LITERATURA PARA TODOS OS PALADARES |
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s sentimentos vastos não têm nome. Perdas, deslumbramentos, catástrofes do espírito, pesadelos da carne, os sentimentos vastos não têm boca, fundo de soturnez, mudo desvario, escuros enigmas habitados de vida mas sem sons, assim eu neste instante diante do teu corpo morto. Inventar palavras, quebrá-las, recompô-las, ajustar-me digno diante de tanta ferida, teria sido preciso, Lucas meu amor, meus 35 anos de vida colados a um indescritível verdugo, alguém Humano, e há tantos indescritíveis Humanos feito de fúria e desesperança, existindo apenas para nos fazer conhecer o nome da torpeza e da agonia. Mas indigno e desesperado me atiro sobre o vidro que recobre a tua cara, e várias mãos, de amigos? de minha filha adolescente? de meu pai? ou quem sabe as mãos de teus jovens amigos repuxam meu imundo blusão e eu colo a minha boca na direção da tua boca e um molhado de espuma embaça aquela cintilância que foi a tua cara. Grito. Gritos finos de marfim de uma cadela abandonada tentando enfiar a cabeça na axila de Deus. De uma cadela sim. Porque as fêmeas conhecem tudo da dor, fendem-se ou são desventradas para dar à luz e eu Lucius Kod neste agora me sei mais uma esquálida cadela, a morte e não a vida escoando de mim, musgos finos pendendo dos abismos, estou caindo e ao meu redor as caras pétreas, quem são? amigos? minha filha adolescente? meu pai? teus jovens amigos? Caras graníticas, ódio mudo e vergonha, palavras que vêm de longe, evanescentes mas tão nítidas como fulgentes estiletes, palavras de supostos éticos Humanos:
Constrangedor Louco Demente Absurdo Intolerável
Ducente Deo começo estes escritos deveria ter dito. Tendo Deus como guia, começo estes escritos deveria ter dito. Estou caindo mas sou erguido, aliali ali a porta eles dizem, não, é melhor por aqui, meus olhos olham o chão, sapatos pretos de verniz movendo-se afoitados sobre as tábuas largas, babas de mim, lenços cheirando a lavanda me comprimem a boca, alguém diz o carro deve estar ali mais adiante, meus olhos olham outro chão, folhas na manhã de ventos, outros sapatos e outras vozes coitado o que foi hein? tá demais branco o homem, olha ali, saiu de um velório, quem é que morreu? foi o filho dele foi? foi a mãe? saiam da frente, a gente precisa achar o carro, mas onde é que está o carro? ele está desfigurado, olha olha Desfigurado meu pai na madruga, o roupão de seda, listas negras, que elegância meu pai na madrugada, o roupão creme de seda e finas listas negras, a boca trêmula apagada no giz da própria cara: então anos de decência e de luta por água abaixo e eu um banqueiro, com que cara você acha que eu vou aparecer diante de meus amigos, ou você imagina que ninguém sabia, crápula, canalha, tua sórdida ligação, e esse moleque bonito era o namoradinho da minha neta, então vocês combinaram seus crápulas, aquele crapulazinha namorou minha neta para poder ficar perto de você. gosta de cu seu canalha? gosta de merda? fez-se também de mulherzinha com o moço machão? ele só pode ter sido teu macho porque teve a decência de se dar um tiro na cabeça, mate-se também seu desgraçado mate-se Onde os começos? Onde? Farpas pontudas emergindo do corpo dos conceitos. Antes o conceito redondo. Liso. Aquela pedra à beira do riacho, aquela que carregam para casa. Tenho que saber dos começos. Os atos não podem ficar flutuando, fiapos de paina desgarrados daquela casca tão consistente, a casca era firme, abriu-se, o delicado foi se desfazendo, círculos, volutas, assim pelos ares, desfazido. Posso deduzir que escapei da casca consistente, que eu estava encerrado ali, não, que o meu corpo era o fruto da paineira, todo fechado, e num instante abriu-se. Abriu-se por quê? Porque já era noite para mim e aquele era o meu instante de maturação e rompimento. Porque fui atingido pela beleza como se um tigre me lanhasse o peito. O salto. O pânico. O que é a beleza? Translúcida como se o marfim do jade se fizesse carne, translúcido Lucas, intacto, luz sobre os degraus ocres de uma certa escada na eloqüência da tarde pai, esse aqui é Lucas A sombra da barba um remoto azul, areia-anil num copo d'água ele gosta de muros, pai como? você ficou tão pálido... o que foi, pai? Minhas frases emboladas, não nada tudo bem só estava concentrado hein? não não sim sou jornalista, sim, comentários políticos, resenhas sobre ensaios, às vezes literatura sim, poesia? não nunca, poesia já é mais complicado Lucas faz História na universidade, pai, mas adora poesia, escreve poemas sobre muros você quer dizer os poemas nos muros? não não, falo dos muros nos meus poemas Move-se. Olha os meus livros. O indicador e o médio alisam as lombadas. Vejo-o de costas agora, é sólido, crível, nada de angélico ou inefável, e um novo ou talvez antigo e insuspeitado Lucius irrompe, dois escuros e contraditórios, aguçados e leves, violentos e sórdidos
Transitório, alguém disse, tudo passa, irmão. Escarros na calçada, dedos-garra nos meus antebraços, estico o pescoço e levanto a cabeça para os céus, escuros volumosos uma imensa cara, a boca escancarada de nuvens pardas, abro minha própria boca e grito LUCAS LUCAS ah era o filho é? foi o filho que morreu é? Fulcros ensangüentados, sustentáculos de mim oscilam de lá pra cá, pedaços de frases, a redação do jornal batalhões de elite treinados, é um artigo do Chomsky sim, transcreve isso: mulheres penduradas pelos pés com os seios arrancados, a pele do rosto também arrancada mas onde? onde? El Salvador, meu chapa batalhões de elite treinados, e quem é que treina os filhos da puta? os seios arrancados? mas quem é que treina? esse Chomsky é um lingüista? Transitório, alguém diz, puro excremento diz o outro, eu tenho nojo de gente ah... cara, são situações provisórias... que beleza de artigo hein? o Chomsky é um dissidente americano quanto à questão do Vietnã, lembra-se? ahn...
Beleza. O que era antes de ti a beleza para mim? O que era o nojo? Beleza... aquele poema de Baudelaire "Une Charogne", você conhece, Lucas? "Alors ô ma beauté! dites à la vermine Qui vous mangera de baisers, Que j'ai gardé la forme et l'essence divine De mes amours decomposés!" isso, isso Hoje à noite já não serás mais meu mas dessa fina e fecunda, Essa madrasta que engole tudo, Essa que toma transmuta, Essa escura e finíssima senhora, umidade, frescor, o grande ventre sem decoro recebendo o mundo, migalhas, excremento tripas teu adorado corpo luzente sem decoro, eu, um homem, suguei teu sexo viscoso e cintilante, deboche e clarão na lisura da boca, ajoelhado, furioso de ternura, revi como os afogados a rua do meu passo, a via teu adorado corpo luzente, a boca espessa, Lucas Lucas, a madrasta não roerá teu dentes... dentes? Ah... ficam intactos... mas o carro não está em lugar algum, mas então pega o teu carro, eu vou chamar uma ambulância, ele vai cair, vai desmaiar outra vez, não dá pra gente ficar segurando, deita ele aqui na calçada, deita O céu formando legiões de espadas, Lucas, não sei se você leu sobre Cartago alguma vez, mas havia uma tradição cartaginesa que não permitia a separação de sogro e genro, um costume que não permitia que sogro e genro vivessem afastados, e um capitão do exército apaixonou-se por um jovem, tornaram-se amantes apesar do falatório, um era casado e tinha filhas e fez com que o amante se casasse com uma delas... você parece que não está me ouvindo, está onde? tua filha vai sofrer, Lucius alguém vai sofrer? e não é ético ético? que criterioso e maduro para os teus 20 anos, ético é descobrir-se inteiro livre como me sinto agora. minha filha, se pudesse compreender, compreenderia nunca vai compreender. me ama. Voltaram ao coração os cães de gelo. Ali. Postados. Guardiães. Os olhos embaçados de furor, as presas cintilando. Cães de gelo. Ou lobos de olhar formoso inundados de cio. Ou um só lobo, Lucius Kod, preso numa armadilha jamais pensada, que oco de si mesmo tentou criar-se novo? Cansado de sua própria oquidão tentou verter humores, refazer-se em lago, em luz, mas torcido de ociosidade construiu para seu corpo um barco exíguo cravejado de espinhos, verdes espinhos de um ciúme opulento, úmidos longos espinhos aguçando sua própria matéria de carne, carne de Lucius antes era mansa e tépida, brioso corpo de antes tão educado respondendo rápido a qualquer afago, de mulheres naturalmente, ah sim, naturalmente, mulheres com discursos de várias qualidades, umas de língua altiva rinchando política e sabedoria (os antagônicos tentando semelhança), espigadas leves, as blusas soltas traduzindo plena liberdade, idéias, corpos elásticos, ágeis, e quantas vezes na cama despencando, gemendo, dóceis como pequenos animais doentes, tremulas encharcadas se abrindo famintas de sua dura vara, cadê o discurso, o critério, a bacia de idéias, cadê pombinha, cadê? às vezes você fala como se tivesse raiva das mulheres é mesmo, Lucas? não tinha percebido na hora da cama ninguém faz discurso. nós também não Mulheres. Finíssimas jovens mulheres, perfumadas lânguidas, transparências sombreando coxas, tetas, um olho na minha boca, outro no dinheiro do meu velho. Banqueiro sim. E você não trabalha no banco dele, não? Jornalista, é? Risadas. Meu pai: pederastas, vadios e vadias, escritorezinhos de merda, articulistas do meu caralho, você defende essa corja de apartados pára, pai viciosos, assassinos, miseráveis, e não me venha com discursos, com esse tipo de sensibilidade cretina, ou você pensa que a ordem se faz com choramingas, com coraçõezinhos partidos, com tremeliques, como é que você pensa que se faz uma fortuna, uma empresa de porte, um banco? trabalho e sagacidade rapacidade, não se esqueça filho da puta, eu que dei tudo o que você sabe, que paguei para que você fosse esse soi-disant culto, esse que destila idéias como se elas saíssem de um charco de podridão e de mentiras, como é que você pode provar que são eles que penduram as mulheres pelos pés, essa besteira toda que você repete nos seus artiguelhos muito bem, pai, você acha que o Chomsky é um crápula também Chomsky ou a puta que o pariu, então você não sabe que há interesses políticos nisso tudo, há vendidos, há nojentos da esquerda radical e também nojentos da direita radical isso é comigo? pai, será que você não percebe que um homem lúcido treme de furor, de cólera, de nojo quando sabe que um artigo desses vem de fonte limpa fonte limpa... como se você soubesse o que é isso fale mais claro mais claro é o que ando vendo, Lucas e você, afaste-se desse rapaz, me olha, Lucius, me olha, esse rapaz é o namorado da tua filha, o que é que você fala tanto com esse rapazola? amigos meus te viram várias vezes com ele nas ruas, nos bares e então? O rosto de meu pai é neste instante um tecido de púrpura enrugado e repulsivo, ofegante se aproxima de mim, torce minha camisa com seus dedos magros, o gesto é rancoroso e abrupto, o hálito de cigarro e hortelã é cálido sobre a minha cara. Eu não sou o que sou, digo para mim mesmo, como se jogasse nenúfares num tanque de águas podres. Eu não sou o que sou. Iago também disse isso. Não há nenhuma Desdêmona por aqui, mas há os desatinados finais de Otelo, o verde de lascívia luminosa, verde em mim fervilhante de larvas, de pontiaguda fereza, olho essa cintilância que é a tua cara e percebo pouco, ou será que não te vejo inteiro. Quem és, Lucas? Inteiríssimo poeta, de fiel construção, de realeza até, severo conceitos muito éticos - tua filha vai sofrer - e eu não sou o que sou, sendo este que sou agora, devo dizer que umas cordas feitas de sangue e plasma me amarram a ti, estou inteiro úmido de cólera porque vi que os teus olhos olharam o muito supostamente viril atravessando a rua e que o teu olhar foi de cumplicidade e de desejo e que os traços do teu rosto não são mais daquele inteiríssimo poeta, são vincos pesados e solenes sim, mas de um reles prostituto tensionado, Lucas? por quê? alguém atravessando a rua te olhou desejoso e perplexo, não foi? não, não vi Eu não sou o que sou, fico me repetindo, nem fêmea alguma e macho muito menos me colocaram aqui neste tempo onde estou, tempo desordenado, avessos de um rumo, grandes areias negras tumultuadas, cascalhos, brilhos então não viu? trocaram olhares e um não viu o outro? não, não vi Como é o rosto do cinismo? E o da leviandade? Vou andando, ele um pouco à frente e eu atrás, por quê? Para tomar distância e ver se o acreditam sozinho pela rua e tenham assim a abordagem, para ver de início o olhar distraído daquele que passa, e em seguida o tropeçante, o fascínio, o sedoso voltar-se das mulheres, a perplexidade desejosa dos homens incrível como te olham, não? Viu? não, não vi
quer quer? quer água, moço? agora ele está abrindo os olhos já foram chamar a ambulância alguém morreu e ele ficou assim? quem morreu? foi o filho, foi? a gente segue sempre os queridos que se foram como é que a senhora disse, dona? a gente vai com eles com quem? com os nossos queridos vamos logo depois à vezes demora Te seguindo sigo apenas a mim mesmo. Quem foi que disse que o "cacarejo de sua aldeia lhe parecia o murmúrio do mundo"? Te sigo, Lucas, as faces estufadas me olhando estendido na calçada. O lustroso das caras. O baço das caras. As bocas pendentes soletrando palavras. Explosão de fúria quando vi a ambigüidade agarrada aos altos pomos da tua cara, Lucas, quando vi que não sabia da tua identidade, eras aquele que me mostrava o poema? Muros escuros, tímidos escorpiões de seda no acanhado da pedra. Escorpião de seda. Pulsando silencioso ali entre as frinchas. Ou eras o outro no quase escuro do quarto. Úmido. De seda. Tua macia rouquidão. Igualzinha à macia rouquidão de uma sonhada mulher, só que não eras uma mulher, eras o meu pensado em muitos homens e muitas mulheres, um ilógico de carne e seda, um conflito esculpido e harmonia, luz dorida sobre as ancas estreitas, o dorso deslizante e rijo, a nuca sumarenta, omoplatas lisas como a superfície esquecida de um grande lago nas alturas, docilidade e submissão de uma fêmea enfim subjugada, e aos poucos um macho novamente, altivo e austero, enfiando o sexo na minha boca Viscoso. Cintilante. Pela primeira vez o meu olhar encontrava a junção do nojo e da beleza. Pela primeira vez, em toda a minha vida, eu, Lucius Kod, 35 anos, suguei o sexo de um homem. Deboche e clarão na lisura da boca. Ajoelhado, redondo de ternura, revi como os afogados a rua do meu passo, a via.
Lucius, os dois homens me tomaram como duas fomes, duas mandíbulas. Um clarão de dentes. Sorriam enquanto tiravam as camisas. Vagarosamente desabotoaram os botões. Cheguei a sorrir porque os gestos eram como que ensaiados, lentos... lentos... idênticos. Depois os cintos escuros, as fivelas de metal. Depois as calças. Imagine, dobraram as calças, acertaram os vincos, colocaram as calças no espaldar da poltrona. Pensei: eles estão brincando. E disse: vocês estão brincando. Sorriram. O olhar era afável. Meus pulsos amarrados atrás das costas. muito bem, garotão, vai ficar manso pra tudo ficar mais fácil começa chupando a minha pica enquanto o meu amigo te usa feito dona vocês só podem estar brincando pode chamar de brincadeira se quiser, garotão Eu queria saber o porquê e quem mandou. E aí recebi um violentíssimo bofetão. Comecei a sangrar pelo nariz. Antes do derradeiro, antes da sombra, pensando naqueles muros que vi, no úmido deslizante sobre a pedra, na solidão dessa matéria feita por Deus, na minha própria solidão... Mulheres, homens, a mãe que me acariciava extasiada... A futilidade de todos os olhares que um dia recebi, a futilidade de todas as falas que um dia ouvi... e agora as bocas molhadas sobre o meu peito. Detalhes? Um deles me espancava com a fivela do cinto até que o outro ejaculasse. Bateram-me na boca também e beijaram minha boca esfacelada. Antes da sombra, Lucius, quero dizer da dor de não ter sido igual a todos. Minha alma velha buscava entendimento. Quero dizer da dor mas não sei dizer. Estou sangrando por todos os buracos. o velho diz que ele seduziu o filho que é doutor fizemos como o velho mandou: um pouco arrebentado mas nem tanto disso ele não morre gostoso o garotão até que posso entender o filho do doutor vamos. o velho vai passar por aqui. quer ver o serviço Teu pai veio ver o serviço, Lucius. Saiu há pouco. A porta ficou entreaberta. Sentou-se na beirada da cama. Passou a unha ao longo da minha espinha. vai ter tudo comigo, moço. afaste-se do meu filho Antes do derradeiro, antes da sombra, o revólver em cima da mesa, queres me perguntar o que sente alguém diante da dama escura? Sinto frio, Lucius. A parede aqui do quarto frente à mesa está toda manchada. As manchas formaram desenhos, figuras: a cabeça coroada de um velho. A coroa parece de flores. Um pássaro com fios enrodilhados no bico. Um menino sem cabelos olhando um quase-rio. O velho que eu seria se não escolhesse a morte? O pássaro que a minha alma pretendia? Eu mesmo, o de antes, contemplando o tempo-água que é e não é o mesmo e no entanto corre e sem te tocar te modifica inteiro? Há um acúmulo de significados tomando conta das coisas neste instante, as coisas estão crescendo de significado. A pedra prateada em cima da mesa... um amigo me trouxe lá dos Andes... não é só a pedra prateada que um amigo me trouxe lá dos Andes, é um mais sem nome, impossível de decodificar para você. Um livro de poemas que eu comprei numa livraria perto da universidade, não é mais um livro de poemas de Petrarca, ele pulsa, e o perfil do poeta no centro da capa brilha como a luz da tarde. Por que tudo brilha e é mais? Apenas porque me despeço? Quando nos beijamos naquela antiquíssima tarde, a consciência de estar beijando um homem foi quase intolerável, mas foi também um sol se adentrando na boca, e na luz azulada desse sol havia uma friez de água de fonte, uma diminuta entre as rochas, e beijei tua boca como qualquer homem beijaria a boca do riso, da volúpia, depois de anos de inocência e austeridade. posso te tocar um pouco, menino? Eu estava de bruços e suspendi a cabeça para ver. A boca do teu pai tremia. Ele beijou minha boca ensangüentada. Eu sorri. De pena da volúpia.
I
Muros longínquos Na polidura esgarçada dos sonhos. Tão altos. Fulgindo iluminuras. Muros de como de amei: Brindisi. Altamura.
E muros de chegança. De querença. Aquecidos. Anchos. O tenro entrelaçado à tua fala: Teu muro de criança.
II
Muros dilatados de doçura. Romãs. Dálias purpúreas. Irmãos adultos Recostados na manhã de chuvas.
Muros do encantado da luxúria. Fendas. Nesgas de maciez.
III
Muros prisioneiros de seu próprio murar. Campos de morte. Muros de medo. Muros silvestres, de ramagens e ninhos: Os meus muros da infância. Esfacelados. Muros de água. Escuros. Tua palavra: Um mosaico de vidro sobre o rosto altivo. Devo me permitir te repensar?
IV
Muros intensos E outros, como furos. Muros enfermos E outros de luto Como o todo de mim Na tarde encarcerada Repensando muros.
A alma separada de ti Vai conquistar a chaga de saltar.
V
Muros agudos Iguais à fome de certos pássaros Descendo das alturas. Muros loucos, desabados: Poetas da Utopia e da Quimera. Muro máscara disfarçado de heras. Muros acetinados iguais a frutos. Muros devassos vomitando palavras. Muros taciturnos. Severos. Como os lúcidos pensadores De um sonhado mundo.
VI
Muros castos e tristes Cativos de si mesmos
Como criaturas que envelhecem Sem conhecer a boca De homens e mulheres.
Muros escuros, tímidos: Escorpiões de seda No acanhado da pedra.
Há alturas soberbas Danosas se tocadas. Como a tua própria boca, amor, Quando me toca.
VII
Muros cendrados. De estio. De equívoca clausura. Lá dentro um fluxo voraz Dos sentimentos, um tecido De escamas. Sangue escuro. Lá. Depois do muro.
Criança me debrucei Sobre a tua cinzenta solidez. E até hoje me queima A carne na cintura.
Até um dia. Na noite ou na luz. Não devo sobreviver a mim mesmo. Sabes por quê? Parodiando aquele outro: tudo o que é humano me foi estranho.
Lucas
QUINTO ESTUDO BABELIZAÇÃO E DESBABELIZAÇÃO (PARA UMA UTOPIA DO VIRTUAL)
Poema pictura loquens, pictura poema silens.[70]
Los hombres son figuras en el tiempo y el espacio y en cualquier momento, como corresponde a su posición en estas cuatro dimensiones, pueden ser localizados y datados. Pero con esto no basta. Como quinta coordenada se añade en el caso de los hombres y de todo aquello que experimentan y hacen, la determinación de su paso a través del universo simbólico, donde los hombres conviven. Representante manifiesto de esta dimensión es el lenguaje, esto es, los símbolos globales, complejos, humanos, diferentes de una sociedade a outra, que sirven, asimismo, para que los hombres se comuniquem y orienten. Pero a esta dimensión pertenecen también los contenidos simbólicos como, por ejemplo, los conceptos o lo que llamamos el "sentido" de las comunicaciones - dicho con brevedad, todo cuanto en el trato de los hombres pasa y es configurado por su "conciencia" - y también el significado actual de los conceptos "espacio" y "tiempo". Éstos como otros símbolos humanos no se dan de una vez por todas. Siempre están en movimiento, siempre haciéndose lo que son y siempre en devenir.[71] A utopia não se separa do movimento infinito: ela designa etimologicamente a desterritorialização absoluta, mas sempre no ponto crítico em que esta se conecta com o meio relativo presente e, sobretudo, com as forças abafadas neste meio. A palavra empregada pelo utopista Samuel Butler, "Erewhon", não nos remete somente a "No-Where", ou a parte-Nenhuma, mas a "Now-Here", aqui-agora.[72]
Gostaria de descrever, sem nenhum intuito de alcançar respostas definitivas, algumas questões vinculadas a uma de minhas eternas obsessões: o tempo. Conceito esse de fundamental importância para qualquer discussão sobre a cultura virtual. Em seguida, gostaria de multiplicar questionamentos relacionados a esse conceito-matriz, para que possa expor reflexões que me vêm diante do que se conceituou virtual. A utopia, atada ao movimento vertiginoso e infinito do próprio tempo, nos ajudará a delinear os contornos da babelização e desbabelização, conceitos subjacentes a tudo o que aqui será dito. De um lado, a babelização pressupõe mecanismos de produção/recepção relacionados à proliferação, à confusão (Babel) ou amálgama de linguagens e materiais (suportes) presentes na cultura virtual. De outro lado, a desbabelização está ligada à reprodução do mesmo, do similar, às homologias ou similitudes, ao pastiche e à paródia disseminados na cultura virtual. Se entendemos por utopia o ponto paradoxal de junção de um tempo e de um espaço, teremos minimamente esboçado o lugar conceitual de onde procuraremos observar e compreender a cultura e o objeto virtuais. Ora, quando falamos do virtual, estamos falando do que está ao mesmo tempo totalmente imerso, diluído no tempo, numa agoridade angustiante (o aqui-agora), e também de algo que só existe enquanto origem no imaginário,[73] estando, portanto, fora do tempo (no lugar-nenhum). Aí, o caráter paradoxal que o virtual carrega em si. Antes de fixar limites conceituais, devemos pensar a (des)babelização como um conceito híbrido, um conceito do trânsito. Mas, para sermos didáticos, demarcaremos minimamente suas fronteiras, descrevendo os dois conceitos separadamente, numa redução necessária, para depois amalgamá-los nesta coisa mutante, mimetismo que participa da metamorfose do tempo.
DO VIRTUAL (DES)BABEL Para começar a conversa, vamos a Jacques Derrida e a seu ensaio sobre tradução intitulado Torres de Babel.[74] Lendo este livrinho me veio a idéia de pensar o virtual a partir da metáfora da confusão da línguas, da babel, num movimento de diáspora representacional (babelização), pois a imagem virtual, por exemplo, é coisa movente e híbrida, que não comporta a síntese, a decantação (a não ser momentânea, fugaz); e concomitante a ele, outro movimento que seria aquele que determina ou separa o eternamente outro do mesmo travestido de novo (desbabelização).[75] Sintetizemos o que Derrida diz sobre a torre de Babel. Seremos sucintos. Derrida discute a sobre a traduzibilidade/intraduzibilidade de um texto a partir da metáfora da babel (confusão) de línguas, uma multiplicidade que interdiz não só a fixação de sentidos como a própria comunicabilidade humana. O autor entende que o mito da torre de Babel é o mito da origem do mito, a metáfora da metáfora, a narrativa da narrativa. Cito: "A 'torre de Babel' não configura apenas a multiplicidade irredutível das línguas, ela exibe um não-acabamento, a impossibilidade de completar, de totalizar, de saturar, de acabar qualquer coisa que seria da ordem da edificação, da construção arquitetural, do sistema e da arquitetônica." (pp. 11-12) Para desenvolver essa idéia, Derrida inteira o leitor da própria ambigüidade da palavra Babel, que enquanto nome próprio deveria ser intraduzível, mas por uma espécie de confusão associativa, pode ser traduzido por um nome comum: "confusão". Isso dito, Derrida cita Voltaire: para o filósofo, Ba significa pai - nas línguas orientais - e Bel significa Deus. Assim, chega-se à conclusão que Babel significa a cidade de Deus, a cidade santa, nome que os antigos davam a todas as suas capitais. Em seguida, Voltaire diz que é incontestável que Babel quer dizer confusão, seja porque os arquitetos se confundiram na altura da torre, seja porque as línguas se confundiram. Aqui, a ironia presente no texto do filósofo. Sobre essa multiplicidade de/das línguas, Derrida afirma que Deus, é aquele que dá seu próprio nome (a cidade carrega o nome de Deus, o pai, sendo o pai da cidade que se chama confusão), dando todos os nomes. Deus é, portanto, aquele que está na origem da linguagem, é portanto aquele que é o nome dessa origem das línguas. "Mas é também esse Deus, que no movimento de sua cólera (como o Deus de Boheme ou de Hegel, aquele que sai dele, determina-se na sua finitude e assim produz a história), anula o dom das línguas, ou ao menos o desune, semeia a confusão entre seus filhos e envenena o presente (Gift-gift). É também a origem das línguas, da multiplicidade dos idiomas, dito de outra maneira, daquilo que se chama correntemente de línguas maternais." (p. 14) Aqui, um resumo do mito, usado como metáfora da desconstrução e da proliferação, da multiplicidade, dos sentidos.
ESTÉTICA OU UTOPIA(?) DOS TEXTOS IMPUROS
Comment redonner du sens à l'art alors qu'il est de plus en plus remis en cause par la fantastique inflation de l'univers des images et de sons que provoque l'explosion des tecnologies de la communication? Commer opérer, au sein du domaine réservé et protégé de l'art, la réunification symbolique de cette cacosémie qui plonge la société dans un océan furieux de signes? La solution apparaît du côté de l'ouverture qui propose une logique figurative fondée sur la polysémie. Polysémie associée à une participation perceptive du spectateur - interdite dans la communication sans feedback des médias de masse - qui peut se limiter à une relecture attentive de l'ouvre et à une priorité du processus sur le produit.[76]
Paradoxo primeiro: pensar utopicamente em uma estética do virtual é antes de tudo pensar uma estética dos textos impuros, pois já não é mais possível buscar o belo ou o sublime (enquanto conceitos imutáveis ou apriorísticos) num "texto" que é uma mescla de linguagens outras, heterogeneidades diversas, sobreposição do singular e do mesmo, evanescência de significados. É, sobretudo, pensar num "texto" que é imagem em constante mudança. Um "texto" que é, antes de tudo, processo e não produto. Paradoxo segundo: Isso é o que se pode dizer da arte virtual, enquanto matéria movente. E se procurarmos categorias estéticas que se lhe apliquem, necessariamente elas deverão incorporar esse caráter não fixo de um "objeto" de arte feito para ser fruído em meio digital. A fruição de um texto digital é, então, o sempre estar nestes instantes que se (des)dobram e (re)dobram formando um espaço que tende a se tornar, pela impossibilidade de demarcarmos nitidamente suas fronteiras, ao mesmo tempo "ausente" e "infinito". O que buscaremos, neste momento, é apenas o sucinto mapeamento de algumas características do possa ser esse chamado "objeto artístico digital". Ou melhor dizendo, procuraremos descrever um "sintoma", cuja profilaxia posterior só poderá ser alcançada quando pormenores outros, hipóteses outras confirmarem, corroborarem ou desmentirem nosso diagnóstico primeiro. Temos, a partir desse objeto híbrido toda uma constelação discursivo-conceitual já assentada, que procura dar conta de suas especificidades, na grande maioria dos casos tomando como ponto de partida categorias conceituais usadas para descrever as outras artes da imagem, a fotografia, a pintura, o cinema etc.[77] Embora muitos teóricos tomem por base essa cultura da imagem anterior à era do digital, é preciso dizer que a imagem digital não se deixa reduzir por essas descrições. A imagem digital é de uma "matéria" absolutamente outra, e a tentativa de descrevê-la (aplicando categorias conceituais dessas outras artes) pode nos levar a uma perigosa imprecisão terminológica. A imagem digital é ambígua e paradoxal, ela é o todo e o fragmento indissociavelmente atados, estando, também ela, atada ao tempo. Por isso, analisá-la aplicando uma terminologia (das estéticas tradicionais?) que tende a fixar os contornos do objeto artístico pode ser temerário. Isso é dito porque comumente se "lê" uma obra no intuito de se fixar significações, mas a obra digital deve ser pensada como um processo infindável de significações em movimento. A própria significância ou fruição é o que deve estar em primeiro plano quando se pensa na cultura virtual. Quero dizer com isso que para a obra digital os critérios interpretativos e as cadeias discursivo-conceituais devem se ater à idéia de uma "imagem-processo" e não no desejo de estabelecer um roteiro de leitura ou interpretação que determina um "início" e um "fim" da obra, gerando seu encarceramento (enquanto objeto, ou lugar artístico) entre essas duas paredes e outras mais, fixando ou engessando a obra, poder daí "descrevê-la" com algum grau de segurança e acerto. Além desse caráter movente da imagem digital, é preciso atentar que os critérios de valor das estéticas tradicionais não cabem mais para uma cultura do virtual. Aqui, é preciso ressaltar que o virtual se estabelece em uma cultura de massa e também num momento em que a técnica deixa de ser relegada a um segundo plano, para ganhar o primeiro plano da cena.
DE ALGUMAS UTOPIAS DO VIRTUAL Aqui, penso estabelecer-se o primeiro grande racha nos teóricos que se ocuparam do virtual. As posições não são tão maniqueístas como podem parecem a um leitor de primeira sentada, e os equívocos, creio, se teceram justamente por isso. Passo rapidamente esta questão. Sendo esquemático, teria: A crença. De um lado, haveria uma nítida crença de elevação do virtual à categoria de máximo expoente de uma realização tecnológica e artística, no sentido de ampliar os horizontes do saber, de uma partilha humanitária do conhecimento etc. Desta corrente, Pierre Lévy seria um dos representantes que ganhou maior visibilidade, um dos porta-vozes dessa euforia retórica cuja prática nem sempre vemos concretizada. A descrença. De outro lado, há toda uma constelação de autores que vinculam a questão do virtual a outras questões vinculadas à crítica da cultura pós-moderna. Como é humanamente impossível esquematizar (sem que isso seja um assassínio) a teoria desses autores, cujas obras, além de serem complexas, muitas vezes contêm posições divergentes, apenas Baudrillard (do qual falo um pouco mais adiante) será o eleito para exemplificar esta corrente. Falo, dentre outros, de Gilles Deleuze, Félix Gattari, François Lyotard, Fredric Jameson. Esses autores propõem questões que estão longe da aposta ingênua de que o virtual seria uma espécie de deus ex-machina que vem pôr fim a todas as aflições humanas. Estamos, no entanto, de qualquer lugar que se fala, numa terra de ninguém (numa no man's land, na utopia), pois de qualquer maneira precisamos re-inventar um modo de descrever esse mundo novo, essa época de metamorfoses do real cada vez mais velozes. Pensando o virtual dentro da cultura pós-moderna, uma primeira questão importante seria a dificuldade que temos em não confundir o que poderia ser o verdadeiramente "novo" com a "novidade". Numa época de sucessão vertiginosa de potências criativas - dadas pela técnica - num momento em que a paródia, o pastiche, a colagem, o mosaico são cada vez não mais a derivação de uma mente vulgar e incapaz da criação, mas uma derivação lógica e consciente de que nada mais persiste ao tempo. Essa questão, levada a seus limites, nos leva a mais um paradoxo: Há ainda razão em falar em "novo" e "novidade" num tempo em que nada, nenhuma coisa, nenhum tempo é mais remoto do que o ontem?[78] Tudo isso dito, para afirmar que o próprio "dispositivo" da imagem digital traz em si sua entropia ou fissão, que numa fração mínima de tempo, a fará explodir em tantas outras possibilidades artísticas. A arte digital é feita para ser efêmera, fugaz instante, e a proliferação infinita que a rege, essas camadas e camadas de "textos" em mise en abîme, em palimpsesto, nada mais são do que instantes de fruição que se fazem na disseminação do mesmo, envolto em tantas máscaras. A tautologia (a desbabelização), portanto, seria o círculo de centro maior onde toda a arte digital gravita ou se ramifica em círculos concêntricos (a babelização). O fluxo, em todas direções, entre estes círculos é o que constitui a fruição. O círculo maior, da tautologia, prescreve um tempo mais dilatado, ou momentaneamente congelado, se assim se pode dizer, dentro do qual proliferam objetos quase indistintos, rastros ou sopros de coisas efêmeras assim como as línguas mortas: Babel é o temp(l)o da língua das delícias. Estamos, neste momento, diante de uma proliferação de objetos que criam discursos em torno deles, mas que não escapam da agonística[79] geral presente na própria linguagem. Queremos dizer com isso que há uma luta constante contra a morte na cultura virtual, por isso, metaforicamente, a proliferação infindável acaba sendo um meio de preservação da própria vida.
DE ALGUMAS VIRTUALIDADES Alors que l'art traditionnel reposait sur un système de représentation dûment institutionalisé, celui de Beau-Arts, et étroitemente solidaire d'un système technique parfaitement spécifique (peinture, dessin, gravure, etc., et ses multiples sous-catégories), l'art, dès le début du siècle, en substituant le réel à son image (collages et ready-mades) et en s'ouvrant à toutes les techniques, à tous les matériaux possibles, sans aucune interdiction de principe, refuse de s'enfermer dans une quelconque spécificité.[80]
Diante desse quadro, uma das perguntas que podem ser feitas é a seguinte: como pensar, esteticamente, o objeto artístico virtual com os julgamentos de valor presentes em toda estética? Quero dizer com isso que para julgarmos é preciso separar o joio do trigo, mas quando se pensa na multiplicação infinita possibilitada pelo virtual, esse processo de escolher grãos pode se tornar inviável. Há, no virtual, um enorme predomínio da técnica, ou a técnica[81] ganhando uma visibilidade nunca antes alcançada. Esta característica possibilita a proliferação infindável de objetos virtuais considerados artísticos ou não. Esse quadro descrito, por sua vez, impossibilita uma descrição satisfatória desse universo (de objetos virtuais), que tende ao infinito.
Como determinar a singularidade de tais objetos? Como pensar uma estética do efêmero, completamente oposta/diferenciada a/de qualquer estética até hoje delineada? Para quem lê um pouco mais calmamente Baudrillard, por exemplo, antes de ver nele um crítico mordaz desse império do virtual saberá que no fim das contas ele quer pensar justamente como o efêmero virou moeda corrente, e como na sociedade pós-moderna a fugacidade virou não só moeda de troca mas também a própria essência da cultura. Não podemos falar mais em valores eternos (como beleza, sublime etc.), podemos apenas procurar constatar como hoje o mesmo pode se traduzir (em raros casos) enquanto outro, enquanto ouro. Isso quer dizer que a reprodução do mesmo é moeda corrente, a dificuldade que se encontra é se conseguir criar um produto estético em que esse mesmo reluza. Aí, penso, está o porquê de Baudrillard ver em Andy Warhol o último dos criadores verdadeiramente singulares, porque fez justamente da ausência da singularidade, da arte enquanto valor de consumo, a sua reflexão estética. E, mais que isso, Warhol colocou em xeque, guilhotinou de vez, por assim dizer, a idéia de que ainda fosse possível, na cultura pós-moderna, pensar em elementos estéticos e artísticos perenes. Se antes, ao que parece, foi Duchamp um dos pioneiros da discussão sobre a aleatoriedade e a institucionalização (os críticos de arte e os museus, por exemplo) do que se convencionou chamar artístico, Warhol talvez tenha sido o artista a dar o golpe de misericórdia no perene, ou o pontapé inicial no efêmero quando se pensa em arte.
DO OBJETO VIRTUAL É preciso que isso fique claro porque é justamente o tempo um dos conceitos fundantes, centrais a toda discussão sobre a cultura pós-moderna. E temos que pensar que estamos agora diante de um objeto artístico absolutamente novo, original, que tem que ser tratado e pensado em termos de contornos, de dispersões conceituais, de multiplicidade de objetos, de acontecimentos e de descontinuidades. Como pensar o objeto virtual a partir de uma análise que tem (para ser verossímil) necessariamente que ser provisória? Uma análise, descrição, que não busque legitimar nada, nenhum conceito ou idéia que se fixe? Só podemos pensar o objeto e a cultura virtual, é preciso que se repita, a partir da idéia de processo, de amálgama de contraditórios, de trânsito de conceitos, de redes conceituais que servem apenas para costurar um tecido fino e provisório, cuja aceleração temporal cuidará de sabiamente esgarçar. Quero dizer com isso, que só é possível tatear uma utopia do virtual, dificilmente se poderá pensar, tecer, descrever uma estética do virtual, como se fez com as outras artes. É justamente aí, na efemeridade do gesto (cujo ancestral mais remoto seria Pollock) que o objeto virtual encontra sua efêmera singularidade. É quase como um susto. Como o sopro da criação. Quase como uma língua das delícias, anterior à própria fala. Mas, em verdade, o objeto virtual, pode-se pensar, verdadeiramente nunca chega a singularizar-se, porque sempre estará no quase. Sempre a um passo de.
DO ESPAÇO VIRTUAL Quando falamos de babelização e desbabelização é preciso que saibamos que estes são dois processos artísticos/discursivos grudados à pele do virtual, mas que este, réptil que é, sempre nos levará a descrever contornos sucessivamente outros para que possamos dar conta dessa metamorfose do tempo. Estaremos falando sempre de imagens, porque o virtual é o reino das imagens, imagens em movimento, mas ao contrário do cinema, por exemplo, as imagens virtuais podem ser muito mais aleatórias, e cuja decupagem e montagem é em tempo "real", portanto, nunca saberemos o final da "fita", porque nunca poderemos vê-la mais de uma vez. Aqui, na imagem, penso que esse processo de desbabelização toma contorno no sentido de que as páginas da internet têm, na imensa maioria dos casos, uma espécie de roteiro preestabelecido, quase como que um "esqueleto" que é seguido... Digamos que quando navegamos na rede, seja pela "recursividade" dos programas etc. - seja pela mesma "maquiagem" das páginas - a sensação mais presente é a do já-visto. O mesmo pode ser dito da grande maioria dos sites dedicados à poesia ou à arte em geral. Digamos: são pouco "criativos", porque geralmente seguem uma máscara pronta. Raras são as exceções. O mesmo é sintoma da desbabelização. Aí um outro sintoma, derivado do anterior: a proliferação de objetos virtuais proporcionada pela técnica dificulta muito a seleção, segundo alguns critérios estéticos vigentes, do que seria artístico ou não, do que "perduraria" no tempo. Aliás, além de ser humanamente impossível fazer um exaustivo mapeamento de tudo, para daí aplicar conceitos de valor, temos que nos perguntar se esse objeto, o virtual, é feito para "durar"? Aí, mais um impasse: como fazer um catálogo, um museu de objetos virtuais, uma seleção do que pode ou não ser artisticamente interessante ou singular, se a própria multiplicação pode mascarar o mesmo em diferenciado (cópia, pastiche, paródia etc. - tudo isso nos remete de novo à pop art), e além disso pode haver objetos virtuais absolutamente "geniais" que podem ter ficado na rede algum tempo e depois sumido sem ao menos termos notado! Aqui teríamos algo como observar uma estrela de primeira grandeza que observamos mas que já morreu há muito! Infelizmente, no campo do virtual, isso ainda não é possível. As constelações visíveis, as estrelas visíveis, embora virtuais, ainda dependem da paradoxal materialidade do virtual. Essa constatação é importante porque sabemos que os sites ficam no ar quando são visitados e não podemos afirmar que os sites mais visitados são os melhores etc. E mesmo os sites que conseguem se manter no ar, sendo pouco visitados, os que trabalham com a idéia de criação de textos e imagens ou coisas afins, não possibilitam a fixação dos trabalhos criados pelos internautas. Isso ocorre pela impotência do espaço. Aqui, um cuidado que devemos ter: há teóricos mais deslumbrados que carregam demais, exageram demais na tinta nos elogios ao virtual, fazendo parecer que nele estaria a solução ou o grande avanço do homem em direção a um evolução artística e intelectual surpreendente. Mas sabemos, por exemplo, que o espaço é um dado impossibilitador da criação de um banco de dados em muitas páginas de geradores automáticos de textos etc. Aqui, um dado contra a falsa idéia da rede como uma biblioteca, seja qual for, infinita.
DIGRESSÃO NECESSÁRIA As línguas mortas assim o são porque sustentam um tempo incapaz de escapar de seu próprio círculo vicioso: os passados do presente atualizados na fruição. Como estabelecer em que tempo estamos quando fruímos a arte digital? Mesmo que estejamos no espaço do museu, da galeria ou da rua, o tempo (se estivermos conectados na rede) é esse estar entre passados de um presente contingencial, sempre fugindo de nós mesmos. Assim, nunca estaríamos verdadeiramente diante de um objeto virtual, mas sempre diante de sua sombra,[82] ou da sua potencialidade de imagem já desfeita. Perseguir a sombra desse objeto é perseguir a nossa própria metamorfose dos tempos, em nossa cultura pós-moderna. Aqui um traço da babelização: não existe um único objeto de arte digital, mesmo que pensemos no mesmo objeto, porque enquanto coisa viva ele morre infinitamente para perpetuar o efêmero. Aqui, penso, nesse perpetuação do efêmero é que reside uma singularidade disso que podemos nomear objeto virtual. Quando se fala da cultura virtual, não se pode falar propriamente em reprodutibilidade[83] proprocionada pela técnica, como alguns teóricos fazem, porque o próprio mecanismo da produção digital é um mecanismo de indistinção entre cópia e original.
CONCECTANDO-SE AO EFÊMERO
(...) tirar o eterno do transitório. EPÍGRAFE REPETIDA
A modernidade é o transitório, o fugitivo, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável.[84]
Charles Baudelaire
É preciso reenviar as mensagens para nós mesmos. Nós, seres do tempo, temos a tendência a crer que tudo que dizemos nunca foi dito. Muitas vezes lemos, com olhos turvos de tantas películas de peles de conceitos, o que queremos ler, como se estivéssemos além de tudo o que vem do passado. Essa tendência nos leva a revestir com peles e peles de palavras novas conceitos já vistos. Isso tudo pra dizer o óbvio, ou para pisar em óbvios, que muitas vezes têm cascas finas demais e se quebram. O que Baudelaire escreve, exato e sucinto, nestas duas epígrafes, por exemplo, muitos outros fizeram e fazem tratados para dizer o mesmo. Aí, a babelização a que me refiro, a proliferação conceitual presente em muito do que se vê na cultura virtual, que em grande maioria dos casos se restringe à pele, sendo "cultura visual". Falamos em "películas" porque queremos resgatar, além desse caráter de finas peles coladas umas às outras, palimpsesto imaginado, também o caráter de imagem indissociável da arte digital. Constatação: toda arte digital é imagem, essa realidade é indiscutível. Mas, enquanto imagem híbrida, temos que tomar o máximo cuidado ao relacioná-la com a fotografia, a pintura ou com o cinema. Antes de ser uma imagem, a imagem digital é híbrida, e antes disso, de novo o tempo: efêmera. Por isso, procurar sentidos, quando se fala em arte digital, é algo temerário e complicado. A sucessão imagética, sem nenhum corte-montagem, que vemos diante de uma página da internet, por exemplo, nos leva a estabelecer o seguinte: mais que a recordação, a cultura virtual trava uma luta entre o que reter e o que esquecer, isso num ritmo e velocidade muitas vezes alucinantes. Antes de pensar na experiência, temos que agarrar a pobreza. Mais do que a síntese, o movimento ou lei que devemos seguir é o de sermos rápidos, para não sermos afogados no mar do esquecimento por querermos recordar tudo. Se a passagem vertiginosa das imagens virtuais em nossas retinas nos causa esse problema, o do envelhecimento precoce do nascente, o único modo de não sermos atulhados pelas ruínas dessas imagens que se sobrepõem é fazer uma seleção velocíssima do que realmente vale a pena reter. E essa seleção, claro, nem sempre será a melhor. A multiplicação imagética marca o desvio do pólo da recordação para o próprio processo de gerúndio da recepção, portanto para a própria via de mão dupla do processo de desbabelização/babelização configurado no fugaz do instante. O que se quer dizer com isso é que o artista que trabalha com a arte digital deve, antes de mais nada, lidar com o efêmero. E para tanto, deve pensar o efêmero não como uma categoria exterior ao objeto artístico, mas incorporá-lo como matéria constitutiva da própria realização artística. Isso quer dizer o seguinte: se a arte em geral é feita para ser ruminada, a arte digital é feita para ser regurgitada. Quero dizer com isso, que não se trata mais de uma arte que se propõe a sínteses, a roteiros de conhecimento, à elevação do espírito, sem nenhum julgamento de valor nisso (estou sendo apenas descritivo). A arte digital é feita para se prestar a esse eterno entrechoque de excessos expelidos. A arte digital é muito mais ruína que edifício.
FINITA VIA Para finalizar, gostaria de expor algo que me intriga: mesmo que se tenha em mente todas essas características do objeto digital (falta de contorno definido, movência, sobreposição de planos significativos etc.), é estranho que aqueles que criam, em meio digital, quase não invistam, não usem o caráter de contingência desse objeto como matéria de criação e fruição. As páginas dedicadas a textos literários, por exemplo, na grande maioria dos casos não permitem ao fruidor a conversa infinita[85] que poderia ser tão enriquecedora no sentido de estabelecer a possibilidade de multiplicar esse diálogo do fruidor com a coisa fruída, mesmo que não haja a possibilidade de fixar esse texto num banco de dados, esse texto criado a partir da "interferência" de quem lê seria quase como uma espécie de reverência em negativo, de culto pagão ao transitório. Aí, penso, estaria verdadeiramente estabelecido um momento metalinguístico, ou meta-artístico propriamente dizendo, da arte digital.
Aí, penso, estaria verdadeiramente colocada às claras a ausência da aura do objeto artístico, de que tanto se fala depois de Benjamim; porque mesmo na arte digital, ao que parece, existe ainda a crença na aura que já se perdeu, mesmo que seja essa uma aura efêmera. Se realmente se fizesse este arruinamento textual, esse apagamento da autoria, deixando com que a partir do nada, ou de algo amorfo, se constituíssem imagens e textos, que poderiam ser infinitamente alterados, penso que teríamos algo que performaria de forma satisfatória e instigante a característica de efemeridade do objeto virtual.[86] Aí, teríamos, enfim, construída a Torre.
ouroboros (começo em fim da arte digital) cobra comendo o próprio rabo dai toyuu jiwo kyaku amarisuna ni kakishinu kotowo yamete kaeri kitareri [87]SOLOA ficção? Já estou nela. Meus personagens são algumas hipóteses loucas que submetem a realidade a determinadas sevícias e que no final termino por assassinar quando eles já executaram a sua obra. Única forma de tratar as idéias: o assassinato (liquidamos bem os conceitos) - mas o crime deve ser perfeito. Evidentemente, tudo isso é imaginário, qualquer semelhança com seres reais seria puramente fortuita.[88]
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[1] LYOTARD, J.-F.. Peregrinações. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. p. 67. [2] MÜLLER, Marcos J. Reflexão estética e intencionalidade operante. In: Manuscrito XXIV (2). CIDADE: EDITORA. Out. 2001. [3] KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. Valério Rohden e Antônio Marques. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1993. [4] LYOTARD, Jean-François. Peregrinações. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. p. 59. [5] CORBISIER, Roland. Enciclopédia filosófica. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 44. [6] Esses ensaios estão no livro Texto/Contexto II. Campinas: Ed. da Unicamp; São Paulo: Edusp/Perspectiva, 1993. Páginas 267-273 e 275-282. [7] "Não se trata apenas de atritos e antipatias pessoais, nem só do choque das gerações. A raiz é o profundo antagonismo entre atitudes e concepções fundamentais relativas à vida, moral, arte e sociedade. Enquanto os românticos exaltam, desde logo, a fantasia desenfreada, o excêntrico e monstruoso, o grotesco e 'original', Schiller e Goethe exigem na poesia uma 'linguagem nobre e serena' (o decoro clássico), a 'idealização do objeto', a 'medida harmoniosa', a tipização (não o característico dos românticos), a 'serenidade circunspecta', a precisão, a 'economia sábia' e 'calma cautelosa'." - ROSENFELD, Anatol. Op. cit., p. 271. [8] RONSENFELD, Anatol. Op. cit., p. 280, grifos meus. [9] ÁVILA, Myriam. Rima e solução: a poesia nonsense de Lewis Carroll e Edward Lear. São Paulo: Annablumme, 1995. [10] BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979. p. 118. [11] Idem ibidem, p. 117. [12] JOLLES, André. Formas simples. São Paulo: Cultrix, s/d. Algumas formas simples: chiste, conto, mito, fábula, saga, advinha, legenda. [13] Embora extensa, cito a noção de cronotopo do crítico russo. BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética. São Paulo, Ed. Unesp/Hucitec, 1993. Nas páginas 211-212, lemos: "À interligação fundamental das relações temporais e espaciais, artisticamente assimiladas em literatura, chamaremos cronotopo (que significa espaço-tempo). (...) No cronotopo artístico-literário ocorre a fusão dos indícios espaciais e temporais num todo compreensivo e concreto. Aqui o tempo condensa-se, comprime-se, torna-se artisticamente visível; o próprio espaço intensifica-se, penetra no movimento do tempo, do enredo e da história. Os índices do tempo transparecem no espaço, e o espaço reveste-se de sentido e é medido com o tempo. Esse cruzamento de séries e a fusão de sinais caracterizam o cronotopo artístico. / O cronotopo tem um significado fundamental para os gêneros na literatura. Pode-se dizer francamente que o gênero e as variedades do gênero são determinadas justamente pelo cronotopo, sendo que em literatura o princípio condutor do cronotopo é o tempo. O cronotopo como categoria conteudístico-formal determina (em medida significativa) também a imagem do indivíduo na literatura; essa imagem sempre é fundamentalmente cronotópica." (grifos do texto) [14] LECERCLE, Jean-Jacques. Philosophy of nonsense. Londres e Nova York: Routledge, 1994. p. 168. Grifo do texto. [15] Uso o conceito conforme especificado no texto "Paródia & Cia.", de KOTHE, Flávio R. Tempo Brasileiro (62)/Sobre a paródia. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, jul.-set. 1980. pp. 97-125. Cito: "Paródia, segundo o étimo, significa 'canto paralelo': é um texto que contém outro texto em si, do qual ela é uma negação, uma rejeição e uma alternativa. Ela geralmente diz o que o outro texto deixou de dizer e ela insiste no fato de não ter sido dito. A paródia é um texto duplo, pois contém o texto parodiado e, ao mesmo tempo, a negação dele. Ela é, portanto, a síntese de uma contradição, dando prioridade para a antítese, em detrimento da tese proposta pelo texto parodiado." (p. 98) [16] FELLINI, Federico. Apud ARÊAS, Vilma. Iniciação à comédia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. p. 8. [17] ECO, Umberto. O cômico e a regra. In: Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 350, grifos meus. [18] ROSSET, Clément. Lógica do pior. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989. pp. 193-194. [19] BECKETT, Samuel. Malone morre. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 13. [20] Penso, agora, mais especificamente, na trilogia publicada pelo escritor entre 1951 e 1953, composta pelos livros Molloy, Malone morre e O inominável. [21] BECKETT, Samuel. Molloy. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. A frase está na capa do livro. [22] ISHIKAWA, Takuboku. Tankas. São Paulo: Massao Ohno/Aliança Cultural Brasil-Japão, 1991. p. 18. [23] JULIET, Charles. Encontro com Samuel Beckett. In: Novos Estudos Cebrap (nº 24). São Paulo, 24/7/89. p. 64. (Entrevista) [24] BECKETT, Samuel. Uma carta sobre 'Godot'. In: "Caderno Mais!", Folha de S. Paulo, São Paulo, 8/9/96. p. 7. [25] BORGES, Jorge Luis. Sete noites. São Paulo: Max Limonad, 1985. p. 110. [26] BECKETT, Samuel. À espera de Godot. In: Teatro de Samuel Beckett. Lisboa: Arcádia, s/d. p. 82 (fim do primeiro ato); p. 149 (fim da peça). [27] Sobre essa questão, remeto o leitor ao livro: STEINER, George. Extraterritorial (a literatura e a revolução da linguagem). São Paulo: Companhia das Letras, 1990. "A escassez de Beckett, sua tendência para dizer menos, é a antítese. Becektt usa palavras como se cada uma tivesse de ser extraída de um cofre e contrabandeada para a luz a partir de um estoque perigosamente baixo. Se a mesma palavra serve, use-a muitas vezes, até que fique gasta e anônima." (p. 24) [28] Idem, p. 25. [29] BECKETT, Samuel. Op. cit., pp. 91-92. [30] STEINER, George. Op. cit.; p. 25. [31] BECKETT, Samuel. Op. cit., p. 65. [32] STEINER, George. Op. cit., p. 26. [33] Tomo a expressão "cair na história" emprestada de Jankélévitch. "En fait l'homme n'est pas un être essentiellement pur et intemporel Qui serait accidentellement tombé dans l'histoire; l'homme n'est pas une substance fondamentalment invariable Qui évoluerait et changerait secondairement: car 'il y a des changements, mais il n'y a pas, sous le changement, des choses qui changent...'" (grifos meus, o texto em em aspas simples é de Henry Bergson). In JANKÉLÉVITCH, Vladimir. Le pur et l'impur. Paris: Flammarion, 1960. pp. 246-247. [34] Ver BROHM, Jean-Marie & LARRÈRE, Catherine & LASCOUMES, Pierre (orgs.). Les corps (sociétés, sciences, politiques, imaginaires). Paris: Belin, 1992. A citação completa é a seguinte: "L'homme est un irréversible en chair et en os! L'homme est un irréversible incarné: tou son 'être' consiste à devenir (c'est-à-dire à être en n'etant pas), et par surcrôit il devient (advient, survient, quelque fois même se souvient), mais ne revient jamais." (p. 12) [35] Texto sobre os monumentos dedicados às pessoas mortas durante a ditadura chilena. Ver RICHARD, Nelly. Sitios de la memoria, vaciamento del recuerdo. In: Revista de critica cultural (23). Chile, 2001. [36] BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 68. Mais adiante, Baudrillard descreverá a "morte do real", do seguinte modo: "Indiferente a toda verdade, a realidade torna-se uma espécie de esfinge, enigmática em sua hiperconformidade, simulando a si própria como virtualidade ou espetáculo de realidade. A realidade torna-se hiper-realidade - paroxismo e paródia ao mesmo tempo." (p. 83) [37] BAUDRILLARD, Jean. América. Rio de Janeiro: Rocco. 1986. p. 31. [38] BAUDRILLARD, Jean. "Le plus bel objet de consommation". In BROHM, Jean-Marie & LARRÈRE, Catherine & LASCOUMES, Pierre (orgs.). Les corps (sociétés, sciences, politiques, imaginaires). Paris: Belin, 1992. p. 17. Grifos meus. Original: "Dans l'ordre traditionel, chez le paysan par exemple, pas d'investissement narcissique, pas de perception spectaculaire de son corps, mais une vision instrumentale/magique, induite par les procès de travail et le rapport à la nature." [39] Sobre a Idade Média como um momento de "errância" intensa, ver MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Rio de Janeiro: Record, 2001. pp. 48 e segs. [40] Idem, p. 53. [41] BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, Brasília: Ed. da UNB. 1987. p. 17. [42] Idem, p. 43. [43] Idem, ibidem, p. 320. [44] STEINER, George. No castelo do Barba Azul. São Paulo: Companhia da Letras. 1991. p. 64.
[45] Hilda Hilst usa essas duas acepções do termo, discutindo-as, na peça de teatro Auto da barca de Camiri, escrita em 1968 e publicada em 2000. [46] ROSENFELD, A. Hilda Hilst: poeta, narradora, dramaturga. In: HILST, Hilda. Fluxo-floema. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 16. Grifos meus. [47] Esse excesso, esteticamente, na linguagem, configura o que chamo de traços barrocos na literatura hilstiana. Hilda, numa entrevista, diz o seguinte: "Tenho vontade do barroco: uma volúpia da língua". Ver GRAIEB, Carlos. Hilda Hilst expõe roteiro do amor sonhado. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14/8/95. [48] Sobre cristianismo e revolução, o leitor pode se apoiar nos seguintes textos: BATAILLE, G. A parte maldita. Rio de Janeiro: Imago, 1975. pp. 42 e sgs. CASTRO-GOMÉZ, Santiago. Teorias sin disciplina. Disponível em: (www.ensayo.rom.uga.edu/ crítica/teoría/castro/castroG.htm); p. 4. IFFLAND, James. Ideologias de la muerte en la poesia de Otto Rene Castillo. In: VÁRIOS AUTORES. Ideologies & literature. Minneapolis: The Prisma Institute, 1989. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano (a essência das religiões). Lisboa: Edição Livros do Brasil. s/d. Eliade fala sobre marxismo e escatologia: "Marx retoma e prolonga um dos grandes mitos escatológicos do mundo asiático-mediterrâneo, a saber: o papel redentor do Justo (o 'eleito', o 'ungido', o 'inocente', o 'mensageiro'; nos nossos dias, o proletariado), cujos sofrimentos são chamados a mudar o estatuto ontológico do mundo. Com efeito, a sociedade de classes de Marx e a consequente desaparição das tensões históricas encontram o seu precedente mais exacto no mito da Idade do Ouro que, segundo múltiplas tradições, caracteriza o começo e o fim da História. Marx enriqueceu este mito venerável de toda uma ideologia messiânica judeo-cristã: por um lado, o papel profético e a função soteriológica que ele atribui ao proletariado; por outro, a luta final entre o Bem e o Mal, que pode aproximar-se facilmente do conflito apocalíptico entre o Cristo e o Anticristo, seguido da vitória decisiva do primeiro. É até significativo que Marx retome por sua conta a esperança escatológica judeo-cristã de um fim absoluto da História (...)" (p. 213; grifos do texto) [49] PALLOTTINI, Renata. "Do teatro". In HILST, Hilda. Teatro reunido (volume I). São Paulo: Nankin Editorial. 2000. pp. 180-181. [50] Para os dois significados da palavra utopia, ver: FUNCK, Susana Bornéo. The impact of gender: feminist literary utopias in the 1970s. Florianópolis: Pós-graduação em inglês / UFSC, 1998.
[51] HILST, Hilda. "Com meus olhos de cão" in Com meus olhos de cão e outras novelas. São Paulo: Brasiliense, 1986. pp. 7-54. [52] HILST, Hilda. A obscena senhora D. Campinas: Ed. Pontes, 1993. pp. 54-56. Grifos meus. [53] POE, Edgar Allan. Poemas e ensaios. Rio de Janeiro: Globo, 1985. p. 166. [54] GAGNEBIN, Jeanne. Notas sobre as noções de origem e original em Walter Benjamin. In: Vários autores. Revista 34 Letras (nº5/6). Rio de Janeiro: Nova Fronteira/34 Literatura S/C. pp. 287-288. [55] Para esse problema da estetização e aceitação institucional (institucianalização) das vanguardas consultar ENZENSBERGER, Hans Magnus. "As aporias da vanguarda" in Revista Tempo brasileiro (26/27). Rio de Janeiro: Folha Carioca Editora, jan.-março 1971. pp. 85-112. Falando das vanguardas da época em que escreve o texto (1962), o autor diz o seguinte: "Todas as vanguardas de hoje não são senão repetição, embuste para com as outras e para consigo mesmas. O movimento (o surrealismo), que como grupo unido a uma doutrina, nascido há cinquenta ou trinta anos com o propósito de romper a resistência que uma sociedade compacta oferecia à arte moderna, não sobreviveu às condições históricas que o tornaram possível. Conspirar em nome das artes não é possível senão onde elas sofrem opressão. Uma vanguarda a que os poderes oficiais favorecem é uma vanguarda que perdeu o direito de sê-lo. (...) Ela faz comércio de um futuro que não lhe pertence. Seu movimento não é senão regressão. A vanguarda se transformou no seu oposto, ela se tornou anacronismo. O risco pouco visível mas infinito, em que vive o futuro das artes, ela recusa assumir." (p. 112; grifos meus) [56] VIDAL, Gore. Letras francesas: teorias do novo romance. In: De fato e de ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. pp. 169. [57] MAFFESOLI, Michel. A conquista do presente. Natal: Argos Editora, 2001. "O concreto e a retórica, a imagem e o verbo são expressões do barroco cotidiano em que o menor fato anódino se torna suntuoso e teatral. Também aí encontramos a predominância da imagem, do aparecer, do insignificante. O ritual social culmina nessa retórica pictural que exprime, por atalho, o trajeto da gesta humana. O jogo teatral que se esgota em seu próprio ato. É nesse sentido, pelo seu afrontamento da finitude, que ele é trágico. Mas se trata de um trágico visual, um trágico de ópera, em que, numa conjunção de imagens e palavras, é todo um espaço público que se desenha, espaço de troca, espaço de circulação sem fim dos afetos e das paixões." (p. 214; grifos meus) [58] Para uma descrição mais pormenorizada sobre a montagem no cinema, consultar EISENSTEIN, Sergei. Film form. New York: Harcourt, Brace & World, 1949.[59] O autor como produtor. In: Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1895, pp. 187-201. A citação está na p. 198. A explanação, mais detalhada, que Benjamin faz sobre o assunto é a seguinte: "A interrupção da ação - por causa da qual Brecht chamou o seu teatro de épico - atua constantemente contra a ilusão do público. Tal ilusão é complemente inútil para um teatro que pretenda trabalhar os elementos do real no sentido de um experimento. No fim e não no começo deste experimento é que estão, porém, as situações e circunstâncias. Situações que, nesta ou naquela configuração, sempre são as nossas. Elas não são levadas para mais perto do espectador, mas distanciadas dele. Ele as reconhece como as situações reais, não como auto-suficiência como no teatro do naturalismo, mas com espanto, com estranheza. (...) a interrupção não tem aqui um caráter de divertida atração, mas uma função organizatória. Detém o curso da ação, obrigando com isso o espectador a assumir uma postura quanto à ação e obrigando o ator a posicionar-se ante o seu papel." (pp. 198-199; grifos meus) [60] Façamos a distinção entre enredo/trama e fábula/história. Enredo, trama, intriga é a organização artística da fábula/história, a maneira como algo é narrado ao leitor. [61] BENJAMIN, Walter. Op. cit., p. 207. [62] La peintre de la vie moderne. In: BAUDELAIRE, Charles. Ouvres complètes. Paris: Seuil, 1968. p. 553. [63] Consultar nas Ouvres complètes. Paris: Seuil, 1968, os seguintes textos de Baudelaire: "Du vin et du haschish - comparés comme moyens de multiplication de l'individualité" (pp. 303-312) Sob o título "Les paredis artificiels - opium et haschish": "Le poème du haschish" (pp. 567-584) e "Un mangeur d'opium" (pp. 584-616). O poema do haxixe. Rio de Janeiro: Newton Compton Brasil Ltda., 1996. Um comedor de ópio. Rio de Janeiro: Newton Compton Brasil Ltda., 1996. [64] A discussão sobre a alteração da consciência, presente nos "Paraísos artificiais", nos poemas se dá metaforicamente. Tudo relacionado ao problema da percepção do tempo. Veja-se nos seguintes poemas do livro Les fleurs du mal: "- O douleur! Ô douleur! Le Temps mange la vie, / Et l'obscur Ennemi Qui nous ronge le coeur / Du sang que nous perdons croît et se fortifie!" ("L'Ennemi"); "Toutes m'enivrent! Mais parmi ces êtres frêles / Il en est Qui, faisant de la douleur un miel..." ("Les petites vieilles); "Moi, je buvais, crispé comme un extravagant, / Dans son oeil, ciel livide où germe l'ouragan, / La douceur Qui fsacine et le plaisir qui tue." ("A une passante"). Nos Pequenos poemas em prosa: Tempo/láudano: "Não! Já não existem minutos! Já não existem segundos! O tempo desapareceu; é a Eternidade que reina, uma eternidade de delícias! (...) Sim! O Tempo reina; ele retomou sua brutal ditadura. E me empurra, como se eu fosse um boi, com seu duplo aguilhão." ( "O quarto duplo"); tempo/olho da mulher: "(...) no fundo de seus olhos adoráveis sempre vejo distintamente a hora, sempre a mesma, uma hora vasta, solene, grande como o espaço, sem divisões em minutos e segundos, - uma hora imóvel eu não está marcada nos relógios e, no entanto, leve como um suspiro, veloz como uma espiada." ("O relógio") [65] VER "A une heure du matin" in Pequenos poemas em prosa (Trad. Dorothée de Bruchard, edição bilingüe). Florianópolis: Editora da UFSC, 1996. p. 54/57. "(...) être monté pour tuer le temps, pendant une averse, chez une sauteuse, Qui m'a prié de lui dessigner un costume de Vénustre (...)" (p. 54; grifos do original)
[66] BAUDELAIRE, Charles. Ouvres complètes. Paris: Seuil, 1982. p. 704. Grifos meus. Original: "L'IVROGNE - Ne pas oublier que l'ivresse et la négation du temps, comme tout état violent de l'esprit, et que conséquemment tous les résultats de la perte du temps doivent défiler devant les yeux de l'ivrogne, sans détruire en lui l'habitude de remettre au lendemain sa conversion, jusqu''a complète perversion de tout les sentiments et catastrophe finale." [67] Conto publicado no volume intitulado Rútilo Nada/Obscena senhora D/Qadós. Campinas: Pontes, 1993. Apenas "Rútilo Nada" é inédito, os dois outros textos já tinham sido publicados. [68] O filósofo Terêncio, que escreveu Homo sum; humani nihil a me alienum puto, "Sou um homem; nada do que é humano me foi estranho." A escritora retirou esta frase, que encerra o conto "Rútilo Nada", do prefácio que Anatol Rosenfeld fez para Fluxo-floema, o primeiro livro de prosa de Hilda Hilst, publicado em 1970. [69] Gostaria de citar, aqui, uma possível fonte inspiradora do poema de Baudelaire. Trata-se de um trecho do texto "A filosofia da composição", de Poe: "Eu já havia chegado à idéia de um Corvo, a ave do mau agouro, repetindo monotonamente a expressão 'Nunca mais', na conclusão de cada estância de um poema de tom melancólico e extensão de cerca de cem linhas. Então, jamais perdendo de vista o objetivo - o superlativo, ou a perfeição em todos os pontos - perguntei-me: 'De todos os temas melancólicos, qual, segundo o compreensão universal da humanidade, é o mais melancólico?' A Morte - foi a resposta evidente. 'E quando - insisti - esse mais melancólico dos temas se torna o mais poético?' (...) 'Quando ele se alia, mais de perto, à Beleza; a morte, pois. De uma bela mulher é, inquestionavelmente, o tema mais poético do mundo e, igualmente, a boca mais capaz de desenvolver tal tema é a de um amante despojado de seu amor.' " In: POE, E. A. Poemas e ensaios. Rio de Janeiro: Globo, 1985. pp. 106-107. [70] O "ut pictura poesis" (assim como é pintura, é poesia), de Horácio. "The notion that poetry and painting are alike had had some currency even before Horace, who probably knew - even if he may not have assumed that his audience would recall - the more explicit earlier statement of Simonides of Keos (first recorded by Plutarch, De gloria Atheniensium, 3.347a, more than a century after Ars Poetica): "Poema pictura loquens, pictura poema silens" (poetry is a speaking picture, painting a silent [mute] poetry)." Disponível em: https://www.english.upenn.edu/~afilreis/88/utpict.html - Acesso em: XX [71] ELIAS, N. Sobre el tiempo. México: Fondo Cultura Económica, 1997. pp. 146-7. [72] DELEUZE, G; GUATTARI, F. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. p. 130. [73] A relação entre o real e o imaginário é descrita, por alguns autores, ligada à simulação e à dissimulação. Jean Baudrillard afirma que a liquidação de todos os referenciais marca a era da simulação, na qual acontece uma operação de dissuasão de todo o processo real pelo seu duplo operatório, ou seja, há uma substituição no real dos signos do real, que nunca mais terá a oportunidade de se produzir, ao abrigo do imaginário, senão como hiper-real. Sobre a (dis)simulação o autor diz: "Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. Mas é mais complicado, pois simular não é fingir: 'Aquele que finge uma doença pode simplesmente meter-se na cama e fazer crer que está doente. Aquele que simula uma doença determina em si próprio alguns dos respectivos sintomas. (Littré) Logo fingir, ou dissimular, deixam intacto o princípio da realidade: a diferença continua a ser clara, está apenas disfarçada, enquanto que a simulação põe em causa a diferença do 'verdadeiro' e do 'falso', do 'real' e do 'imaginário'. O simulador está ou não doente se produz 'verdadeiros' sintomas?" (BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D'Água, 1981. p. 9-10) A questão que Baudrillard coloca já aparece, de certa forma, nos tratadistas barrocos. No prefácio do livro Da dissimulação honesta, de Torquato Accetto, Alcir Pécora diz: "Também Benedetto Croce compreende a 'identidade substancial' que Accetto prevê entre simulação e dissimulação, conceitos distintos apenas como 'positivo e negativo do mesmo', da mesma maneira que ocorre nas fórmulas de Grotius, que os define da seguinte forma: Simulatio (rei absentis): euis quod renera non adest, praetexta praesentia (aquilo que verdadeiramente não está junto, apresentado como presente); Dissimulatio (rei praesentis): euis quod revera adest, negata praesentia (aquilo que verdadeiramente está junto, negada a presença)." In: (ACCETTO, Torquato. Da dissimulação honesta (trad. Edmir Missio). São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. XVII-XVIII) [74] DERRIDA, Jacques. Torres de Babel. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. [75] Essa eterna mutabilidade do mesmo pode demonstrar uma contradição da busca infreada da "novidade". Com a diferença de que hoje a velocidade em que as coisas são esquecidas é muito mais rápida, essa idéia pode ser aproximada de uma reflexão feita por Enzensberg: "O produto estético de amanhã, oferecido hoje, será olhado amanhã como um resto invendável que irá parar no arquivo ou no armazém: talvez dentro de dez anos lhe toque a sorte de ser lançado de novo como um remake sentimental. A obra de arte está também submetida aos procedimentos do envelhecimento artificial, já que ao mesmo tempo se cobra e se elimina sua glória futura; ou melhor, se transforma, sob a forma de publicidade, em uma glória antecipada que se outorga à obra antes de sua aparição. Sua posteridade se produz industrialmente, de maneira que o princípio da não simultaneidade do simultâneo se converte em realidade educando a clientela para que seja uma clientela de vanguarda que quer adquirir a última novidade e exige, de certo modo, não consumir senão o futuro." (p. 95) Consultar: ENZENSBERGER, Hans Magnus. As aporias da vanguarda. In: Revista Tempo Brasileiro (no 26/27) - Vanguarda e modernidade. Edições Tempo Brasileiro: Rio de Janeiro, jan./março 1971. pp. 85-112. [76] COUCHOT, Edmond. La technologie dans l'art. Nîmes: Éditions Jacqueline Chambom, 1998. pp. 115-116. [77] Alguns autores: MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 2001.; DELEUZE, Gilles. Cinema (a imagem-movimento). São Paulo: Brasiliense, 1985.; PARENTE, André (org.). Imagem-máquina (a era das tecnologias do virtual). São Paulo: Ed. 34, 1993.; BARROS, Ana & SANTAELLA, Lucia (Orgs.). Mídias e artes: os desafios da arte no início do século XXI. São Paulo: Unimarco Editora, 2002. [78] Alusão a uma frase usada por alguns jornalistas: "Para o jornalismo, nada mais remoto que o ontem." [79] Considerando-se o enunciado como um 'lance' feito num jogo, uma possível derivação é que "(...) falar é combater, no sentido de jogar, e que os atos de linguagem provém de uma agonística geral. Isso não significa necessariamente que se joga para ganhar. Pode-se realizar um lance pelo prazer de inventá-lo: não é este o caso do trabalho de estímulo da língua provocado pela fala e pela literatura? A invenção contínua de construções novas, de palavras e de sentidos é o que faz evoluir a língua, proporciona grandes alegrias. Mas, sem dúvida, mesmo este prazer não é independente de um sentimento de sucesso, sobre um adversário pelo menos, mas de envergadura: a língua estabelecida, a conotação." In: LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p. 17. Grifo meu. [80] COUCHOT, Edmond. La technologie dans l'art. Nîmes: Éditions Jacqueline Chambom, 1998. pp. 116. [81] A relação entre arte e técnica/tecnologia é uma questão, para mim, um pouco confusa. Podemos tomar esta relação segundo Lyotard: "Técnica: seria necessário tempo para comentar o emprego filosófico da palavra. Lembrar-se de que techné designa em grego antigo ao mesmo tempo a arte e o que chamamos de tecnologia. Lembrar-se também de que tecnologia sempre significa nova tecnologia.". In: LYOTARD, J.F. Peregrinações. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. p. 51. Ou, segundo a concepção de Couchot: "Il faut remarquer d'abord que l'ordinateur et la télévision sont redevables à une technique commune de leur perfectionnement et leur développement, celle du tube à vide. Elle est à l'origine de l'électronique, technologie qui marque un changement capital par rapport aux techniques mécaniques et électriques et à la maîtrise de énergies. L'électronique n'est plus une technique dans la mesure où elle n'est plus empirique mais solidaire de la science, de ses théories, de ses formalisations mathématiques.". In: COUCHOT, Edmond. La technologie dans l'art. Nîmes: Éditions Jacqueline Chambom, 1998. p. 76-77. [82] "A alusão a Peter Schlemihl, L'Homme qui a perdu son Ombre, não é acidental. Pois a sombra, como a imagem no espelho (no Estudante de Praga), é por excelência um resto, algo que pode 'cair' do corpo, assim como os cabelos, os excrementos ou os detritos de unhas aos quais estão assimiladas em toda a magia arcaica. Mas são também, sabemo-lo, 'metáforas' da alma, da respiração, do Ser, da essência, do que dá um profundo sentido ao sujeito. Sem imagem ou sem sombra, o corpo torna-se um nada transparente, já não é ele próprio nada mais que resto. É a substância diáfana que fica, uma vez que a sombra se vai. Já não há realidade: foi a sombra que levou consigo toda a realidade (o mesmo se passa em O estudante de Praga, a imagem quebrada com o espelho implica a morte imediata do herói - seqüência clássica dos contos fantásticos - ver também A sombra de Hans Christian Ardensen). Assim, o corpo pode ser apenas o detrito do seu próprio resíduo, racaída da sua própria recaída. Só a ordem dita real permite privilegiar o corpo como referência. Mas nada na ordem simbólica permite fazer uma aposta sobre a prioridade de um ou de outro (do corpo ou da sombra). E é esta reversão da sombra sobre o corpo, esta recaída do essencial, no limite do essencial, sob o golpe do insignificante, essa derrota incessante do sentido perante o que dele resta, quer sejam os detritos de unhas ou o objeto 'alínea a)', que constitui o encanto, a beleza inquietante destas histórias." In: BAUDRILALRD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D'Água, 1991. p. 178; nota 1 ; grifos do meus. [83] Alguns autores usam o conceito de "reprodutibilidade técnica", de Benjamin, em seus estudos sobre a cultura virtual. Conferir: PAIVA, Cláudio Cardoso de. Walter Benjamin e a imaginação cibernética: experiência e comunicabilidade na era do virtual. In: https://ubista.ubi.pt/~comum/cardoso-claudio-paiva-walter-benjamin.html [84] La peintre de la vie moderne. In: BAUDELAIRE, C. Ouvres complètes. Paris: Seuil, 1968. p. 553. [85] Referência casual ao livro, de Maurice Blanchot, Conversa infinita. [86] Uma experiência que lida com a efemeridade do virtual é o holopoema. Cf. MACHADO, Arlindo. O sonho de Mallarmé. In: Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 2001. pp. 165-191. "Uma primeira aproximação do sonho mallarmaico poderia estar no holopoema, o poema construído com luz paralela do laser num espaço virtual de três dimensões. Certamente, é preciso considerar que a maior parte dos poemas esculpidos em hologramas, como de resto acontece com todas as novas tecnologias, não consistem senão adaptações tridimensionais de poemas que já funcionam bem na página plana e aos quais a dimensão de profundidade não acrescenta qualquer coisa de essencial. É o que acontece, por exemplo, em certos trabalhos holográficos do alemão Dieter Jung, que apenas exibem um novo arranjo espacial para poemas em versos - de resto, convencionais - de Hans Magnus Enzensberger. Mas quando acontece de o holopoema explorar as possibilidades de uma escritura verdadeiramente tridimensional, o resultado pode ser desconcertante, pois ele coloca o leitor diante de um texto paradoxal, um texto onde as palavras não estão mais arranjadas por nexos absolutos de linearidade e cujas relações sintáticas encontram-se em permamente transformação. Examinemos um poema como Luz / Mente / Muda / Cor de Augusto de Campos, na versão holográfica de Júlio Plaza: distribuídos no espaço tridimensional, em diferentes posições das coordenadas x, y e z, os grafemas 'muda', 'luz', 'cor' e 'mente' podem ser combinados de várias maneiras, possibilitando múltiplas leituras. Não existindo espaço plano, não há seqüência 'lógica de leitura', nem qualquer espécie de hierarquia regendo s combinações, tanto mais que o simples deslocamento do leitor diante do objeto virtual já faz com que o arranjo tridimensional se altere em relação a ele. Dependendo de como cada leitor se posiciona em relação aos vocábulos em cada momento, as funções gramaticais se alteram: 'muda' pode ser verbo ou adjetivo; 'mente' pode ser verbo, substantivo e até mesmo sufixo adverbial. A ambigüidade do arranjo estrutural, associada ainda à ambigüidade dos efeitos cromáticos da holografia (as cores se alternam ao menor movimento do leitor), permitem obter diversas soluções de montagem, num processo que lembra estreitamente - como observou Plaza (...) - a própria perfomance do pensamento ao operar por associações. Distribuído no espaço tridimensional, o poema de Augusto de Campos funciona melhor do que na página impressa, pois adquire uma forma dinâmica que não está muito evidente no papel." (p. 167-169; grifos meus) [87] In: ISHIKAWA, Takuboku. Tankas. São Paulo: Massao Ohno/Aliança Cultural Brasil-Japão, 1991. p. 173. "Dai' significa: título, assunto, tema. Tradução: "Daí" mais de cem vezes escrita na areia voltei cansado desisti de morrer. [88] BAUDRILLARD, Jean. Cool memories II. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. p. 39. |