recorrente na poesia hilstiana.

Esse pensar pode ser definido como o pensar Deus, e também as várias atitudes líricas (o amor, a paixão, o deboche, a ironia, a blasfêmia etc.) do sujeito em relação a este Deus. Definiria o roteiro desse pensar, relacionado à divindade, com o seguinte título: Dos sacrifícios de Deus à singularidade da vítima. Ao “sacrificar” as figurações de Deus, Hilst procede, nesses poemas, a uma singularização do próprio sujeito poético.

Esta economia do terror/medo, em Poemas malditos, gozosos e devotos, se dá por meio de uma desmontagem de imagens pré-concebidas da divindade: o deus tríplice, o deus pregado na cruz, figura paradoxalmente um deus-pai sádico, cruel e insensato.  Ao proceder essa desmotagem da figuração do sagrado, ao misturá-lo no tempo humano, profano, Hilst ironicamente aponta para um avesso ou negativo figurativo-conceitual que expõe como o terror e o medo, criados por meio das imagens pré-concebidas da divindade, são interditos ao prazer da carne e do conhecimento.

Por isto, o jogo simbólico no qual a figuração da divindade se faz é marcado pela contradição, gerando um curto-circuito significativo que expõe um Deus agora afeito a atos paradoxais e voluntariosos que o humanizam, indo contra a idéia corrente da infalibilidade da justiça divina. Esses atos insensatos, insanos, no limite, que serão elencados em Poemas malditos, gozosos e devotos iluminam a figuração do divino sob outros ângulos significativos, fazendo com que se relativize a verossimilhança da ficção de Deus.

Hilst assim procede usando a história ficcional do Deus cristão. Trata-se, portanto, da atribuição de valores simbólicos outros aos atos divinos, de uma exegese/hermenêutica que aponta o bisturi para lugares conceituais frágeis, “abertos”, chagas expostas desta ficção do divino.

A primeira cisão que abre Poemas malditos, gozosos e devotos, cisão que prepara outras cisões mais fundas, é aquela em que se expõe a crueldade de Deus, marcando a tensão paradoxal presente na genealogia da divindade: o trânsito entre os limites conceituais do bem e do mal. Quais os valores que se pode dar ao ato do Deus cristão condena seu próprio filho, cordeiro imolado, à morte humana?

Este ato, que prescreve uma descida do divino ao humano, além de marcar o trágico da ficção divina, pode marcar também o aparecimento de uma revolta do homem, um confrontar do humano com a consciência de seu próprio sofrimento inútil e seu caminhar para a morte. A referência mais clara, portanto, de Poemas malditos, gozosos e devotos é a história bíblica da paixão de Cristo. A idéia de um Deus-pai cruel, que manda ou permite a crucificação de seu próprio filho é uma idéia que pode assombrar. Pensar que um Deus seja capaz de permitir o sofrimento de seu próprio filho, nos leva a imaginar o que está reservado para nós. Isto pode ser descrito da seguinte forma: Deus é tão “frio”, “distante” (por isto a referência ao “genuíno como um inglês”), que faz vistas grossas ao sofrer do outro, o que nos levar a pensar que todo o sofrimento humano não tem para ele a menor importância; ou que este Ele vê tudo isso de “fora”. Neste sentido, podemos citar uma frase de Ângela de Foligno, que é terrificante: a santa diz que viu a face de Deus e não encontrou ali nenhuma sombra de amor.

Os Poemas malditos, gozosos e devotos são uma espécie de descrição sumária desta paradoxal ética do terror presente no mito, na figuração do Deus cristão. Falamos em sadismo deste Deus porque é quase como se Ele tivesse grande prazer vendo o sofrimento do que Ele mesmo criou. No limite, é um embate e não aceitação desta idéia deste Deus cruel, ou melhor, é um expor as inverossimilhanças que a poeta percebe na construção ficcional deste personagem.

No poema que abre Poemas malditos, gozosos e devotos o desmonte da figuração de Deus procede dos próprios índices da estória divina: que pai permite que um filho seja crucificado? Esta é a pergunta implícita que ecoa (como em surdina) neste poema e que se disseminará, portanto, a todos os poemas do livro.  Já antevista deste o início, a consciência da crueldade do Deus marca a presença de um jogo (nos poemas) de aproximação (que fotografa a face crua deste Deus) e de distanciamento, que dá uma certa tranquilidade/segurança para a voz lírica.

Assim se conforma o rito. Neste espelhamento do sacrifício que se dissemina em toda a existência humana, que reverbera, que ecoa e se refaz infinitamente no sofrimento, dor e morte humanos é, no limite, a condição sine qua non da própria existência do Deus-pai cristão. É como se ele só existisse para renascer a cada dia pela morte de sua criação. Este renovado aparecimento cotidiano da dor é que dá o tom desta relação sadomasoquista entre o Criador e criatura.

I

 

Pés burilados

Luz alabastro

Mandou seu filho

Ser trespassado

 

Nós pés de carne

Nas mãos de carne

No peito vivo. De carne.

 

Pés burilados

Fino formão

Dedo alongado agarrando homens

Galáxias. Corpo de homem?

Não sei. Cuidado.

 

Vive do grito

De seus animais feridos

Vive do sangue de poetas, de crianças

                                

E do martírio de homens

Mulheres santas.

 

Temo que se aperceba

De umas misérias de mim.

Ou de veladas grandezas

 

Soberbas

De alguns neurônios que tenho

Tão ricos, tão carmesins

Tem esfaimada fome

Do teu todo que lateja.

 

Se tenho a pedir, não peço.

Contente, eu mais lhe agradeço

Quanto maior a distância.

E só porisso uma dança, vezenquando

Se faz nos meus ossos velhos.

 

Cantando e dançando, digo:

Meu Deus, por tamanho esquecimento

Desta que sou, fiapo, da terra um cisco

Beijo-te pés e artelhos.

 

                                

Pés burilados

Luz-alabastro

Mandou seu filho

Ser trespassado

 

Nos pés de carne

Nas mãos de carne

No peito vivo. De carne.

        

Cuidado.

 

                                  

Os  vinte poemas que seguem mantém este mesmo tom blasfematório, versos curtos, cortantes, linguagem direta e objetiva. Note-se que o que mais fica aparente nos poemas á justamente este certo desprezo provocativo, fazendo da figuração do divino uma completa inversão do deus bondoso e piedoso e justo. Ao contrário disto, a poeta expõe, sem meias palavras todo o lado humano e cruel deste deus cristão, baseando-se principalmente na imagem divina presente no Velho Testamento. Talvez possamos afirmar que a maior crueldade deste deus é criar uma criatura à sua imagem e semelhança mas condená-la a um constante sofrimento que é coroado com a morte

 

II

 

Rasteja e espreita

Levita e deleita

É negro. Com luz de ouro.

 

É branco e escuro.

Tem muito de foice

E furo.

 

Se tu és vidro

É punho. Estilhaça.

É murro.

 

Se tu és água

É tocha. É máquina

Poderosa se tu és rocha.

 

Um olfato que aspira

Teu rastro. Um construtor

De finitutes gastas.

 

É Deus.

Um sedutor nato.

 

 

Em muitos textos de Hilda há esta idéia ambígua de Deus como um humorista. Ele cria o homem para brincar de “demiurgo”. Dá a vida ao homem, para tirá-la. É um movimento paradoxal, quase um riso sarcástico saindo da boca do criador, que detém o poder sobre a vida e a morte. Somos “bonecos” na mão de Deus. Neste poema, que Hilda diz é que Deus cria o homem (como coisa qualquer), como um “resto”. “Tralhas” é palavra usada no português oral, pejorativamente, para designar “coisas imprestáveis”, “coisas sem importância”.

 

III

 

Caio sobre teu colo.

Me retalhas.

Quem sou?

Tralhas, do teu divino humor.

 

Corronhadas exatas

De tuas mãos sagradas.

Me queres esbatida, gasta

 

E antegozas o gosto

De um trêmulo Nada.

 

Me devoras

Com teus dentes ocos.

A ti me incorporo

A contra-gosto.

 

Sou agora fúria

E descontrole.

Agito-me desordenado

Nos teus moles.

 

Sou façanha

Escuro pulsante

Fera doente.

 

À tua semelhança:

Homem.

 

No poema IV, Hilda Hilst mistura duas referências. A primeira delas é a bíblica mesmo, Deus faz o homem com barro e depois sopra/insufla nele o espírito. De novo, ela remete à idéia de que somos “bonecos”, “fantoches” de Deus. As veias de Deus doem porque ele fez milhões de homens com barro, tendo de moldá-los um a um, e isto deve ter cansado seus braços.

A segunda referência é a de fazer instrumentos com barro/argila. Cuia é um tipo de prato – fundo e abaloado - usado pelos camponeses, ou por índios. Para a panela/cuia poder ser usada, ele deve ser queimada, a uma certa temperatura, durante um certo tempo, no fogo para endurecer.

O que esta estrofe diz é o seguinte: “As vossas veias, Deus, doem porque fizestes os homens com barro?

 

IV

 

Doem-te as veias?

Pulsaram porque fizeste

Do barro dos homens.

E agora dói-te a Razão?

Se me visses fazer

Panelas, cuias

 

E depois de prontas

Me visses

Aquecê-las a um ponto

A um grande fogo

Até fazê-las desaparecer

 

Dirias que sou demente

Louca?

Assim fizeste aos homens.

 

Me deste vida e morte.

Não te dói o peito?

Eu preferia

A grande noite negra

A esta luz irracional da Vida.

 

 

No décimo primeiro poema, temos algo entre o chamamento amoroso, afetivo, sensual e o fervoroso (de fé), metafísico, melhor dizendo. Desde o início do poema percebemos este ardor (do fogo) misturado às águas.

A idéia que perpassa o poema, segundo penso, é a de que este ardor da paixão, que faz sofrer, é um gozo do próprio entendimento que é buscado pelo poeta, mas paradoxalmente essa busca do entender os porquês, em vez de fazer do poeta um “caçador”, o faz “caça”.

É como se todo o ardor, a intensidade, que queima nesta busca, fosse tomando todo o entorno do poeta, quase como uma armadilha que ele cria para si mesmo. E sendo a fúria do ardor, transformada em águas, que sobem, que aumentam, elas águas podem “afogá-lo”. Esse aumento das águas é o que transforma o homem-poeta em “coisa aguada”.

“Aguado” é algo que tem muita água. Algo insípido. Figurativamente, é algo “malogrado”. É também um tipo de preparação da tinta para pintar, quando a gente dilui a tinta em água. Também pode se referir a uma mistura de água e claras de ovos usada pelos encadernadores. Também é o particípio passado do verbo aguar. Sendo assim, podemos entender que o homem é uma pintura malograda de Deus, é apenas o estudo de um retrato que não deu certo. Se pensarmos que o homem foi feito de barro, podemos entender que, estando ele imerso em água, isto significaria seu “desfazimento”, sua “diluição”.

 

XI

 

Sobem-me as águas. Sobem-te as fúrias.

Fartas me sobem dor e palavras.

De vidro, nozes, de vinhas, me sobem dores

Tão tardas, tão carecentes.

 

Por que te fazes antigo, se nunca te demoraste

Na terra que preparei, nem nas calçadas

Da casa? Me vês e me pensas caça?

Ai, não. Não me pensas. Eu sim, nas noites

 

Que caminhadas! Que sangramento de passos!

Que cegueira pretendendo

Seguir teu próprio cansaço. Olha-me a mim.

Antes que eu morra de águas, aguada do que inventei.

 

            No poema XVI, cravo é a flor mesmo. Esta flor, no Brasil, é muito encontrada nos cemitérios. É uma flor muito vinculada à idéia da morte, aos enterros, à imagem do caixão. Esta é a referência mais óbvia no poema. A palavra “cravo” tem outros sentidos da palavra (mas que, a meu ver, não estão no poema). “Cravo” pode remeter, a algo pontiagudo como um prego, algo que fura. Cravo – pode ser também um instrumento musical. O que o poema, em resumo, parece querer dizer, é que buscar deus é um modo de buscar a si mesmo.

 

XVI 

 

Se já soubesse quem sou

Te saberia. Como não sei

Planto couves e cravos

E espero ver uma cara

Em tudo que semeei.

 

Pois não dizem que te mostras

Por vias tortas, nos mínimos?

Te mostrarás na minha horta

Talvez mudando o destino

Dessa de mim que só vive

 

Tentando semeadura

 

Dessa de mim que envelhece

Buscando sua própria cara

E muito através, a tua

Que a mim me apeteceria

Ver frente a frente.

 

Há luas luzindo o verde

E luas luzindo os cravos.

Couves de tal estatura

E carmesins dilatados

 

Que os que passam perguntam:

São os canteiros de Deus?

Digo que sim por vaidade

Sabendo dos infinitos

De uma infinita procura

De tu e eu.

 

 

 

OS CONTRADITÓRIOS: A MOVÊNCIA DO CENTRO

Um poema de Poemas malditos, gozosos e devotos me servirá de mote para pensar a junção entre o alto e o baixo na poesia hilstiana como produto de uma distensão do centro significativo, que nos devolve imagens ambíguas da representação da divindade. O primeiro pólo metafórico de oposição, em que pensarei, é entre o escuro e o iluminado.

Essa oposição tem dois movimentos significativos antagônicos, um que se orienta em direção a um centro figurativo (centrípeto) e outro que se desvia de um centro (centrífugo). Fundi-los, como o faz Hilst é entender que a movência é um modo de buscar os sentidos inaparentes das coisas.

Isso basta para que compreendamos como na poesia hilstiana há um primeiro momento em que a poeta amalgama, coloca lado a lado palavras de sentidos divergentes, conforma a linguagem poética dessa estranha mistura de contrários, e tece a significação partindo dessa decantação momentânea dos paradoxos construídos, para no instante seguinte arruinar os sentidos recém-nascidos.   

Deste movimento de significação descrito participam os feixes temáticos que elencamos aqui (o amor, a morte e deus), muitas vezes unidos num mesmo poema, às vezes distensionados ao longo dos poemas de um mesmo livro. Como é o caso, desse segundo tipo de junção entre o alto e o baixo, do livro Poemas malditos gozosos e devotos. Aqui, a ironia permite um certo recuo ao leitor, que por meio deste distanciamento tem uma percepção mais clara do caráter de descontrução dos pré-conceitos operado pela linguagem poética:

 

 

VII

 

É rígido e mata

Com seu corpo-estaca.

Ama mas crucifica.

 

O texto é sangue

E hidromel.

É sedoso e tem garra

E lambe teu esforço

 

Mastiga teu gozo

Se tens sede, é fel.

 

Tem tríplices caninos.

Te trespassa o rosto

E chora menino

Enquanto agonizas.

 

É pai filho e passarinho.

 

Ama. Pode ser fino

Como um inglês.

É genuíno. Piedoso.

Quase sempre assassino.

É Deus.[125]

 

Trazer a discussão das representações do sagrado para o campo do profano, como o faz Hist, é espelhar na linguagem a ânsia de equiparação do humano e do divino. Aqui, instaura-se um misto estranho que oscila entre a devoção e a heresia, a crença e o sarcasmo derrisório das representações humanas do divino presentes na poesia hilstiana. Por isso, a poeta provoca Deus, ou melhor, re-faz as figurações de Deus, como um modo de provocação que supostamente faria a divindade se manifestar.

Se Hilst aposta na provocação, aposta principalmente na mistura dos contraditórios, que nos devolve isso que chamamos movência do centro, do centro semântico, do centro da cadeia discursivo-conceitual que sendo assim nos devolve significações sempre em trânsito, sem a busca de sua conformação que poderia ser assentada pelas palavras seguintes, mas que devido à presença deste centro que distensiona, o que se tem de volta são significados fugazes, que não se fixam.

Mais do que a humanização de Deus, vê-se aqui sua personificação, sua humanização, sua animalização. Este dado completa o jogo cênico que Hilst monta no livro: ora a voz poética pede, agradece, a deus o seu esquecimento; ora o provoca dando-lhe atributos humanos mais baixos (a crueldade, o sadismo etc). Hilst coloca às claras este paradoxo de sua escrita, quando responde a uma entrevista:

 

Você crê em Deus?

Absolutamente. Absolutamente.

E você tem a coragem de provocá-Lo assim?

Penso que ele me ama quando o provoco. Eu absolutamente creio em Deus.[126]

 

 

           


PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO TERROR/MEDO

PARA UMA ECONOMIA ESTÉTICA DO EXCESSO: DINÂMICA SIMBÓLICA III

SOBRE A TUA GRANDE FACE (1986): DEUS - DO TERROR/MEDO AO EXCESSO

 

   O conceito cristão de Deus – Deus como Deus dos doentes, Deus como aranha, Deus como espírito – é um dos conceitos divinos mais corrompidos que se têm obtido na terra; até representa, talvez, o nível mais baixo na evolução descendente do tipo divino. Deus degenerado em contradição da vida, em vez de ser a glorificação dela e o seu si eterno. Declarar a guerra em nome de Deus, à vida, à natureza, à vontade de viver! Deus, a fórmula para todas as calúnias do “lado de lá”, para todas as mentiras do “lado de cá”. O nada divinizado em Deus; a vontade para o nada santificada!...[127]

 

Nietzsche

 

        

 

AS FIGURAÇÕES DE DEUS: OPACIDADE E VOLÚPIA

 

Então me veio assim: Deus é quase sempre essa noite escura, infinita. Mas ele pode ser também um flamejante sorvete de cerejas. É uma escuridão absoluta, mas de repente te vem uma volúpia doce lá dentro. Como se fosse esse sorvete de cerejas. Te vem o gosto de um divino que você não sabe nomear. [128]

 

 

Dizer sobre a impossibilidade de compreender Deus, que quase sempre é uma infinita noite escura, segundo a poeta, é também dizer sobre a possibilidade de vislumbar uma volúpia, o flamejante sorvete de cerejas, escondida dentro deste pensar a idéia de Deus.

Hilst coloca suas refexões sobre a divindade neste trânsito paradoxal entre o impossível de se ver, e o que se vê mas não se pode tocar.

Cada visão da divindade pode causar sofrimento e pânico, mesmo que nos esforcemos muito para vê-la. A divindade, na obra de Hilda, é multifacetada, aparecendo sobre múltiplas máscaras: a crueldade, o sem rosto, o sem nome, o cara escura, a busca, o indiferente, o que não podemos conhecer. Perseguir, nesta múltipla metamorfose de máscaras, um informe rosto do divino, é o que a poeta almeja. Para tanto, o que se faz é um exercício constante de busca das palavras, imagens, metáforas que possam preencher esse rosto vazio com o possível contorno de um semblante.

Em Sobre a tua grande face, a poeta faz seu exercício de busca do que é perfeito e  harmonioso, mas que o próprio ser humano não é capaz de nomear. Este livro, para Hilda, é uma caminhada sem fim em busca de Deus, representado pela perfeição. A busca poética hilstiana é realizar, pela palavra, esse caminho em direção à perfeição, e portanto, nomear o inominável. Daí, então, a riqueza verbal para designar os nomes de Deus.

 

Dos 10 poemas que compõem Sobre Tua Grande Face, o mínimo que se pode dizer é que são de uma espantosa densidade humana e espiritual. Foram vividos a fundo e dolorosamente, e revelam uma espécie de júbilo interior somente compreensível se considerando o abandono e o despojamento que informam a vivência mística.[129]

 

Encontra-se, nos poemas, um movimento ascendente do poeta em direção à divindade (Cara Escura, Sem Nome, DESEJADO), concomitante a um movimento descendente da divindade em direção ao humano, à corpórea fantasia do homem, que almeja entender a sua dimensão divina, e ao mesmo a dimensão humana de qualquer representação da divindade. A tensão metafórica deste livro é gerada pelo quiasmo entre esses dois movimentos, e se faz no representar a relação divino-humano em tons ora elevados, ora rebaixados.

Este trânsito, que aparece em algns momentos, entre o divino e o humano, entre o sagrado-profano, marcado pela oscilação entre o registro alto e baixo da linguagem, do discurso, é o que dá também a dimensão erótica dos poemas. Aqui se constrói esse espaço mental da busca, onde se mesclam o pensar/sentir da poeta. Temos a impressão paradoxal de um certo descontrole do texto poético, gerado pelo excesso imagético-formal, que muitas vezes leva à opacidade referencial, ao mesmo tempo sentimos esse caráter racional, lógico do texto.

 

SOBRE A TUA GRANDE FACE (1986):  A EXPERIÊNCIA DO TRÂNSITO

 

   Nesse poema, verifica-se, de início, o tom da súplica. Os verbos que abrem boa parte dos versos estão no imperativo (honra-me, traduz, confunde, dá-me). Diria mais, que este procedimento caracteriza a prece. Seria este então um poema em que aparece o que Rudof Otto[130] denomina “sentimento do estado de criatura” que “consiste nos sentimentos de apagamento, diminuição e aniquilinamento de nós próprios. Contudo, deve prestar-se muita atenção ao fato de estas expressões só  de uma forma inexata e incompleta traduzirem o que queremos e, ao dizê-lo, não fazerem mais que indicá-lo”.

    O sentimento de estado de criatura é em Hilda Hilst a contraparte do “homem revoltado”, ou seja, enquanto criatura, o homem se rebela contra o numinoso ao mesmo tempo em que, consciente do seu estado, detecta o sagrado no numinoso.[131]

 

 

 

Os poemas de Sobre a tua grande face  embora possam nos dar a idéia de uma aparente humildade e contemplação, nos revelarão a aceitação da dificultosa tarefa de nomear as relações entre o sagrado e o profano, elevando-se o humano a uma posição eqüidistante entre o homem e a divindade. Neste passo interpretativo, tentarei reunir as obsessões temáticas de Hilst em sua poesia: de um lado, o tempo; de outro, as figurações de deus, do amor (afetos), da morte.

Em seguida, descrevo um pouco dos desdobramentos destas reflexões na poesia hilstiana.[132] Para tanto, inicio com o poema de abertura de Sobre a Tua Grande Face.

                                  

Honra-me com teus nadas.

Traduz meu passo

De maneira que eu nunca me perceba.

Confunde estas linhas que te escrevo

Como se um brejeiro escoliasta

Resolvesse

Brincar a morte de seu próprio texto.

Dá-me pobreza e fealdade e medo.

E desterro de todas as respostas

Que dariam luz

A meu eterno entendimento cego.

Dá-me tristes joelhos.

Para que eu possa fincá-los num mínimo de terra

E ali permanecer o teu mais esquecido prisioneiro.

Dá-me mudez. E andar desordenado. Nenhum cão.

Tu sabes que amo os animais

Por isso me sentiria aliviado. E de ti, Sem Nome

Não desejo alívio. Apenas estreitez e fardo.

Talvez assim te encantes de tão farta nudez.

Talvez assim me ames: desnudo até o osso

Igual a um morto.[133]

 

Primeiramente, saliento que o texto poético de Hilst se faz numa aparente distração, desatenção com o “racional”, com o “lógico”. Quero dizer com isso que mesmo quando da aparição do metalingüístico na poesia hilstiana sempre teremos a impressão de um discurso movente, ao léu de si mesmo, raramente encontramos estabelecido e visível esse “controle” racional do texto. Mas quando lemos mais atentamente os poemas, percebemos como há uma ótica avessa em que o poema também pode ser lido, ganhando nova significação.

Nesse poema, o que uma primeira leitura nos dá é a idéia  de um suposto “eu”-humano humilde, pedindo ou rogando, implorando, a Deus que lhe dê a possibilidade de exercitar até o limite de seu corpo essa própria humildade e anonimato, marcado inclusive pelo fato desse sujeito denominar Deus como um “brejeiro escoliasta que brinca a morte de seu próprio texto”. Livre de qualquer atributo que possa denotar vaidade, frivolidade, esperança de não solidão, é o que este “eu”, neste desamparo e nudez absolutos pode encarar o Deus. O modalizador final (talvez) é índice de uma potencial quebra desse desamparo, mas não a sua certeza. O deus talvez ame o ser, agora “igual a um morto”.

Esse primeiro “resumo” do poema seria o resultado, segundo creio, do impacto de uma primeira leitura. Quanto a mim, foi o que me aconteceu.

Reler é antes de tudo relembrar, recordar, revisitar quadros já fixados no tempo. E relendo o poema, ficará mais claro o quanto esta primeira leitura é a verdade do primeiro impacto, mas pode ser enganosa. Passo, assim, relendo, da paixão (sofrimento) primeiro, da empatia, do patético para uma compaixão que demonstra já um recuo feito, para que se mergulhe de novo neste “sofrer” agora já não mais mergulhado no choque primeiro da linguagem.

Proponho uma outra leitura: antes de suplicar, pedir que lhe sejam dadas todas estas coisas, o eu ordena, determina, inquire o Deus: ele diz honra-me – traduz - dá-me - formas verbais imperativas que poderiam ser atenuadas (para dar ou reforçar a idéia de súplica), por exemplo, dizendo que vós/tu me dai/dê ou possa me dar etc. Aqui, o uso dos modalizadores <que> e do <possa me> como atenuadores da função do imperativo.

Ora, o imperativo pode ser interpretado como uma característica da prece, como o fez Gabriel Arcanjo S. Albuquerque[134] mas também é uma forma verbal que caracteriza uma ordem, embora possa nos soar uma ordem um tanto estranha pedirmos a desgraça, mas mesmo assim continua sendo uma ordem, o que desloca o sujeito de uma suposta posição de inferioridade, ou de humildade, para igualá-lo ou aproximá-lo do Deus.

Gabriel Albuquerque percebe nesse poema um tom de súplica, dizendo que nele aparece o “sentimento de estado de criatura”, de que fala Rudolf Otto, que consistiria num sentimento de apagamento, diminuição e aniquilamento de nós mesmos.  Ora, penso que essa idéia deve ser matizada, senão corre-se o risco de se perder o trânsito (subterrâneo ao poema, implícito, pouco observável num primeiro impacto de leitura) entre o sagrado e o profano que marca o poema, distendendo suas significações.

Afirmo isso, porque toda a relação entre o humano e o divino, que aparece na obra de Hilst, sempre estará pautada por esta tensão significativa que muitas vezes unirá, num só lance de significação, as figurações do humano e do divino, retomando a idéia cara à escritora de que os deuses dependem do homem para que sobrevivam.

Essa relação entre o sagrado e o profano, quando reatualizada nos ritos, no sacrifício cristão, tem a mediação pelo sacerdote, como nos explicita Marcel Mauss, mas quase com os mesmos efeitos que os ritos de nossos antigos antepassados. O antropólogo francês escreve:

 

Mas se o sacrifício é tão complexo, de onde lhe pode vir sua unidade? É que no fundo, sob a diversidade das formas de que se reveste, é sempre feito segundo um mesmo processo que pode ser empregado para as mais diferentes finalidades. Este processo consiste em estabelecer uma comunicação entre o mundo sagrado e o mundo profano por intermédio de uma vítima, isto é, de uma coisa destruída no decurso da cerimônia. (...) A vítima não chega necessariamente ao sacrifício com uma natureza religiosa, acabada e definida; é o próprio sacrifício que lhe confere. Portanto, ele pode dar-lhe as virtudes mais diversas e torná-la assim apta a desempenhar as funções mais variadas, seja em ritos diferentes, seja durante um mesmo rito. Pode igualmente transmitir um caráter sagrado o mundo religioso ao mundo profano ou inversamente; ela é indiferente ao sentido da corrente que a atravessa.[135]

 

Sendo assim, para fechar a leitura do poema, entro num tópico que será esclarecedor: Deus é chamado por tu e não por vós, o que por si só já determina uma proximidade e intimidade bem distante daquela idéia primeira de um deus nas alturas para o qual se dirigem súplicas.

Some-se, a essas características descritas, a presença do modalizador como se que imprime este caráter de irrealidade aos enunciados que lhe seguem, além de marcar a ambigüidade: quem é o brejeiro escoliasta? o eu? o próprio Deus?

As duas leituras poderiam ser as seguintes: o poeta é um brejeiro escoliasta que brinca a morte de seu próprio texto; Deus é um brejeiro escoliasta que brinca, no teatro do mundo, a morte de sua própria criação, o homem.

Por fim, a idéia da humildade e desamparo absolutos (de uma primeira leitura) é quebrada pelo fato de o eu quase ordenar a Deus que lhe dê toda essa avalanche de ausências, de desgraças, para que assim possa talvez coroá-lo com a lembrança de sua singularidade de vítima.

 

Talvez assim te encantes de tão farta nudez.

Talvez assim me ames: desnudo até o osso

Igual a um morto.[136]

 

Perceba-se que farta nudez e desnudo até o osso / igual a um morto não só remetem a uma paradoxal vivificação ou singularização do sujeito, enquanto vítima, como também poderia ser lido como um duplo paródico da própria imagem do Cristo (o filho divino) enquanto imagem fixada pela tradição cristã da vitimização, o cordeiro de deus. Ora, nessa leitura, equiparar-se enquanto eu discursivo à imagem crística vai absolutamente contra a idéia inicial de humildade nele presente.

O poema poderia ser lido como uma reversão paródica da fala de Santa Teresa D’Ávila: “Muero porque no muero”.[137] Em Hilst, seria: “Não morro, se morro”, porque é pela encenação dramática de sua própria morte, pela sua completa anulação ou aniquilamento enquanto ser, que o poeta vê a possibilidade de ser amado pelo Deus. Aí, um movimento próximo ao “ser não sendo”,[138] de que nos fala Vladimir Jankélévitch.   

Falando do estado de feliciade, de êxtase, do fluxo vaporoso dos movimentos interiores da experiência, e da dramatização desta experiência, por exemplo, com os Exercícios de santo Ignácio, diz Bataille que estes Exercícios são em si mesmo um teatro:

 

Qu’on se figure le lieu, les personnages du drame el le drame lui-même: le supplice auquel le Christ est conduit. Le disciple de saint Ignace se donne à lui-même une représentation de thêatre. Il est dans une chambre paisible: on lui demande d’avoir les sentiments qu’il aurait au Calvaire. Ces sentiments, on lui dit qu’en dépit de l’apaisement de as chambre, il devrait les avoir. On le veut sortir de lui-même, dramatisant tout exprès cette vie humaine, dont à l’avance on sait qu’elle a des chances d’  être une futilité à demi anxieuse, à demi assopie. Mais n’ayant pas encore une vie proprement intérieure, avant d’avoir en lui brisé le discours, on lui demande de projeter ce point dont j’ai parlé, semblable à lui – mais plus encore à ce qu’il veut être – en la personne de Jésus agonisant. La projection du point, sans le christianisme, est tenté avant que l’ésprit ne dispose de ses mouvements intérieurs, avant qu’il ne soit libérté du discours. C’est seulement la projection ébauchée, qu’on tente, à partir d’elle, d’atteindre l’experiénce non discoursive.[139]

 

Aí, penso, seguindo este caminho interpretativo, poderíamos estabelecer algumas  derivações de como se dá a representação da imagem divina na obra poética de Hilst. E o modo singular como ela procede a uma invenção do divino: um deus sedutor, que participa do gozo da criação, uma figuração de um Deus com humor, um Deus que está num lugar eqüidistante entre o humano e o divino. Um Deus, por fim, absolutamente diferenciado, um Outro Deus diverso do que a mitologia cristão costuma narrar. Um Deus humano, absolutamente humano, como diria Nietzsche, que se relaciona com um ser humano, absolutamente divinizado. Aí, penso, a grande colaboração de Hilst para a invenção do divino.

 

 

O que me vem, devo dizer-te DESEJADO,

Sem recuo, pejo ou timidezes. Porque é mais certo mostrar

Insolência no verso, do que mentir decerto. Então direi

O que se coleia a mim, na intimidade, e atravessa os vaus

Da fantasia. Deito-me pensada de bromélias vivas

E me recrio corpórea e incandescente.

Tu sabes como nasceu a idéia das pontiagudas catedrais?

De um louco incendiando um pinheiro de espinhos.

Arquiteta de mim, me construo à imagem das tuas Casas

E te adentras em carne e moradia. Queixumosa vou indo

E queixoso te mostras, depois de te fartares

Do meu jogo de engodos. E a cada noite voltas

Numa simulação de dor. Paraíso do gozo.[140]

 

 

Finalizo, com Emile Cioran, cujas palavras são límpidas e concisas e breves e exatas. Dispensam, portanto, qualquer comentário:

 

Extraordinaire douceur à la pensée qu’étant homme, on est né sous une mauvaise étoile, et que tout ce qu’on  a entrepris et tout ce qu’on va entreprende sera choyé par la malchance.

 

Ce qu’on appelle instinct créateeur n’est qu’une déviation, qu’une oerversion de notre nature: nous n’avons pas été mis au monde pour innover, pour bouleverser mais pour jouir de notre semblant d’être, pour liquider doucement et disaparaître ensuite sans bruit. [141]

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

T E R C E I R O     A P A R T E

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




FECHAMENTOS: GRETAS

 

Somos imperfeitos, nosso corpo frágil, a carne é mortal e corrompível. Mas por isso mesmo aspiramos a algo que não tenha essa desgraçada precariedade: a algum gênero de beleza que seja perfeita, a um conhecimento que valha para sempre e para todos, a princípios éticos que sejam absolutos. Ao levantar-se sobre as duas patas traseiras, este estranho animal abandona para sempre a felicidade zoológica e inaugura a infelicidade metafísica que resulta de sua dualidade: absurda fome de eternidade em um corpo miserável e mortal.[142]

 

ERNESTO SÁBATO

 

 

Neste momento, a partir de algumas discussões relacionadas à poesia de Hilst, traçarei possíveis alargamentos interpretativos, no intuito de resgatar e ampliar alguns movimentos descritos ao longo de meu texto.

De início, reitero o estranho ilhamento da obra hilstiana (ao menos durante muitas décadas) do universo dos estudos acadêmicos. Afora algumas vozes e textos isolados, a obra de Hilst nunca teve uma crítica regular e exaustiva, como pudemos perceber. Isso talvez se deva à singularidade de sua produção e à forma como seus livros foram publicados. As oito peças de teatro da escritora são um caso à parte, pois ficaram inéditas durante mais de três décadas, e mesmo depois de terem sido publicadas despertaram pouco interesse dos estudiosos.

Mesmo hoje, quando se fala da obra de Hilst, há muitos senões. Os que gostam da prosa, por exemplo, podem estranhar a trilogia dita erótica, ou a “normalidade” da poesia hilstiana. Outros, muitas vezes, consideram os poemas, que aparecem na prosa, como uma espécie de excrescência do texto, ou vice-versa. Podem considerar, por exemplo, um conto como “Rútilo nada”, simplesmente uma moldura para os poemas finais.

A grande dificuldade de estudar a obra de Hilst é justamente essa, o trânsito entre a literatura bem comportada, dentro dos cânones, a releitura da tradição, e um minar estes mesmos cânones, de um modo tímido, na poesia e no teatro, e de um modo radical e contundente, na prosa.

Mas é preciso dizer que esse minar é sempre “de dentro”, que Hilst é antes de tudo uma poeta tradicional, uma grande contadora de estórias, e tem um conhecimento dos meios estilísticos clássicos de todos os gêneros. Nesse sentido, pode-se ler a obra de Hilst como uma grande paródia de si mesma, num movimento entrópico de auto-destruição. Isso é abertamente exposto, na prosa, gênero no qual a escritora ri, parodia, brinca com o escrever bem. 

Embora eu tenha feito isso com a poesia hilstiana, sei que dividir uma obra em um antes e um depois é temerário, porque pode dar a falsa idéia de que há saltos qualitativos bruscos na linguagem de um escritor, ou limites temáticos facilmente identificáveis. Por isso, segundo creio, o mais prudente é enfatizar sempre que as divisões em fases ou momentos cumprem um papel didático.

Além disso, é preciso dizer que quando isto é feito, é no intuito de ressaltar um movimento mais geral da obra, essa espécie de grande angular que permite demarcar minimamente alguns recursos estéticos mais constantes e enfoques temáticos mais evidentes de uma obra. O que não se pode perder de vista, no entanto, é que uma obra se faz de rupturas e descontinuidades, de derivações e revisitações a temas e recursos estéticos, até que a linguagem de um autor ganhe uma autonomia singular, diferenciando-se de tal forma que o diálogo, que ele trava com escritores do passado, se faz um paradoxal monólogo com “voz-múltipla”.

Embora a poesia hilstiana se faça, em grande parte, espelhada nos moldes da tradição, seja na referência direta às formas literárias (sonetos, baladas, cantares), o grau de subversão que essa poesia apresenta merece ser colocado em primeiro plano da cena crítica. Isto se dá porque Hilst usa a forma, o topos da tradição, mas o cuidado que devemos ter é o de não aceitá-lo como mera repetição. COYTA, por exemplo, é aliado à ironia etc. Escreve, por exemplo, um ciclo de poemas intitulado “Sonetos que não são” etc.

Dito isto, retomo toda essa rede de relações estético-temáticas que teci até então, para pensar em outras possíveis tramas, outros alinhaves ou suturas que Hilda Hilst faz em sua poesia.

Recordo que o recurso mais utilizado por Hilst, em sua poesia,  é uma intensa dialogação com um interlocutor que às vezes é humano, mas na maioria dos casos é uma abstração, duplo da própria consciência da poeta. Desse modo é que a idéia de Deus, da Morte, da Vida, do Desejo, da Paixão, do Amor muitas vezes se materializarão, se personificarão em formas viventes.

A importância desse recurso é que ele rebaixa à dimensão palpável e às vezes humana todas estas idéias, e ao mesmo tempo eleva a poeta a um estado além de sua própria dimensão humana. Esse processo é o que permite à poeta uma apreensão mais profunda/multifacetada, uma comunicação e um embate mais diretos e próximos com os conceitos e sentimentos mais abstratos do ser humano.

Entre as economias dos afetos, do terror e do excesso, Hilst tece, transitando entre aberturas e fechamentos temático-conceituais, um verdadeiro labirinto da malha textual. Dividir, portanto, os livros por “feixes temáticos” é producente para a análise, para evidenciar alguns recursos estilístico-temático-formais que Hilst decanta em sua poesia, mas é, claro, é coisa provisória e redutora, se não se pensar nos muitos trânsitos possíveis entre estas três economias.

 

A sétima parte de Júblio, memória, noviciado da paixão, intitulada “Poemas aos homens de nosso tempo”, é um primeiro trânsito discursivo, que dialoga, retrospectivamente, com o teatro da escritora e, prospectivamente, com os Poemas malditos, gozos e devotos e com a terceira parte de Amavisse.

Na última parte de Júbilo, memória, noviciado da paixão, a questão do afeto se expande, para que a compaixão pelo outro entre em cena, coisa do afeto pouco afeita ao “homem político”, pelo que se depreende da leitura dos poemas, pois este apaga em si qualquer traço de afeto. Em Poemas malditos, gozosos e devotos e Amavisse o outro do homem é Deus, cuja imagem (num espelhamento invertido) é feita à semelhança do próprio homem. Esse Deus cruel que Hilst descreve nada mais é do que um “humano, demasiado humano”.

A crueldade, a tensão da morte e da vida, pensada em termos da razão das economias simbólicas, não dá espaço para a soteriologia, só para uma amarga ironia que pensa o tempo nas calhas de umas paradoxal metafísica do mundano/do profano.

 

POTLATCH: O PODER DE PERDER

 

Em 1989, com a publicação de Amavisse, segundo a própria Hilda Hilst, ela supostamente se despediria (o que depois não seria confirmado) da literatura séria. Para reforçar essa idéia de despedida, Hilst escreve o seguinte poema, que seria uma espécie de testamento lírico ou de epitáfio que marcaria a despedida, o “enterro” de sua literatura dita séria:

 

O escritor e seus múltiplos vêm vos dizer adeus.

Tentou na palavra o extremo-tudo

E esboçou-se santo, prostituto e corifeu. A infância

Foi velada: obscura na tela da poesia e da loucura.

A juventude apenas uma lauda de lascívia, de frêmito

Tempo-Nada na página.

Depois, transgressor metalescente de percursos

Colou-se à compaixão, abismos e à sua própria sombra.

Poupem-no o desperdício de explicar o ato de brincar.

A dádiva de antes (a obra) excedeu-se no luxo.

O Caderno Rosa é apenas resíduo de um Potlatch.

E hoje, repetindo Bataille:

“Sinto-me livre para fracassar.” [143]  

 

Ora, chamar O caderno rosa de Lori Lamby de “resíduo de um Potlatch”, acrescidos os índices de termos que se referem ao “Ensaio sobre o Dom”, de Mauss, via a leitura de A parte maldita, de Georges Bataille, tais como: dádiva, resíduo, excedeu-se no luxo, desperdício; significa uma altivez de considerar sua própria obra como uma grande obra = luxo.

Assim, permitir-se “queimar” esse luxo seria uma vitória do valor simbólico sobre o valor de troca.

Do mesmo modo que Hilda Hilst costumava citar em entrevistas o potlatch, referia-se também aos Cartuxos de Parma, monges italianos que escreveriam extensos tratados para depois destruí-los. O mesmo mecanismo de dispêndio, de desperdício simbólico pode ser visto nos tapetes de procissão, da ortodoxia cristã, feitos na época da semana santa, e nas mandalas tibetanas, cuja precisa confecção demora um tempo enorme, para depois serem literalmente destruídas.

“O poder de perder”, como Hilst denomina o potlatch, determina um acúmulo de beleza, riqueza simbólica que só o trabalho no tempo pode dar. Acúmulo esse que não tem nada a ver com a busca do prestígio, que como a própria escritora costumava repetir, vem de prestigium, prestigia, em latim, significando ilusão.

“Queimar”, destruir o poder que um trabalho literário pode nos dar, significa, portanto, matizar ou acabar com a própria ilusão, a vaidade de ter feito uma grande trabalho? Esta é uma pergunta que deixo em aberto.

Se Baudelaire compara o poeta ao Albatroz, Hilst compara o poeta ao porco. No mesmo Amavisse, o  poema de abertura que reúne a imagem do poeta à do porco. De novo, essa relação nos remete à escatologia, sendo preciso lembrar que além do trocadilho corpo/porco, o animal come as próprias fezes:

 

Porco-poeta que me sei, na cegueira, no charco

À espera da Tua Fome, permita-me a pergunta

Senhor dos porcos e de homens:

Ouviste acaso, ou te foi familiar

Um verbo que nos baixios daqui muito se ouve

O verbo amar?

 

Porque na cegueira, no charco

Na trama dos vocábulos

Na decantada lâmina enterrada

Na minha axila de pêlos e de carne

Na esteira de palha que me envolve a alma

 

Do verbo apenas entrevi o contorno breve:

É coisa de morrer e de matar mas tem som de sorriso.

Sangra, estilhaça, devora, e por isso

De entender-lhe o cerne não me foi dada a hora.

 

É verbo?

Ou sobrenome de um deus prenhe de humor?

Na péripla aventura da conquista?

 

Esse poema é sintomático desta mudança de “tom” da poesia “amorosa” (de afeto) de Hilst. O interlocutor, agora, é nada menos do que o próprio Demiurgo, um além-humano que é “desconhecedor”/”desinteressado”/ ”apático” ao “verbo amar”, que seria o motor de toda perpetuação da raça humana.

É preciso atentar que se no princípio era o verbo, e o verbo se fez carne, Hilst faz correr, neste poema, em paralelo, um discurso implícito, do qual o poema é como que canto paralelo, uma paródia que coloca às claras o avesso das palavras “sagradas”, da figuração da própria gênese da raça humana.

Ao se auto-definir como “porco-poeta”, a voz poética coloca-se numa posição discursiva mais rebaixada possível, além de referir-se ao modo violento como se mata o animal, vítima sacrificial. Este rebaixamento, no entanto, entra em choque com o tom elevado em que o poema é escrito, e ao mesmo tempo permite que se nomeie “senhor de porcos de homens” o suposto criador.

Ao ressaltar a violência da existência, do amar, a voz poética pergunta se a palavra é verbo ou sobrenome de um deus grávido de humor....

O poema de abertura de Amavisse é sintomático desta mudança de “tom” da poesia “amorosa” de Hilst. O interlocutor, agora, é nada menos do que o próprio Demiurgo, um além-humano que é “desconhecedor”/”desinteressado”/ ”apático” ao “verbo amar”, que seria o motor de toda perpetuação da raça humana.

Atentando-se para estes dados, o que se percebe é que embora haja a marca da austeridade, da reverência, “a hora dos trombones”, como Hilst define a poesia, a escritora nos dá também momentos de “deslizes“ fundamentais, que mancham a idéia de uma linguagem poética pura, elevada, e mais que isso, impossibilita uma leitura mais ingênua da poesia hilstiana. 

Além de macular a própria idéia de Hilst da poesia como um momento de pompa cerimonial, esta presença das palavras/conceitos menos nobres nesta poesia que se mantém (a maior parte do tempo) numa entonação grandiosa/alta, a presença do baixo/da excrescência na poesia dos livros de poesia, aponta ou liga esta poesia com a poesia que Hilst publicou em seus textos de teatro ou de prosa.

Aqui, darei um rápido panorama disto que falo. São aberturas necessárias, são fendas que desembocam em questões que permanecerão abertas no tempo.

 

 

O TRÂNSITO ENTRE O ELEVADO/ALTO E O BAIXO

 

Para início de conversa, começo ressaltando algumas marcas da presença do baixo registro discursivo na poesia de Hilst. Esta presença como que “eleva” ou desloca o lugar discursivo destas palavras/conceitos/discussões.

Em seguida, farei uma inversão deste percurso, mapeando sucintamente como aparece o alto registro discursivo, agora parodicamente (do que seria a literatura “séria”, que se ocuparia das questões “profundas” da alma humana) na trilogia erótica, que se ocuparia, na teoria ao menos, da matéria baixa.

Este salto servirá para mostrar como é possível perceber, quando se focaliza a obra de Hilst como um todo, como há uma grande ironia, disseminada ao longo dos textos, que se faz da crítica a esta divisão entre o alto e o baixo. Se na poesia isto é menos aparente, porque Hilst mantém, com poucas exceções, a linguagem num registro alto, na prosa e no teatro isso é algo que salta aos olhos.

Pontuo alguns momentos da poesia hilstiana em que a oscilação entre o alto e o baixo registro discursivo aflora.

 

 

 

I

 

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.

Antes, o cotidiano era um pensar alturas

Buscando Aquele Outro decantado

Surdo à minha humana ladradura.

Visgo e suor, pois nunca se faziam.

Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo

Tomas-me o corpo. E que descanso me dás

Depois das lidas. Sonhei penhascos

Quando havia o jardim aqui ao lado.

Pensei subidas onde não havia rastros.

Extasiada, fodo contigo

Ao invés de ganir diante do Nada.[144]

 

            - - - - - - - -

 

Tu sabes que serram cavalos vivos

Para que fiquem macias

As sacolas dos ricos?

Tu gozas ou defecas

Diante do ato sem nome

O rubro obsceno dessa orgia?[145]

           

Essa mistura do alto e do baixo estilo, presente na prosa de maneira exaustiva, na poesia madura de Hilst serve (nas poucas vezes em que aparece) como recurso de representação de um corpo que se pensa enquanto matéria, e o pensamento que quer se corporificar em palavra. Neste momento, retomamos a dimensão metafísica da obra poética de Hilst, que atinge seu pleno vigor em Sobre a tua grande face, de 1986.

Metafísica negativa, às vezes, que faz com que Hilst agregue, em sua poesia, a um só tempo, o alto e o baixo registros do discurso. Essa via de mão dupla forma, por vezes, cria uma estrutura de quiasmo conceitual, cujos fios discursivos podem apontar para uma reversão paródica do alto registro do discurso (Bufólicas) ou para um “rebaixamento” ou “recaída” do alto registro...

Alguns poemas, que aparecem na prosa “erótica” da escritora, nos permitirão entrever o modo com Hilst eleva, ao tom do sublime, pelo uso da linguagem, o que seria considerado “matéria baixa”. Desorganiza, desestabiliza, assim, os limites entre a alta e a baixa literatura.

            Cito, a seguir, três poemas que aparecem nos livros da chamada “Trilogia erótica”, de Hilda Hilst, para que o leitor tenha uma noção do modo como a escritora subverte/transgride os limites entre a divisão feita entre alta/baixa literatura. Nestes poemas, como se verá, Hilst usa uma linguagem altamente elaborada e refinada, para falar dos temas baixos.

Um poema de O caderno rosa de Lori Lamby (1989):

 

Araras versáteis. Prato de anêmonas.

O efebo passou entre as meninas trêfegas.

O rombudo bastão luzia na mornura das calças e do dia.

Ela abriu as coxas de esmalte, louça e umedecida laca

E vergastou a cona com minúsculo açoite.

O moço ajoelhou-se esfuçando-lhe os meios

E uma língua de agulha, de fogo, de molusco

Empapou-se de mel nos refolhos robustos.

Ela gritava um êxtase de gosmas e de lírios

Quando no instante alguém

Numa manobra ágil de jovem marinheiro

Arrancou do efebo as luzidias calças

Suspendeu-lhe o traseiro e aaaaaiiiiiii...

E gozaram os três entre os pios dos pássaros

Das araras versáteis e das meninas trêfegas. [146]


           

Um poema de Contos d´Escárnio. Textos grotescos (1990):

 

Devo lamber-te a cona, ó celerada

Ou torturar-te o grelo nas delongas?

Devo falar de Deus nas águas rasas

De teus parcos neurônios, ou te lamber

As coxas rúbias, glabras

Ou modorrar quem sabe no fastio

Das narrativas tuas sobre amantes teus

O tomanho das piças, o palrar dos panacas

Interjeições monistas (de monos, amada)

Que é o que foram os pulhas das tuas empreitadas.

Para alcançar orgasmos impudentes

Devo fazer que gesto, ó celerada?[147]

 

                       

Por fim, o único poema que aparece no livro Cartas de um sedutor (1991):

 

Cordélia, irmã, sai do teu claustro.

O campo envelhece vacas e mulheres.

Alimenta de novo os teus buracos

Com mastruços gentis, rombudas picas

Ou se conas quiseres para tua língua

Consigo-te às dezenas: conas maduras

Conas juvenis, conas purpúreas

Para teus represados sentimentos vis.

 

Foste antanho putíssima, celebérrima.

Talvez senhora em alguns parcos segundos.

Mas agora me vejo furibundo pois suspeito

Que fisgaste o paterno caralho

Nos teus buracos fundos. Traidora. Megera.

Amada Musa ainda. Hei de te arrebentar as rebembelas.

Retornarás mui breve à vida impura

Pois se há no mundo picas e querelas

A respeito de tudo, ah, Palomita, vem...

Aqui te espera um valhacouto imundo.[148]

 

 

PARA FINALIZAR COM AS ABERTURAS DOS FECHAMENTOS

 

Quanto à prosa de Hilst, um texto de Eliane Robert Moraes me ajudará a pensar o potencial de subversão do texto hilstiano. Embora essa subversão possa ser sentida mais claramente na prosa da escritora, é importante ressaltar sua presença na poesia (mesmo que apareça nesses poucos momentos elencados), para que fique claro que Hilst sempre transitou entre os dois registros discursivos, o alto e o baixo, sendo essa uma importante marca estilística que singulariza sua obra. Subversão que tomarei, agora, nos passos das palavras de Eliane, como uma degenerescência.  Precipitemos, então, esse final degenarado.

Eliane Robert Moraes,[149] num texto intitulado “A prosa degenerada”, em que comenta Contos d’Escárnio (publicado em 1990) , segundo livro da dita trilogia erótica, de Hilst, começa com uma pergunta presente no livro: "É metafísica ou putaria das grossas?". Segundo a autora, esta questão

 

(...) excede o contexto em que é formulada para oferecer uma chave de leitura desse livro inclassificável, que soma à desordem narrativa uma total anarquia de referências. Não se trata, em princípio, de responder à pergunta, mas antes de atentar para a ostensiva aproximação que ela realiza ao confrontar um termo filosófico com uma expressão das mais chulas.

 

Essa estranha aproximação percorre todo o texto de Hilst, voltando inúmeras vezes quando a autora coloca lado a lado citações da alta cultura e a mais deslavada pornografia. Assim, para Eliane, o livro “(...) propõe um contato inesperado entre pólos opostos, associando o exercício do conhecimento à atividade sexual. Yates, Kierkegaard, Pound, Lucrécio, Byron ou Catulo são citados ao lado de outros nomes célebres - incluindo figuras brasileiras como Guimarães Rosa e Euclides da Cunha -, enquanto os personagens se entregam a práticas eróticas perversas, às quais não faltam o incesto ou o sexo com animais.”

Eliane afirma que o livro de Hilst propõe uma resposta singular para as questões de fundo da literatura erótica. Ao valer-se do espírito satírico das “cantigas de escárnio”, da tradição medieval portuguesa, usando uma enorme gama de gêneros literários, Hislt gera uma paródia vertiginosa que lança mão de diversas referências textuais/autores e formas discursivas:

 

À proliferação de referências ao cânone acrescentam-se as mais diversas formas discursivas como diálogos, poemas, textos dramáticos, fluxos de consciência, receitas, comentários, fábulas, piadas e fragmentos de toda ordem - tudo isso somado a uma mistura babélica de línguas que só faz desnortear o leitor.

 

E é esse o dado que mais me interessa. Se em Contos d’Escárnio a escritora lança mão deste recurso para “complicar” a inserção do livro sob o rótulo de “pornografia”, fazendo uma espécie de paródia ao avesso do que seria o gênero, criando um descompassado ou um problema de catalogação do livro, ao brincar com as próprias normas do mercado para catalogar o “erótico/pornô”, ao mesmo tempo Hilst está colocando em xeque a própria economia literária em geral. Eliane afirma que: “Ora, levada assim ao extremo, tal estratégia vem perturbar o estatuto dos textos obscenos em relação ao movimento maior da literatura, o que, no limite, coloca em questão a própria economia literária em geral.” (grifo meu)

Em seguida, Eliane Robert Moraes passa à descrição disto que ela denomina degenerescência, ou seja, o obscurecimento dos limites da hierarquia dos dicursos, visto que nessa hierarquia a ficção erótico-pornográfica ocupa lugar pouco nobre, sendo considerada um gênero menor.

A aproximação do alto e do baixo gênero discursivos, aliada à aproximação do alto e do baixo temáticos, “(...) a insistente associação entre obscenidades e referências eruditas opera no sentido de nivelar os discursos em questão, embaralhando-os por completo. Por fim, essa subversão torna-se ainda mais intensa com a intrigante fusão de gêneros que o volume põe em cena.”

Para Eliane, a capacidade de trangressão do texto de Hilst está no notável poder de desvio da ficção erótica operado pela escritora, pois ela não reproduz qualquer convenção corrente, seja de gênero menor, seja de qualquer outro. Todos estes elementos arrolados por Eliane fazem do texto de Hilst um texto híbrido, sem gênero, um texto degenerado.

 

(...) É nesse ponto que se afirma a efetiva capacidade de transgressão do texto, manifesta numa perfeita sintonia entre forma e fundo: para responder aos dilemas da representação do sexo, mas sem acatar as restrições impostas à pornografia, a autora perverte as leis literárias, criando uma prosa em que os gêneros se degeneram. Uma prosa degenerada.[150]

 

           

METAFÍSICA NEGATIVA: DUPLA VIA ENTRE O ALTO E O BAIXO

 

Para finalizar, um texto de Alcir Pécora me ajudará a dar um contorno às questões sobre o alto e o baixo na obra de Hilst.  No ensaio “O corpo do texto”,[151] ao falar sobre o lugar do obsceno, na obra hilstiana, e não apenas no interior da trilogia erótica e de Bufólicas, Pécora afirma que é equivocado referir a obra dita pornográfica de Hilst como erótica, acrescentando que:

 

É seguramente a parte menos erótica de toda a sua profícua escritura. Segundo penso, o mais erótico está na produção poética de registro mais elevado, cujo movimento entre o sublime e o rebaixado estabelece as balizas de um desejo que resiste ao sexo e à ironia, emulando matrizes poéticas como as dos cantares bíblicos e da poesia mística seiscentista da península ibérica.

 

Vejamos como Hilst opera, no entender de Alcir Pécora, seu diálogo com a tradição literária. Comentando sobre os vários volumes que sairiam na coleção da obra reunida da autora, pela editora Globo (a partir de 2001), o crítico nos diz que:

 

Em larga medida, os textos de Hilda se efetuam como exercícios de estilo, isto é, eles fazem ou dizem o que lhes é próprio a partir do emprego e variação ostensiva de matrizes canônicas nos diferentes gêneros da tradição, como, por exemplo, os cantares bíblicos; a cantiga galaico-portuguesa; a canção petrarquista; a poesia mística espanhola; o idílio árcade; a novela epistolar libertina etc. - tudo submetido a deformações ostensivas de autores decisivos do século 20: a imagética sublime de Rilke; o fluxo de consciência de Joyce, a cena minimalista de Beckett, apenas para referir a trindade de escritores internacionais mais fácil de reconhecer em seus escritos. Ademais, como em A Obscena Senhora D, Hilda funde, num só texto, todos os gêneros que pratica: poesia lírica (seja em versos explícitos, seja imprimindo ritmo à prosa), teatro (fazendo com que, por exemplo, o fluxo de consciência tome forma dialógica) e mesmo crônica (ao comentar acontecimentos ou personagens conhecidos). Face a uma mestria que jamais dispensa a erudição, leitores exigentes não têm de que se queixar.

 

Essas questões expostas revelam não só uma dificuldade de “rotular” a obra hilstiana, como também as armadilhas que ela nos prega. Assim, temos, de algum modo, rematada uma possível leitura da obra poética hilstiana.

Essas palavras finais, que podem parecer uma grande digressão, vêm justamente repor o afirmei no início deste estudo: a poesia de Hilst, assim como toda sua obra, deve ser lida sob o signo da desconfiança, da descrença.

 

 

 

 


 

 

 

S O L U M

 

 

PARA UM COMEÇO DA PROSA

 

Emile Cioran

 

A poesia é ameaçada quando os poetas demonstram demasiado interesse teórico pela linguagem e a transformam em tema constante de meditação, ou quando lhe conferem um estatuto excepcional, que diz menos respeito à estética que à teologia. A obsessão pela linguagem, ainda muito forte na França, nunca foi tão virulenta e tão esterilizante quanto hoje: não se está longe de elevar o meio, o intermediário do pensamento, o único objeto do pensamento, e até o substituto do absoluto, para não dizer de Deus. Não há pensamento vivo, fecundo, que aja sobre o real, se a palavra substitui brutalmente a idéia, se o veículo importa mais que a carga que transporta, se o instrumento do pensamento é assimilado ao próprio pensamento. Para pensar realmente, o pensamento tem de aderir ao espírito. Caso se torne independente deste, se mostre exterior a ele, o espírito fica logo bloqueado, se torna vazio, e só tem uma saída: ele próprio, em vez de se ligar ao mundo para lhe extrair sua substância ou seus pretextos. Que o escritor realmente se abstenha de refletir demais sobre a linguagem, que evite a qualquer preço transformá-la em matéria de suas obsessões, que não esqueça que as obras importantes foram feitas a despeito da linguagem. Um Dante era obcecado pelo que tinha a dizer, não pelo dizer.[152]

 

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

BIBLIOGRAFIA DE HILDA HILST

 

POESIA

 

Presságio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1950.

Balada de Alzira. São Paulo: Edições Alarico, 1951.

Balada do festival. Rio de Janeiro: Jornal de Letras, 1955.

Roteiro do silêncio. Rio de Janeiro: Anhambi, 1959.

Trovas de muito amor para um amado senhor. São Paulo: Anhambi, 1960.

Ode fragmentária. São Paulo: Anhambi, 1961.

Sete cantos do poeta para o anjo. São Paulo: Massao Ohno, 1962.

Poesia (1959/1967). São Paulo: Sal, 1967.

Júbilo, memória, noviciado da paixão. São Paulo: Massao Ohno, 1974.

Da morte. Odes mínimas. São Paulo: Massao Ohno/Roswitha Kempf, 1980.

Poesia (1959/1979). São Paulo: Quíron/INL, 1980.

Cantares de perda e predileção. São Paulo: Massao Ohno / M. Lydia Pires e Albuquerque, 1983.

Poemas malditos, gozosos e devotos. São Paulo: Massao Ohno/Ismael Guarnelli, 1984.

Sobre a tua grande face. São Paulo: Massao Ohno, 1986.

Amavisse. São Paulo: Massao Ohno, 1989.

Alcoólicas. São Paulo: Maison des vins, 1990.

Do desejo. Campinas: Pontes, 1992.

Bufólicas. São Paulo: Massao Ohno, 1992.

Cantares do sem nome e de partidas. São Paulo: Massao Ohno, 1995.

Do amor. São Paulo: Edith Arnhold/Massao Ohno, 1999.

 

FICÇÃO

 

Fluxo-floema. São Paulo: Perspectiva, 1970.

Qadós. São Paulo: Edart, 1973.

Ficções. São Paulo: Quíron, 1977.

Tu não te moves de ti. São Paulo: Cultura, 1980.

A obscena senhora D. São Paulo: Massao Ohno, 1982.

Com os meus olhos de cão e outras novelas. São Paulo: Brasiliense, 1986.

Caderno rosa de Lori Lamby. São Paulo: Massao Ohno, 1990.

Contos d’escárnio. Textos grotescos. São Paulo: Siciliano, 1990.

Cartas de um sedutor. São Paulo: Paulicéia, 1991.

Rútilo Nada/A obscena senhora D/Qadós. Campinas: Pontes, 1993.

Estar sendo. Ter sido. São Paulo: Nankin, 1997.

Cascos e carícias: crônicas reunidas (1992 –1995). São Paulo: Nankin, 1988.       

 

DRAMATURGIA

 

Teatro reunido. São Paulo: Nankin, 2000, v.  I.

Teatro reunido. São Paulo: Nankin, a sair, v. II.

 

OBRAS REUNIDAS DE HILDA HILST – As notas introdutórias de todos os livros são de autoria de Alcir Pécora, professor de Teoria Literária na Unicamp.

 

POESIA

 

Júbilo, memória, noviciado da paixão. 1a ed. São Paulo: Globo, 2001.

Exercícios. 1a ed. São Paulo: Globo, 2002.

Bufólicas. 1a ed. São Paulo: Globo, 2002.

Exercícios. 1a ed. São Paulo: Globo, 2002.

Cantares. 1a ed. São Paulo: Globo, 2002.  

Da morte. Odes mínimas. 1a  ed. São Paulo: Globo, 2003.

Baladas. 1a  ed. São Paulo: Globo, 2003.  

Do desejo. 1a ed. São Paulo: Globo, 2004.  

Poemas malditos, gozosos e devotos. 1a  ed. São Paulo: Globo, 2005.

 

 

BIBLIOGRAFIA SOBRE HILDA HILST

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DICIONÁRIO INTERNACIONAL DE TERMOS LITERÁRIOS

DITL Dictionnaire International des Termes Littéraires - <http://www.ditl.info/>

Diretor Científico: Jean-Marie Grassin, Editor par informática: Joseph Fahey

 

 

                                                                                                                                            

 

 

 

 

 

 



[1] Apud: EVREMIDIS, Alexandros P. As Bufólicas da iconoclasta Hilda Hilst. Texto disponível em: <http://www.geocities.com/rioartecultura/hildahilst.htm> - Acesso 4 julho de 2005.

[2] HILST, Hilda. Do desejo. São Paulo: Globo, 2004. p. 42. Poema de abertura de Amavisse (1989).

[3] DERRIDA, Jacques. Paixões. Campinas, SP: Papirus, 1995. pp. 5-6. Grifos do texto.

[4] CIORAN, Emile M. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 11.

[5] Ver bibliografia no final da tese.

[6] Para conferir os dados de publicação desses textos, consulte-se a bibliografia da tese.

[7] PÉCORA, Alcir. O corpo do texto. Disponível em: <http://www.oficinainforma.com.br/semana /leituras-20020413/03.htm>. Acesso 28 set. 2004. MORAES, Eliane Robert. Da medida estilhaçada. In: INSTITUTO Moreira Salles. HILDA HILST. Cadernos de Literatura Brasileira. São Paulo, n. 8, out. 1999. pp. 114-126.    MORAES, Eliane Robert. A prosa degenerada. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 maio 2003.

[8] MIRANDA, Sueli de Melo. Frente à ruivez da vida (letra e transmissão na poesia de Hilda Hilst). (Mestrado em Letras, Estudos Literários). Minas Gerais, UFMG, 2003. p. 61. Grifos meus.

[9] PEDROSO, Braulio. Hilda Hilst e a poética. O Estado de São Paulo, São Paulo, 5 ago. 1961.

[10] Na verdade, Hilst não deixa de escrever poesia, entre estes anos. Ele escreve poemas, mas não publica um livro de poesia. Alguns dos poemas de Júbilo memória noviciado da paixão (1974) foram escritos em 1969. Ver: HILST, Hilda. Fluxo-floema. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 187.

[11] Expressão usada por Hilst. Conferir em:  ARÊAS, Vilma; WALDMAN, Berta. Hilda Hilst - o excesso em dois registros. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 7 out. 1989. KASSAB, Álvaro L. A poesia é a hora dos trombones. Diário do Povo, Campinas, 18 fev. 1990.

[12] HILDA, Hilst. Poesia (1959/1979). São Paulo: Edições Quíron / Instituto Nacional do Livro, 1980.

[13] RIBEIRO, Leo Gilson. Os versos de Hilda Hilst, integrando a nossa realidade. Jornal da Tarde, São Paulo, 14 fev. 1981.

[14] COELHO, Nelly Novaes. Da poesia. In: INSTITUTO Moreira Salles. HILDA HILST. Cadernos de Literatura Brasileira, São Paulo, n. 8, out. 1999. pp. 66-79.

[15] Idem, p. 67.

[16] Id. ibid., pp. 67-68.

[17] Hilda Hilst fica 7 anos sem publicar um livro de poesia, de 1967 até 1974.

[18] COLI, Jorge. Meditação em imagens. Folha de S. Paulo, São Paulo, 14 jun. 1996.

[19] HILST, Hilda. Do desejo. São Paulo: Globo, 2004. p. 26.

[20] Consultar: MIRANDA, Sueli de Melo. Frente à ruivez da vida (letra e transmissão na poesia de Hilda Hilst). (Mestrado em Letras, Estudos Literários). Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais, 2003.  A autora faz a seguinte anotação, na página 126 de seu trabalho: “Já em Sobre a tua grande face, de 1986, a escrita de Hilst formaliza a presença da opacidade. O ‘Sem Nome’, enquanto nome próprio, antes mencionado em Qadós como o sem-nome, situa-se no eixo desse livro de poesia.” Grifos meus.

[21] Livro no qual se encontram 20 poemas inéditos, e Amavisse, Alcoólicas e Sobre a tua grande face, livros de poesia de Hilst já publicados anteriormente.

[22] HILST, Hilda. Do desejo. São Paulo: Globo, 2004. p. 16.

[23] HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss de língua portuguesa. Instituto Antônio Houaiss. Impressão realizada em 26/12/2005.

[24] GIL, José. Métamorphoses du corps. Paris: Éditions de la Différence, 1985.

[25] MAUSS, Marcel. Essai su le don – forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques. Sociologie et antropologie, quatrième édition, Paris: Presses Universitaires de France, 1968. pp. 143-227.

[26] LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.

[27] Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Potlatch>. Acesso em 20 janeiro 2006.

[28] BATAILLE, Georges. A parte maldita. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

 

[29] ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano – a essência das rreligiões. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. p. 15-16. Grifos meus.

[30] HILST, Hilda. Do desejo. Op. cit., p. 20.

[31] HILST, Hilda. Do desejo. Op. cit., p. 34. 

[32] GRAIEB, Carlos. Hilda Hilst expõe roteiro do amor sonhado. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 ago. de 1995. Cito a fala de Hilda: “Tenho vontade do barroco, uma volúpia com a língua.”

[33] Sobre as possibilidades de retomar uma dicção elevada para a poesia brasileira, depois do modernismo, Alcir Pécora afirma que a poesia de Hilst investe em duas estratégias: uma é a da poesia órfica, com matriz em Rilke; a outra é “(...) uma espécie de cantar à antiga, um gosto de antigualhas que está perfeitamente nítido, por exemplo, em Roteiro do silêncio, de 1959, e em Trovas de muito amor para um amado senhor, de 1960. Neles, a persona lírica finge ser a amiga medieval ou a pastora quinhentista, edificando cenários longinquamente amenos, visões mentais da tradição, que, entretanto, ecoam dissonantes. (...) Não raro, a ironia se solta, quase desabrida, e contamina a imaginação do amor, que se queria delicada e branda. A persona lírica põe-se, então, do outro lado da fronteira que abriga as moças donzelas e a vida burqguesa do amigo, com seus filhos lindos e sua mulher, legítima e acinturada”. In: PÉCORA, Alcir. Nota do organizador. In: HILST, Hilda. Exercícios. 1a ed. São Paulo: Globo, 2002. pp. 7-8. Grifos meus.

[34] RIEGER, Angelica. La dialectique du réel et du poétique chez les trobadours. Les quatre “protagonistes” de la fin’amors. In: Revue de langue romanes. Montpellier, Université Paul Valéry, tome LXXXVII, 1983. pp. 241-257. Citação: pp. 241 e 243. Grifos meus.

[35] Conferir MORAES, Eliane Robert. Da medida estilhaçada. In: INSTITUTO Moreira Salles. HILDA HILST. Cadernos de Literatura Brasileira. São Paulo, n. 8,  out. 1999. pp. 114-126.

[36] PISA, Clelia e LAPOUGE-PETORELLI, Maryvonne. Brasileiras (voix, écrits du Brésil). Paris: Des Femmes, 1972. pp. 341-358.

[37] GONÇALVES, Delmiro. O sofrido caminho da criação artística, segundo Hilda Hilst. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 3 ago 1973. Grifos meus.

[38] BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 46.

[39] BATAILLE, Georges. L’experience intérieure. Paris: Gallimard, 1992. p. 137.

 

[40] BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita. São Paulo: Escuta, 2001. p. 59.

[41] BOJUNGA, Cláudio. Quatro conversas com o mistério Hilda Hilst. Jornal da Tarde. São Paulo, 24 jun. 1972.

[42] Figuratio, - onis, subs. f. II – Sentido figurado: imaginação, fantasia. Figuro, -as, -are, -avi, -atum, v. tr. I –II – Sentido figurado: conceder, imaginar, figurar, empregar figuras. In: FARIA, Ernesto. Dicionário escolar latino- português. Rio de Janeiro: FAE, 1988. pp. 223-224.

[43] HILST, Hilda. Da morte. Odes mínimas. São Paulo: Globo, 2003. p. 79.

[44] BORGES, Jorge Luis. Sete noites. São Paulo: Max Limonad, 1980. pp. 121-122.

[45] Idem, p. 27. “A fé poética é uma suspensão voluntária da incredulidade, disse Coleridge.”

[46] ELIAS, Norbert. Sobre el tiempo. México: Fondo de Cultura Económica, 1997. pp. 146-147.

[47] JANKÉLÉVITCH, Vladimir. Le pur et l´impur. Paris: Flammarion, 1960. Ver pp. 34 e 247.

[48] CIORAN, E. Caer del tiempo... In: La caida en el tiempo. Barcelona: Tusquets, 1998. pp. 159-170.

[49] Op. cit.; p. 34.

[50] “Trás haber echado a perder la eternidad verdadera, el hombre cayó em el tiempo, em el que logro, ya que no prosperar, al menos vivir: lo que es seguro es que se há amoldado a él. E proceso de esa caída y esse amoldamiento se llama Historia.” In: CIORAN, E. La caida en el tiempo (op. cit.); p. 167.

[51] Op. cit.; p. 160.

[52] Op. cit.; p. 162. Grifo do autor.

[53] SHAKESPEARE, William. 30 sonetos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. p. 75.

 

XXX

 

When to the sessions of sweet silent thought

I summon up remembrance of things past,

I sigh the lack of many a thing I sought,

And with old woes new wail my dear times’ waste:

Then can I drown an eye, unus’d to flow,

For precious friends hid in death’s dateless night,

And weep afresh love’s long since cancell’d woe,

And moan the expense of many a vanish’d sight:

Then can I grieve at grievances foregone,

And heavily from woe to woe tell o’er

The sad account of fore-bemoaned moan,

Which I new pay as if not paid before.

    But if the while I think on thee, dear friend,

    All losses are restor’d and sorrows end.

[54] SAFO. Safo de Lesbos. São Paulo: Ars Poética, 1992. p. 41.   

[55] MAUSS, M. Sociologie et antropologie. Paris: PUF, 1968. p. 351.

[56] GANS, Eric. Naissance du Moi lyrique. Du féminin au masculin. Poétique. Paris: Seuil, n. 46, avril 1981. pp. 129-139.

[57] Idem, p. 129.

[58] KRAUSZ, Luis S. Prefacio. In: SAFO. Safo de Lesbos. São Paulo: Ars Poética, 1992. pp. 9-13.

[59] Idem, pp. 12-13. Grifos meus.

[60] LYOTARD, J-F. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p. 17. Grifo meu.

[61] As duas palavras devem ser assim compreendidas: agonia, do grego, “luta contra a morte”; gozo, na acepção, usada por Bataille, de petite mort (pequena morte).

[62] BATAILLE, Georges. O erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987. p. 97.

[63] PÉCORA, Alcir. Nota do organizador. In: HILST, Hilda. Júbilo, memória, noviciado da paixão. 1a ed. São Paulo: Globo, 2001. p. 13. Os grifos são meus.

[64] RIBEIRO, Leo Gilson. O vermelho da vida. Veja. São Paulo, 24 abril 1974.

[65] DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p. 137.

[66] AMORIM, William. Não tenho alegria de ser brasileira. Diário Oficial. Estado de Pernambuco. Suplemento Cultural. Pernambuco, out. 1995.

[67] Conferir HILST, Hilda. Fluxo-floema. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 187.

[68] PÉCORA, Alcir. Nota do organizador. In: HILST, Hilda. Júbilo memória noviciado da paixão. São Paulo: Globo, 2001. pp. 12-13.

[69] LVII

 

Há este céu duro

Empedrado de ventos.

Eternidade és tu, meu ódio-amor

Senhor do meu sentimento.

 

Há este Nunca-Mais

Ancorado no Tempo.

E uma só tarde num aroma de ruas

De mogorim, de aves.

 

E há refrões e ágatas

Nas praças

Daquele paraíso de ilusões.

E barcas, pedras roladas

 

Extensos esgarçados

Eternidade de nós, meu ódio-amor

No SEMPRE-NUNCA MAIS.

 

[70] V

O Nunca Mais não é verdade.

Há ilusões e assomos, há repentes

De perpetuar a Duração.

O Nunca Mais é só meia-verdade:

Como se visses a ave entre a folhagem

E ao mesmo tempo não

(E antevisses

Contentamento e morte na paisagem).

 

O Nunca Mais é de planícies e fendas.

É de abismos e arroios.

É de perpetuidade no que pensas efêmero

E breve e pequenino

No que sentes eterno.

 

Nem é corvo ou poema o Nunca Mais.

 

VI

Tem nome veemente. O Nunca Mais tem fome.

De formosura, desgosto, ri

E chora. Um tigre passeia o Nunca Mais

Sobre as paredes do gozo. Um tigre te persegue.

E perseguido és novo, devastado e outro.

Pensas comicidade no que é breve: paixão?

Há de se diluir. Molhaduras, lençóis

E de fartar-se,

O nojo. Mas não. Atado à tua própria envoltura

Manchado de quimeras, passeias teu costado.

 

O Nunca Mais é a fera.

 

[71] HILST, Hilda. Júbilo, memória, noviciado da paixão. São Paulo: Globo, 2001. p. 52.

[72] SCHÜLER, D. Ancient Eros. Disponível em: <http://www.ditl.info/art/definition.php?term=1591> – Acesso em 27 de julho de 2004.

[73] HILST, Hilda. Júbilo, memória, noviciado da paixão. São Paulo: Globo. 2001. p.  80.

[74] Tradução livre minha. Ver: CATULO. O cancioneiro de Lésbia. São Paulo: Hucitec, 1991. pp. 64-65. Original: “Odi et amo. Quare id faciam, fortasse requiris. / Nescio, sed fieri sentio et excrucior.”

[75] HILST, Hilda. Cantares. São Paulo: Globo, 2002. p. 62.

[76] Idem, p. 91.

[77] WILLER, Cláudio. Amavisse, de Hilda Hilst: pacto com o hermético. Disponível em: <http://www.revista.agulha.nom.br/ ag43hilst.htm> - Acesso 4 de julho de 2005.

[78] Sem indicação de autor. A amarga tarefa de criar num país sem letras e sem poesia. Diário do povo, Campinas, 27 mar. 1988.

[79] OSEKI-DEPRE, Ines. En collaboration avec Jean-Marie Grassin. Verbete Saudade. In: Dictionnaire International des Termes Littéraires / Mode article. Disponível em: <http://www.ditl.info/art/ definition.php?term=3981> – Acesso em 7 de dezembro de 2005.

[80] DERRIDA, Jacques. Khôra.  Trad. Nícia Adan Bonatti. Campinas, SP: Papirus, 1995. p. 7 e 9-11.

[81] KRISTEVA, Julia. História da linguagem. Lisboa: Edições 70, 1977. p. 82.

[82] Amavisse. São Paulo: Massao Ohno, 1989.

[83] Não te visse (pretérito imperfeito do subjuntivo negativo); apreendo e respiro (presente do indicativo afirmativo)

[84] HILST, Hilda. Júbilo, memória, noviciado da paixão. Op. cit., p. 18.

[85] Idem, p. 53.

[86] JUNQUEIRA, Ivan. Sete Faces da Embriaguês. In: O Signo e a sibila, Rio de Janeiro, Topbooks, 1993. pp. 209.

[87] ARAÚJO, Celso. “Do desejo”. O Capital, Aracaju, 1986. 

[88] Consular: LLAPASSET Joseph. Nome do texto. In:  http://www.philagora.net/philo/desir.htm

    Faço um resumo de algumas idéias principais contidas neste texto.

[89] HILST, Hilda. Do desejo. Op. cit, p. 15.

[90] GRAIEB, Carlos. Hilda Hilst expõe roteiro do amor sonhado. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 ago. de 1995. (Entrevista).

[91] HILST, Hilda. Do desejo. São Paulo: Globo, 2004. p. 88. Poema V, da terceira parte, “Via vazia”, do livro Amavisse.

[92] HILST, Hilda. Cantares. São Paulo: Globo, 2002. p. 79.

[93] ALCOFORADO, Soror Mariana. Lettres portugaises. Lisboa: Livraria Bertrand, 1941. pp. 135-136.

[94] In: ALCOFORADO, Soror Mariana. Op. cit.. p. 142.

[95] Para maiores esclarecimentos, sobre o poema, sua construção, e outras idéias de Poe sobre a poesia, remeto o leitor a alguns textos.

   POE, Edgar A. Três poemas e uma gênese. Lisboa: &etc, 1985.          

   POE, Edgar A. Poemas e ensaios. Rio de Janeiro: Globo, 1985. “O corvo” aparece nas pp. 62 a 65. Sobre a teorização do fazer poético: “O princípio poético” (pp. 77-100); “A filosofia da composição” (pp. 101-112);  “Análise racional do verso” (pp. 113-156) e “De ‘marginália (excertos)” (pp. 157-176).

   Deste último texto, cito um trecho em que um aparente paradoxo aflora, pois nele Poe afirma que a teoria deforma as obras de arte, mas ele mesmo faz teoria:

   “Estudar o mecanismo de uma obra de arte, ver de perto suas engrenagens, seus menores detalhes, pode proporcionar certo prazer especial, mas um prazer de que não podemos gozar sem renunciar ao gozo dos efeitos pretendidos pelo artista. Na realidade, considerar as obras de arte de um ponto de vista analítico é submetê-las, de algum modo, àqueles espelhos do templo de Esmirna, que só refletiam as mais belas imagens, deformando-as.” (p. 166)

[96] Ver: RAIMBAULT, Ginette. A criança e a morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. pp. 153 e sgs. e 172 e segs.

  Para um enfoque dessa questão, remeto o leitor a BECKER, Ernest. A negação da morte. São Paulo: Círculo do Livro, s/d. Becker afirma que segundo Fenichel, “(...) as pessoas têm uma ‘aspiração a serem hipnotizadas’ justamente por quererem de volta a proteção mágica, a participação na onipotência, o ‘sentimento oceânico’ de que desfrutaram quando eram amadas e protegidas pelos pais.” Páginas 156-157, grifo meu.

 

 

 

 

[97] In: Cancioneiro de Resende, III, 134. Apud: LAPA, M. Rodrigues. Lições de literatura portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora Ltda, 1981. p. 446.

[98] CICCACIO, Ana Maria. Hilda Hilst, porque a palavra é fé. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 27 maio 1984.

[99] RIBEIRO, Leo Gilson. Hilda Hilst – Palavra por palavra, que poucos leram, ela criou um universo de abismos, angústias e beleza. Revista Goodyear, São Paulo, 1989. pp. 46-51.

[100] SÊNECA. As relações humanas: a amizade, os livros, a filosofia, o sábio e a atitude perante a morte. São Paulo: Landy Livraria Editora e Distribuidora, 2002. pp . 98-99 e 106.

[101] PY, Fernando. A grande incógnita. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 mar. 1981.

[102] Conferir verbete em FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. Conhecer: ter noção, conhecimento. Ter relações sexuais com.

[103] HILST, Hilda. Da morte. Odes mínimas. São Paulo: Globo, 2003. p. 30.

[104] Idem, p. 39.

[105] Idem, p. 44.

[106] GHAZZAOUI, Fátima.  O passo, a carne e a posse - Ensaio sobre Da morte. Odes mínimas  de Hilda Hilst. Op. cit.

[107] GHAZZAOUI, Fátima.  O passo, a carne e a posse - Ensaio sobre Da morte. Odes mínimas de Hilda Hilst. (Mestrado em Teoria Literária). São Paulo, Universidade de São Paulo, 2003. P. 121. Grifos meus.

 

[108] SCHÜLER, Donaldo. Hilda Hilst, vida/morte, mulher/homem. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 ago. 1982.

[109] HILST, Hilda. Da morte. Odes mínimas. São Paulo: Globo, 2003. p. 75.

[110] Da morte. Odes mínimas. São Paulo: Globo, 2001. p. 47.

[111] Idem, p. 29.

[112] HILST, Hilda. Da morte. Odes mínimas. São Paulo: Globo, 2001. p. 79.

[113] BECKER, Ernest. A negação da morte. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.

[114] Sem indicação de autor. A amarga tarefa de criar num país sem letras e sem poesia. Diário do povo, Campinas, 27 mar. 1988.

[115] In: HILST, Hilda. Do desejo. São Paulo: Globo, 2004. p. 99.

[116] Idem, p. 100.

[117] Idem, p. 101.

[118] Idem, p. 102.

[119] Idem, p. 103.

[120] Idem, p. 104.

[121] Idem, p. 106.

[122] Idem, p. 107.

[123] NIETZSCHE, F. O anticristo (estudo crítico sobre a crença cristã). Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1953. p. 70.

[124] LINDON, Mathieu. Hilda Hilst, la mère des sarcasmes. Libération. Paris, 17 nov. 1994.

[125] HILST, Hilda. Poemas malditos, gozosos e devotos. São Paulo: Massao Ohno/Ismael Guarnelli, 1984. Poema VII.

[126] BLUMBERG, Mechthild. Dieu aime qu’on le provoque!. In: Infos Brésil (no 167). Paris, 15 mars, 2001. p. 23. (ENTREVISTA)  Original: Vous croyes en Dieu? / Absolument. Absolument. / Et vous avez le courage de le provoquer comme ça? / Je pense qu’il aime bien qu’on le provoque. Je crois absolument en Dieu.

[127] NIETZSCHE, F. O anticristo (estudo crítico sobre a crença cristã). Tradução Dr. Carlos José de Menezes. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1953. p. 38. Os grifos são meus.

[128] ABREU, Caio Fernando. Deus pode ser um flambante sorvete de cereja. Revista Leia, São Paulo, jan. de 1987.

[129] JUNQUEIRA, Ivan. Hilda Hilst: as trevas luminosas da poesia. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 dez. 1986.

[130] NOTA MINHA. Conferir em: OTTO, Rudolf. O sagrado. Tradução de João Gama. Lisboa: Edições 70, 1992. p. 19 ss.

[131] ALBUQUERQUE, Gabriel Arcanjo Santos de. Deus, amor, morte e as atitudes líricas na poesia de Hilda Hilst. (Doutorado em Letras – Literatura Brasileira). São Paulo, Universidade de São Paulo - FFLCH, 2002. pp. 46-18.

[132] Para uma outra leitura desse mesmo poema, remeto o leitor à tese de ALBUQUERQUE, Gabriel Arcanjo de. Deus, amor, morte e as atitudes líricas na poesia de Hilda Hilst. Op. cit., pp. 46-54.

[133] HILST, Hilda. Sobre a tua grande face. São Paulo: Massao Ohno, 1986. Primeiro poema.

[134] Consultar: ALBUQUERQUE, Gabriel Arcanjo Santos de. Deus, amor, morte e as atitudes líricas na poesia de Hilda Hilst. Op. cit. pp. 46 e sgs.

[135] MAUSS, Marcel. O sacrifício do Deus. In: Ensaios de sociologia. Perspectiva: São Paulo, 2001. pp. 209-227. A citação está nas páginas 223-224. Grifos do texto.

[136] HILST, Hilda. Do desejo. Op. cit., p. 111.

[137] Apud COUTINHO, Afrânio. Do barroco. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ; Tempo Brasileiro, 1994. p. 90.  

[138] Apud: BROHM, Jean-Marie & LARRÈRE, Catherine & LASCOUMES, Pierre (orgs.). Les corps (sociétés, sciences, politiques, imaginaires). Paris: Belin, 1992. “L’homme est un irréversible en chair et en os! L’homme est un irréversible incarné: tou son ‘être’ consiste à devenir (c’est-à-dire à être en n’etant pas), et par surcrôit il devient (advient, survient, quelque fois même se souvient), mais ne revient jamais.” (p. 12)

[139] BATAILLE, Georges. L’experience intérieure. Paris: Gallimard, 1992. pp. 138-139.

 

[140] Idem, p. 112.

[141] CIORAN, Emile M. De l’inconvénient d’être né. Paris: Gallimar, 1973. pp.  164 e 167.

[142] SÁBATO, Ernesto.  O escritor e seus fantasmas. Rio de  Janeiro: Francisco Alves, 1982. p. 75.

[143] HILST, Hilda. Amavisse. São Paulo: Massao Ohno, 1989. O texto está na quarta capa do livro.

[144] Primeiro poema da primeira parte (“Do desejo”) do livro Do desejo. Campinas: Pontes, 1992. Grifo meu.

[145] HILST, Hilda. Amavisse. São Paulo: Massao Ohno, 1989. Sétimo poema da terceira parte, intitulada “Via Vazia”. Grifo meu.

[146] HILST, Hilda. Caderno rosa de Lori Lamby. São Paulo: Massao Ohno, 1990.  p. 86.

[147] HILST, Hilda. Contos d’escárnio. Textos grotescos. São Paulo: Siciliano, 1990. p. 90-91.

[148] HILST, Hilda. Cartas de um sedutor. São Paulo: Paulicéia, 1991. p. 11.

[149] MORAES, Eliane Robert. A prosa degenerada. In: Folha de São Paulo, São Paulo, 10 de maio de 2003. Jornal de Resenhas, Discurso Editorial/USP/UNESP/UFMG.

[150] Idem, ibidem. Grifos meus.

[151] PÉCORA, Alcir. O corpo do texto. Disponível em: <http://www.oficinainforma.com.br/semana/ leituras-20020413/03.htm> - Acesso em 28 de setembro de 2004. Todos os grifos são meus.

[152] CIORAN, E. M. Exercícios de admiração. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. p. 62. Grifos do texto.